EM FOCO

As realidades virtuais do Governo


Por Octávio Teixeira



No passado dia 24 de Abril o Primeiro-Ministro apareceu na Assembleia da República para fazer um espectáculo de propaganda sobre a alegada evolução muito favorável da conjuntura económica nacional. Espectáculo eufórico que se baseava na divulgação pública de estimativas e previsões de algumas instituições, nomeadamente da Comissão Europeia, do FMI e do Banco de Portugal. Divulgação pública que, certamente por "mera coincidência" se verificou nos quatro ou cinco dias anteriores à data marcada para a presença do eng. António Guterres na Assembleia da República.


Pretendeu o Primeiro-Ministro, com o acenar daquelas previsões, desmentir aquilo que todos sentem e que os vários inquéritos de opinião têm deixado perceber: que os portugueses cada vez mais estão insatisfeitos com a actividade governativa do executivo liderado pelo eng. António Guterres, e que essa insatisfação resulta, talvez fundamentalmente, do facto de os portugueses não verem melhorar as suas condições de vida e confrontarem-se crescentemente com o espectro do desemprego.

Ou seja, o Primeiro-Ministro procurou desmentir a realidade sentida pela generalidade dos portugueses com as previsões de algumas instituições. Procurou transmitir para a opinião pública a ideia (velha de 1993, com Cavaco Silva e Braga de Macedo) de um novo "oásis". Ou, nestes tempos de maior influência dos meios informáticos, de uma situação económica virtual, em que o crescimento económico se não reflectiria nem no aumento dos salários, nem no aumento do emprego, nem no dia a dia dos trabalhadores e da população em geral.

Contrariamente à atitude eufórica do Primeiro-Ministro, procuremos ver a questão, pelo menos, com alguma prudência.

Em primeiro lugar, e independentemente do maior ou menor respeito que no âmbito técnico nos possam merecer aquelas instituições, é necessário considerar que previsões são apenas isso e nada mais que isso. Previsões que, aliás, todos os anos são feitas pelas mesmas instituições, e que sempre apresentam desvios sensíveis quando são definitivamente divulgados os dados estatístico reais.

Por outro lado, não é nada estranho que aquelas instituições apresentem previsões macroeconómicas relativamente próximas, pois a sua base de trabalho é a mesma, é a fornecida pela instituição nacional em questão.

Em terceiro lugar, é importante realçar (e só isso justificaria alguma prudência do Primeiro-Ministro) que em termos de projecções futuras o FMI, por exemplo, prevê um aumento do desemprego, enquanto a CE e o BP admitem o inverso.

Mas vejamos alguns aspectos com um pouco mais de pormenor


Comecemos pelo crescimento económico, pela evolução da produção (do PIB).

Apontam as previsões e estimativas a que nos temos vindo a referir, no ano de 1996, para um crescimento do PIB da ordem dos 3%, e valores da mesma ordem de grandeza para 1997. Para além de Portugal, dado o seu baixo nível de desenvolvimento, necessitar de taxas de crescimento largamente superiores, da ordem dos 5 ou 6% anuais, será que aqueles valores mostram estarmos perante um crescimento sustentado para o futuro? A resposta é, em minha opinião, negativa. Porque a verdade é que, actualmente, o crescimento económico (qualquer que seja o seu valor efectivo) está sustentado não no investimento empresarial mas em três grandes obras públicas: EXPO 98, Ponte 25 de Abril e nova ponte sobre o Tejo. Isto é, um crescimento económico que assenta em obras que é suposto acabarem em 1998. E depois dessa data? Como será? Em que assentará o futuro crescimento económico se, entretanto, o investimento de empresas produtivas continua a vegetar?

Por outro lado, será que em 1996 o crescimento (não sustentado) terá sido, mesmo, da ordem dos 3%? Não me parece haver evidências de que assim tenha sido. Vejamos. É sabido que a evolução do PIB acompanha de perto a evolução do VAB (Valor Acrescentado Bruto, o aumento de riqueza produzida propriamente dito). Como o mostra o quadro.

Evolução real do VAB e do PIB, em Portugal (%)

 

 

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

VAB

5,3

5,3

5,3

4,5

2,2

2,3

0,4

0,8

2,1

PIB

5,9

5,5

5,3

4,6

2,3

1,9

-0,5

0,8

1,8

Fonte: INE


Ora, o que é que o INE nos diz para o ano de 1996? Até agora só foram tornadas públicas as contas nacionais trimestrais e provisórias, relativas ao 1º semestre. E nessas contas diz-se que, nessa metade do ano, o VAB teria crescido ao ritmo de 1%, e o PIB na ordem dos 3,2 %!!

