EM FOCO

As eleições na Grã-Bretanha


Conservadores estrondosamente
derrotados

Por Manoel Lencastre



O
resultado das eleições britânicas, realizadas no 1º de Maio, foi uma espécie de revolução nas urnas, o fim de uma era, o início de outra, a condenação categórica e total da política thatcherista do governo de John Major, o desejo do povo destas Ilhas de mudar de vida, o massacre mais completo do Partido Conservador, o repúdio de muitas das suas principais figuras.

Foi o grito de um povo que sofreu e continua a sofrer na carne e no espírito as consequências da entrada em cena, em 1979, do capitalismo monetarista da escola de Chicago, o mais feroz, o mais pirata e desumano, o mais mentiroso e mais inimigo do cidadão e da cidadã que trabalha para ganhar a sua vida.

A monótona mas consequente contagem dos votos, a comunicação dos resultados pela televisão a todo um país que sabia o que havia feito e aguardava confirmação de resultados, resultou num extraordinário e empolgante espectáculo.

O primeiro deputado a ser eleito foi o trabalhista Chris Mullin, um homem de esquerda, um parlamentar de confiança que tem impulsionado muitas campanhas a favor de trabalhadores e sindicalistas vitimizados pelos patrões e pelo governo. Mas a circunscrição que elegeu Chris Mullin é, tradicionalmente, e por razão de muitas causas, indefectivelmente trabalhista. Esta eleição não surpreendeu. O que desde logo saltou à vista foi a percentagem de votos perdidos pelos «tories» e o aumento da votação no candidato do Labour. Isto deu o tom para o que se iria passar ao longo de toda a noite. Os trabalhistas continuaram a ver os seus candidatos eleitos em regiões da sua influência. Mas quando surgiu o resultado da circunscrição de Edgebaston, em Birmingham, uma zona habitacional que nunca elegera um deputado trabalhista, começou a ter-se como garantido que aquela noite seria a do primeiro acerto de contas com os piratas a quem Margaret Thatcher inspirou o assalto aos bens das nações britânicas. A emoção indiscutível da nova deputada por Edgebaston, Gisela Stuart, transmitiu-se ao país. O povo tinha votado contra os conservadores «em massa». Todos os lugares tidos como marginais (com pequenas maiorias conservadoras) cairiam a favor dos trabalhistas.

E assim foi. A agonia dos «tories» mostrou-se digna de se ver. A Grã-Bretanha uniu-se naquela noite contra os especuladores, os privatizadores, os «yuppies», os corsários, a sociedade do novo-riquismo e do sistema do «eu e só eu», os usurpadores das grandes actividades económicas nacionais, os destruidores do Serviço Nacional de Saúde, os inimigos do socialismo, os divisionistas que assaltaram o Sistema Nacional de Educação para o colocarem ao serviço dos interesses da minoria, os incendiários que marginalizaram os sindicatos no conjunto da vida britânica, puseram na rua milhões de trabalhadores e fecharam milhares de empresas, os que deixaram sempre que sangrasse a ferida na Irlanda do Norte e nada fizeram para que sarasse, os carcereiros que mantêm 70 000 pessoas nas prisões e já planeavam a construção de novas penitenciárias. Este regime tinha de chegar ao fim.


A derrocada dos ministros

Às cinco horas da manhã, sabia-se que o partido «Tory» tinha apenas conseguido eleger 165 deputados contra os 418 dos trabalhistas e os 46 dos liberais; que seis ministros tinham sido derrotados e afastados da mãe de todos os Parlamentos, o Westminster. A derrota era tão sentida que a desorientação e o desespero, as lágrimas, o mais profundo dos choques tinham invadido e deixado em ruínas, anímicas e psicológicas, a sede do Partido o chamado «Central Office».

Todos os deputados conservadores na Escócia e no País de Gales foram derrotados. Na manhã do dia 2, olhando as proporções do desastre, os «tories» tinham desaparecido do mapa político escocês e galês e apenas mantinham deputados nas suas áreas tradicionais - os chamados «shires» e os «home counties» onde a Inglaterra antiga ainda respira e prospera. Mas na Grande Londres só elegeram 11 deputados contra 62 trabalhistas; em Birmingham, três contra 22; na Grande Manchester e em Liverpool, dois contra 42; em Glasgow e em Edimburgo não elegeram ninguém. O massacre, na verdade, era completo, quase total.

