NACIONAL

Comemoração dos 23 anos da Revolução


Povo em massa
na festa da Liberdade



O desfile popular que inundou de gente a avenida da Liberdade, em Lisboa, voltou a ser o ponto alto das comemorações do 25 de Abril. Evocativa desse marco fundador do regime democrático, 23 anos depois do corajoso levantamento militar que devolveu a liberdade e a democracia aos portugueses, a jornada deste ano foi marcada pela oposição às negociatas que visam desvirtuar a Constituição, pela luta contra a flexibilidade e a polivalência, pela igualdade de direitos, pela necessidade de uma viragem à esquerda na política nacional. Em palavras de ordem insistentemente gritadas ou inscritas nas faixas por si empunhadas, esta foi uma forma de dizer Abril pelos muitos milhares de cidadãos que desfilaram no coração da capital, deste modo reiterando a esperança e a sua fidelidade aos valores de justiça social, solidariedade e progresso.


E se a jornada foi de luta, pontuada por uma grande afirmação de confiança, ela foi simultaneamente um enorme espaço de confraternização e alegria. No desfile, no qual se incorporou Carlos Carvalhas, Secretário-Geral do PCP, e que contou com a presença de vários militares de Abril e de outros dirigentes partidários, essa atmosfera de animação esteve claramente patente, tornando-se extensiva - ou recíprocamente contagiante - aos muitos outros milhares de pessoas que dos passeios assistiram à sua passagem.

Antes mesmo do arranque da cabeça da manifestação, que acabou por ocorrer um pouco para além da hora prevista, era, aliás, já impressionante o número de pessoas, em família ou grupos de amigos, que ocupavam a toda a largura das suas faixas e passeios a avenida da Liberdade, do Marquês à entrada dos Restauradores, num vai-vem de cor e movimento.


Presença juvenil

Mas o que parece ter contribuído inegavelmente para esse ambiente de festa que este ano, mais do que em anteriores, marcou as comemorações - essa é pelo menos a convicção do repórter, partilhada por outras opiniões que ouviu em sentido idêntico - foi a elevada presença juvenil, quer em compactas formações de jovens, quer de forma dispersa pelo corpo da manifestação. Não faltou sequer um grupo de motards, membros do "Moto Clube do Tojal", Loures, que entendeu associar-se às comemorações, não apenas com a sua presença mas fazendo incorporar no desfile as suas potentes máquinas.

Foi pois esta grande manifestação que, mais de duas horas e meia depois do seu início - e esta é outra curiosidade a merecer destaque -, já o comício propriamente dito era dado por terminado nos Restauradores, tinha ainda a sua cauda sensivelmente a meio da avenida.

"Virar à esquerda é preciso", "Uma Constituição para todos", "Sim à função social do Estado" "Não à flexibilidade e polivalência", "trabalho com direitos para todos", "Por uma política de esquerda", "25 de Abril é para cumprir", "Por reformas dignas e justas", eis algumas das palavras de ordem inscritas nas faixas empunhadas pelos manifestantes, enquadrados em organizações sindicais e populares, associações cívicas e autarquias.


Por um futuro melhor

No palco montado à entrada do Restauradores, Paulo Caetano, falando em nome dos jovens, abriu o período de intervenções, lembrando aqueles que há 23 anos, pertencendo a "uma geração irrequieta e sonhadora", fizeram a Revolução de Abril.

Foram jovens, sublinhou, que "lutaram contra o fascismo nas fábricas e nas universidades, sofreram com a guerra colonial e com perseguições políticas" e, "por vezes inconsequentes" mas "sempre solidários, arriscaram a sua utopia na Revolução em busca de um futuro melhor".

A precaridade no emprego e a delapidação do património natural e ambiental foram também objecto de análise por parte de Paulo Caetano, que, reportando-se a outras questões de actualidade, no eixo das preocupações dos jovens, abordou depois a problemática do ensino para concluir que os estudantes, "fartos de ser enganados com promessas sobre as propinas e o apoio social escolar, não baixarão os braços e lutarão em unidade pelos seus direitos".


Dinâmica de transformação

Do novo Portugal saído da Revolução e dos desafios que se colocam à sociedade portuguesa falou depois Vitor Alves, da "Associação 25 de Abril" e da comissão promotora das comemorações. Por si salientado foi o facto de a independência das colónias ter sido "um dos actos que mais ilustra e honra a Revolução do 25 de Abril", mais exactamente uma "vitória irreversível das forças democráticas e progressistas que, a par do nascimento de países de expressão oficial portuguesa, abriu condições excepcionais para a projecção de Portugal no Mundo".

Reportando-se ao papel do MFA, sem deixar de assinalar o contributo de muitas forças e personalidades democráticas, Vitor Alves considerou oportuno lembrar que ao movimento dos jovens capitães fica a dever-se efectivamente a " iniciativa histórica que liquidou o sistema colonial-fascista e abriu o caminho e criou condições para a restauração da liberdade e da implantação da democracia".

Entendendo que a liberdade é a "razão de ser das comemorações" e será sempre a "arma fundamental para lutar contra a injustiça social, contra os opressores", Vitor Alves referiu-se depois àquele que do seu ponto de vista constitui o significado fundamental do 25 de Abril, o qual, observou,"não se esgota como símbolo de libertação", antes se afirma como o "momento do arranque de uma dinâmica de transformação da sociedade".

Daí a importância atribuída por Vitor Alves à educação, elegendo-a como uma "verdadeira questão de Estado", por ser "transversal a toda a sociedade portuguesa edecisiva para o nosso futuro colectivo".

"É na excelência do modelo organizativo de ensino e no diálogo construtivo com os seus agentes de base - conclui aquele militar de Abril - que está a chave do êxito para a formação de gerações mais informadas e competitivas e melhor preparadas para o exercício de uma cidadania responsável".

No decorrer do comício foi ainda lido por Fernanda Lapa e Orlando da Costa um documento subscrito pela comissão promotora da manifestação no qual, depois de feita uma reflexão sobre a evolução da sociedade portuguesa nas últimas duas décadas, é lançado um apelo ao recrudescimento da intervenção dos cidadãos, "à participação activa das organizações juvenis, sindicais e cívicas na defesa e viabilização da democracia".