INTERNACIONAL

Peru


A democracia sangrenta de Fujimori



No dia 22 de Abril, unidades militares e policiais atacaram a residência do embaixador do Japão em Lima, pondo fim a 126 dias do sequestro perpetrado pelo Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA). Durante a acção os 15 rebeldes foram mortos pelas forças de Fujimori (inclusivé duas jovens), bem como um refém.


No dia seguinte alguns reféns libertados vieram a público denunciar a chacina levada a cabo pelos militares. De acordo com aquelas testemunhas, os membros do MRTA foram executados depois de se renderem. Estavam desarmados e com as mãos no ar. Grande parte deles encontrava-se a jogar futebol aquando do ataque.

O jornal «La República» anunciou que o líder do comando, Nestor Cerpa, foi atingido na cara e no corpo várias vezes, e que as duas jovens não foram mortas durante o assalto inicial. Os corpos dos tupacamaristas foram levados para a morge de Lima, sem que ninguém os tivessem visto, nem sequer as próprias famílias.

«Assisti a uma carnificina», disse um refém após a sua libertação. Outro refém declarou que viu um revolucionário ser capturado vivo e a ser levado pelos soldados. «Percebi que o rebelde detido tinha sido morto quando ouvi nas notícias que todos os membros rebeldes tinham morrido no ataque», explicou. O governo, por seu lado, nega: «Todos eles foram mortos em combate», afirmou o ministro do Interior, o general Cesar Saucedo.

Setenta e um reféns foram libertados durante o ataque. O presidente Alberto Fujimori encerrou este capítulo da história peruana empregando a força, depois de passar quatro meses a declarar que a solução do sequestro seria pacífica (ver cronologia).

O túnel utilizado pelos comandos no início do raid tinha três metros de profundidade e foi equipado com electricidade e sistemas de ventilação. Os militares usaram cerca de quatro quilogramas de explosivos plásticos para fazer buracos no chão da residência.

Segundo a representante do Movimento Tupac Amaru na Europa, este ataque não constituiu uma surpresa. Numa entrevista concedida na quinta-feira e divulgada pela Internet, Norma Velazco afirmou que «Fujimori, desde o princípio, procurou uma solução militar. Mesmo antes da acção de ocupação ter início, foi imposta a lei marcial em Lima e na área do porto de Calhau. Muitos camponeses foram presos sem justificação e acusados de pertecerem ao MRTA».

«Não tinhamos ilusões», sustentou Velazco, acrescentando que no entanto tinham «alguma esperança que a opinião pública internacional aumentasse a pressão sobre o governo peruano e o forçasse a ceder. Refiro-me a países onde as pessoas podem sair às ruas e manifestar as suas opiniões, não a países como o Peru».

A representante dos revolucionários considera que esta é sem dúvida uma séria derrota para o MRTA: «Nem o movimento nem o povo peruano ganharam nada com isto. Mas esta questão ainda não terminou. Perdemos a batalha, mas a luta continua».

«Os problemas da população do Peru não vão ser resolvidos com esta acção. Uma grande parte da população continua a sofrer com pobreza, fome e falta de cuidados médicos, e estas questões estão a piorar», sublinhou Norma Velazco. Acrescente-se que metade da população, ou seja, 12 milhões de pessoas, são pobres.

Relembre-se que os revolucionários apresentavam como exigências a libertação dos seus companheiros detidos e a melhoria das suas condições alimentares e sanitárias, um novo rumo económico para a sociedade peruana e o pagamento de um «imposto de guerra» destinado a organizações populares.

Numa nota à imprensa, o Partido Comunista do Peru, condenando as formas de luta do MRTA, lamenta as mortes ocorridas no dia 22 e reafirma que «a opção correcta teria sido uma saída pacífica global e negociada».


Dias de diálogo
... a preparar o massacre


Janeiro

10 - O governo propõe ao MRTA a formação de uma comissão de garantes que permita o diálogo

15 - O MRTA aceita a proposta do governo.

17 - Os sequestradores libertam um chefe da polícia antiterrorista devido ao seu estado de saúde.

18 - É formada a comissão de garantes com a inclusão do arcebispo de Ayacucho, Juan Luis Cipriani, o embaixador do Canadá Anthony Vincente, e o chefe da Cruz Vermelha no Chile, o suíço Michel Minnig.


Fevereiro

01 - Fujimori e o primeiro-ministro do Japão, Ryutaro Hashimoto, anunciam em Toronto, Canadá, a sua decisão de não ceder às exigências do MRTA, mas sublinham a necessidade de se iniciar um diálogo preliminar.

06 - A comissão de garantes reúne-se pela primeira vez com Nestor Cerpa, comandante dos sequestradores.

09 - Fujimori anuncia que em 11 de Fevereiro poderão ser iniciadas conversações preliminares com o MRTA.

11 - O interlocutor oficial Domingo Palermo e o representante do MRTA, Roli Rojas (el arabe) iniciam o diálogo na presença dos garantes.

17 - Fujimori desmente a existência de um plano militar secreto para resgatar pela força os reféns com o apoio dos Estados Unidos.


Março

06 - Os sequestradores rompem o diálogo e acusam o governo de construir um túnel para resgatar os reféns pela força.

07 - Os garantes convidam o governo a respeitar o seu compromisso de solução pacífica da crise.

09 - Cerpa aceita recomeçar as conversações.

11 - Fujimori exige ao MRTA resultados concretos e nega-se a confirmar a presumível existência de um túnel para libertar os 72 reféns.

18 - O governo japonês convida Fujimori a que «acelere» o processo de solução pacífica.

21 - Garantes declaram-se no limite das suas possibilidades e imploram ao governo e MRTA para aproximarem as suas posições.

22 - Fujimori ratifica a sua vontade de encontrar uma solução pacífica para a crise mas sem sacrificar a segurança nacional.

23 - O garante do Vaticano, Juan Luis Cipriani, pede à comunidade internacional que ajude o governo peruano a propor alternativas para uma solução «politicamente aceitável».

25 - Fujimori renova o seu compromisso com uma solução pacifica para a crise.

27 - O governo de Cuba reitera a sua disposição de receber os assaltantes do MRTA caso se chegue a um acordo entre as partes.


Abril

04 - Reforço do dispositivo de segurança em torno da sede diplomática.

07 - O recurso à força está excluído na crise dos reféns, diz o presidente Fujimori.

12 - Cipriani anuncia progressos nas negociações.

16 - Encontro de mais de duas horas entre Cipriani e o chefe de estado peruano, o segundo em 24 horas.

19 - O MRTA exige que o Governo liberte 30 presos do movimento com problemas de saúde. A libertação é considerada pelo comando indispensável para a resolução pacífica da «crise dos reféns». Esta exigência representa um «abrandamento» das posições dos guerrilheiros.

Segundo o jornal "La Republica" fazem parte da lista, entre outros, Victor Polay Campos (fractura da clavícula, subnutrição e afecção ocular), Lucero Cumpa (reumatismo, subnutrição), Peter Cardenas Shulte (contusões múltiplas, subnutrição) e Hector Garcia Neyra (tuberculose). A lista inclui ainda quatro estrangeiros membros do movimento: os chilenos Maria Pincheira (alterações mentais, úlceras), Lautaro Mellado (fractura de um pé) e Alejandro Astorga (bronquite crónica) e o norte-americano Lori Berenson (bronquite).

- O Governo peruano «despede» o representante da Cruz VermelhaInternacional, Jean Pierre Schaerer, que negociava com o MRTA. Não são dadas explicações para o facto.

22 - Assalto das forças governamentais à embaixada. Os membros do MRTA são todos chacinados.