A derrocada dos ministros, às vezes, assumia aspectos que faziam pena. O poderoso e sempre arrogante Michael Portillo, filho de um espanhol refugiado da Guerra Civil, era uma das figuras mais ligadas à sempre patética, dramática, rancorosa Margaret Thatcher e supunha-se que seria um possível sucessor de John Major na chefia do Partido Conservador - foi derrotado numa circunscrição que era tida como segura. O ministro dos Estrangeiros, o advogado escocês Malcolm Rifkind, o ministro dos Assuntos da Escócia, Michael Forsyth, o primeiro-secretário da Tesouraria, William Waldegrave, o ministro do Comércio e da Indústria, Man Lang, o ministro de Estado da Escócia, Sir James Douglas-Hamilton, o presidente do Partido, Sir Marcus Fox, o antigo secretário de Estado de várias pastas, David Mellor, Angela Rumbold, vice-presidente do Partido, tiveram de inclinar-se. E quantos antigos ministros?


Rua!

De especial significado é o facto de que o povo britânico derrotou os «tories» pró-europeus e antieuropeus sem querer saber dessa divisão que muitos deles haviam adoptado, na ilusão de poderem defender os seus lugares de deputados. Um terramoto assolou as estruturas políticas e ideológicas dos conservadores. Desde 1832 (Wellington, 185 lugares) e I 906 (Arthur Balfour, 157 lugares) que não eram tão estrondosamente batidos nas urnas. Quando se verificou a empolgante viragem à esquerda, no fim da guerra, que levou Clement Attlee ao poder, Winston Churchill conseguiu, nessas condições, 213 lugares. Mas os 165 deputados eleitos sob a chefia de John Major vão para a Câmara dos Comuns em condições novas. O Povo britânico Parece ter ultrapassado as ilusões que o levaram a, entusiasticamente, eleger os trabalhistas de Attlee, em 1945, e de Harold Wilson, em 1964. Agora, a situação é diferente.

O povo desta, Ilhas exigiu, com a mais completa clareza, o fim do assalto às suas conquistas históricas, a aplicação de uma nova política que defenda as populações em vez de marginalizá-las, o fim da pobreza, do desemprego, das longas listas de espera para ser-se atendido num hospital, a moralização da vida política, a igualdade de todos perante as possibilidades de educação dos filhos - o fim da política-pirata dos homens do dinheiro e o início de um novo rumo.

No dia seguinte, o espectáculo tradicional começou. Caiu o pano para John Major, o eterno funcionário do imperialismo que nunca tivera uma palavra para defender as vítimas de todas as injustiças praticadas pelo seu partido, no poder. As suas derradeiras palavras

deram à situação um cenário quase irreal. «Agora», disse, «posso ir com a Norma almoçar e ver um jogo de "cricket".» De tudo lavou as mãos. Chegou ao Palácio de Buckingham e, graciosamente, apresentou à rainha a demissão do governo. Tudo regulamentar. Tudo programado. Tudo, estranhamente, oficial e matemático. Major não foi capaz de reconhecer o valor do voto dos seus concidadãos - a sua política thatcherista a favor dos impérios financeiros que governam o mundo tinha falhado estrondosamente. O povo britânico, unido como raras vezes acontece, falou alto e bom som: «Rua!»


