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Um amanhã que já cá canta



Muitos milhares de pessoas, em todo o País, comemoraram Abril. Como é natural, estas comemorações populares foram praticamente ignoradas ou memorizadas pelas comunicação social dominante. De facto, Abril - com os seus valores e os seus ideais, mostrando-nos que o sonho é possível e que a luta vale a pena - incomodou e incomoda os donos dessa comunicação social que são, também, os donos do País. Para eles, Abril foi, a dado momento, um pesadelo, um mau exemplo que é necessário apagar da nossa memória colectiva.


Assim, não é de estranhar que, por exemplo, o jornal de Belmiro de Azevedo não tenha tido, nas edições de 25 e 26, um cantinho sequer da sua 14 página para falar do 25 de Abril. Os problemas do GP de Portugal de Fórmula I; a "sintonia entre PS e PP" não sei em que matéria; o "Monteiro a inviabilizar a AD", o Mobutu a acusar Luanda de invasão; o Marcelo a lançar o seu enésimo ultimato... essas, sim, foram novidades dignas da 1ª página. Nas interiores, o director repetiu a estória do "ritual" que são as comemorações (se elas acabassem proclamaria, triunfante, na 14 página que: Abril morreu, já ninguém o comemora) e o repórter de serviço à Avenida foi exemplo no seu papel de voz do dono. Além disso, tivemos, no domingo, o inevitável Barreto, coitado, cada vez mais ridículo no esforço desesperado de fingir que tem opiniões próprias e que não é um entre muitos papagaios do pensamento único difundido à ordem e às custas da nova ordem comunicacional.
"A
s coisas, finalmente, não correram assim tão mal", suspira a triste figura que acrescenta, relembrando pesadelos: "o pior, na altura, foi a descolonização" e "a revolução", carregada de "mitos obsoletos" e a pensar que "tinha chegado a vez dos amanhãs que cantam". Felizmente chegaram amanhãs que choram e, diz ele, isto hoje está uma desgraça, "vivemos mal. Muito mal." Claro que isto é uma maneira de falar, Porque Barreto não "vive mal, muito mal", pelo contrário, estou em crer que vive bem, muito bem.


Insinua Barreto que as causas deste mal-viver da maioria radicam no Parlamento que é mau, muito mau. A política de direita praticada desde 1976 nada tem a ver com isso, e Barreto, ex-deputado e ex-ministro, também não: ele limitou-se (e limita-se) a dar o seu contributo para a edificação de um sistema nada obsoleto, decretado pelo Governo dos EUA e aplicado com a ajuda da CIA. (Bem aplicado, aliás, como recentemente foi sublinhado numa lúgubre cerimónia promovida pela SIC e na qual Carlucci entregou O Prémio a Soares.)


Por tudo isto, são normais as raivas destapadas contra as comemorações de Abril, nas quais muitos milhares de cidadãos confirmaram que Abril está vivo e que o sonho continua.
Revolução de Abril mostrou-nos um bocadinho do futuro possível e, por muito que custe - e custa! - a todos os barretos e aos seus donos, para nós, o 25 de Abril é um amanhã que já cá canta.


José Casanova