Há algo que não joga! Nem mesmo no ano de 1993, em que o descalabro registado na cobrança dos impostos de importação e IVA explica a diferença entre a evolução do VAB e do PIB, essa diferença foi tão dilatada como a que agora nos é apresentada. No mínimo há que nos interrogarmos e não, como o faz o eng. António Guterres, entrar em euforias precipitadas e injustificáveis. Como é possivel, ou compreensível, que o Produto aumente do "lado da oferta" , do lado da produção efectiva, cerca de 1% e, do "lado da procura" três vezes mais? Para já a resposta é-nos dada pelas "discrepâncias" estatísticas... E quando essas discrepâncias forem, pelo INE, reduzidas aos seus valores normais, o que teremos em definitivo: o PIB a aproximar-se do VAB ou inversamente? Estou em crer que o mais natural será a primeira alternativa. Mas se, por mera hipótese académica, encararmos a segunda alternativa, então outra questão se coloca em relação a esta economia virtual: o aumento da riqueza criada é relativamente elevado mas não há o correspondente aumento dos salários nem do emprego. Então quem se apropria da prática totalidade do aumento da riqueza? O patronato. E então onde está a política redistributiva do Governo do PS? Limita-se ao aumento da exploração do trabalho!


Vejamos agora a questão do emprego.

Aqui, o Primeiro-Ministro é ainda mais categórico: o emprego está a aumentar em Portugal, demos a volta à tendência dos últimos anos de aumento do desemprego e diminuição do emprego, diz ele (eng. António Guterres).

Mas esta "realidade virtual" também não parece jogar com a "realidade real", com aquela que parece ser sentida pelos portugueses. Como não podemos ir ouvir todos os portugueses, um por um, para ver quantos de facto, e exactamente, estão desempregados, e quantos conseguiram arranjar um emprego nos últimos doze meses, lá terei de me socorrer, mais uma vez, das estatísticas oficiais, as estatísticas de emprego do INE.

E elas dizem-nos que entre o 1º trimestre de 1996 e o 1º trimestre de 1997, o número de portugueses "empregados" aumentou em 28.600. Raios.

Mas não é essa a informação colhida pelos sindicatos nem é essa a sensibilidade da generalidade dos portugueses. Onde estará o gato?

Regressemos ao INE, e sejamos mais prudentes e menos imponderados que o Primeiro-Ministro. É que o INE dá outras informações mais detalhadas. Designadamente: aquele aumento de empregados, de 28.600, resulta de um aumento de 50.300 empregados na Agricultura e de uma diminuição de 21.700 empregados na Indústria e nos Serviços. Esta é boa. Será que o único sector de actividade que em Portugal está em franco desenvolvimento é o da Agricultura? Mas os agricultores queixam-se, dizem que vai de mal a pior, e todos nós (incluindo o Governo e o eng. António Guterres) podemos "ver" isso. Até nos super e hiper mercados. E o INE dá-nos outra "dica": é que os trabalhadores "isolados" aumentaram em 38.300.

Então basta ler todos os números do INE para desvendar o "enigma" do emprego virtual do Governo do PS. O tal aumento estatístico do emprego no último ano foi nos "isolados" agrícolas. Na generalidade dos restantes sectores e categorias, houve diminuição do emprego.

O Governo chama "aumento do emprego" aos muitos milhares de portugueses que, certamente porque não conseguem arranjar qualquer emprego remunerado, são obrigados a regressar às suas aldeias para cultivarem algumas batatas e couves e criarem algumas galinhas para a alimentação própria, para garantirem a sua subsistência! E o Primeiro-Ministro de um Governo PS mostra-se satisfeito e eufórico quando, por acréscimo, as mesmas estatísticas oficiais dizem que nesse mesmo período o número de trabalhadores com contrato permanente diminuiu em 43.300, ao mesmo tempo que os trabalhadores sem contrato permanente, com emprego precário, aumentaram em 55.500! Com que é que, de facto, se mostra o eng. António Guterres satisfeito? Com o aumento da exploração e do poder discricionário (decorrente da precaridade) por parte do patronato, ou com o "regresso" à agricultura de subsistência e à perda de direitos e garantias no emprego por parte dos trabalhadores?

Uma política como a que está a ser conduzida pelo Governo do PS, uma política que no plano social conduz a estes resultados, manifesta e definitivamente em nada se diferencia das políticas liberais e de direita da última década.

Com um Governo do PS ou com um Governo do PSD, uma política de direita é e será sempre uma política de direita.

Como cantava o Chico Buarque ... mudar é preciso. De facto, virar à esquerda é preciso.