Mensagem a Tony Blair

Entram os trabalhistas. Dirigidos por Tony Blair, um advogado ainda jovem cujas proclamações de que «possui uma visão» não enganam ninguém, tinham dito ao país que, se vencessem, tudo continuaria na mesma - só com alguns ajustamentos para reparação das brechas abertas pelos conservadores no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, no Emprego-, em alguns sectores industriais. Tal como os «tories», também disseram ser a favor das privatizações e que se houvesse mais alguma coisa para ser privatizado não hesitariam. Tony Blair mostrou ser um amigo dos grandes magnatas e conseguiu o apoio do infame jornal tablóide «The Sun», de Rupert Murdoch. Almoçou e jantou com capitalistas de todos os sectores. Confraternizou com alguns dos corsários que operam na City, sempre à espera do próximo grande golpe. Nada disse que faça prever uma enérgica ofensiva contra as leis antilaborais e o desemprego, contra a miséria que afecta muitas regiões do país, contra a marginalização das pessoas que não têm trabalho e vivem em «ghettos» nos bairros pobres no interior das grandes cidades. E Tony Blair confessou que, na sua perspectiva, o ideal seria a conquista do poder com uma maioria de cerca de 50 lugares. Tal situação defendê-lo-ia dos deputados da esquerda trabalhista, que não desejariam derrubar o governo, e permitir-lhe-ia manobrar na aplicação da política prometida - a de que tudo continuaria como dantes, apenas com algumas alterações. Em certos círculos, o «Labour» já era chamado de partido «Tory» nº 3, depois dos conservadores e dos liberais.

Mas o povo britânico decidiu de outra maneira. Não lhe convinha eleger um novo governo com maioria limitada. Não lhe interessava manter os conservadores com posições fortes na Câmara dos Comuns.

Depois de 18 anos de governo Thatcher-Major, este povo ficou a desprezar os que se apropriaram de bens nacionais sem preço alegando que o faziam com toda a naturalidade ao abrigo da lei das privatizações - o esquema inventado para seduzir os povos impingindo-lhes a falsa ideia de que as empresas são melhor e mais eficientemente dirigidas pelos tubarões privados de que por organizações estatais. O capitalismo de oiro prometido por Margaret Thatcher, em 1979, foi só para ela e para os amigos. O povo ficou no capitalismo de sangue e de ferro.

Nestas condições, a maioria confiada aos trabalhistas de Blair pelo voto do povo encerra uma importante mensagem. Os ingleses, os escoceses, os galeses, o próprio povo da Irlanda do Norte que elegeu dois deputados do «Sinn Fein», ao enviarem 418 deputados «Labour» à Câmara dos Comuns, deram-lhes um mandato para a renovação imediata do país que é o Reino Unido, para o rompimento com um passado escandaloso de glórias para alguns e de frustrações para a esmagadora maioria - para, numa palavra, se iniciar uma trajectória diferente rumo a uma vida mais florescente, feita de novas esperanças.


Ponto de partida
para um novo destino

Quanto aos conservadores, atordoados pela esmagadora derrota sustentada, esvaziados de ideias credíveis e de projectos aceitáveis, estão a dar ao país o espectáculo de um pugilista levado às cordas pelos golpes do adversário. O funcionário Major disse-lhe adeus. Não existe, neste momento, uma única figura que tenha autoridade suficiente para reorganizar as «tropas». Cada grande senhor do Partido é um império com os seus interesses próprios. A rivalidade mina-os. A guerra civil entre as diversas facções já se esboça. Se o governo de Blair souber trabalhar para corresponder pelos seus actos aos apelos do povo britânico, os «tories» poderão acabar no caixote do lixo da História. No fim de contas, era isso que eles se propunham fazer ao socialismo. São os mesmos que, infamemente, destruíram a gloriosa indústria das minas de carvão e o não menos glorioso sindicato «National Union of Mineworkers».

No exaltante momento desta grande vitória democrática dos povos britânicos, é justo que não fiquem esquecidos os sacrifícios dos milhares de mineiros que perderam o seu trabalho e viram destruída a sua indústria. Quem foram os responsáveis por tão hediondo crime" 1) Margaret Thatcher, sinistra e vingativa primeira-ministra na altura da greve; 2) David Hart, conselheiro da primeira-ministra e de Malcolm Rifkind e Michael Portillo, agora derrotados nas eleições - Hart foi o anticomunista profissional que infiltrou agentes no movimento grevista e assegurou contactos entre os amarelos e o governo, a polícia e elementos de certas unidades militares que reforçaram os serviços policiais disfarçados de agentes da autoridade; 3) Stella Rimington, «leader» dos Serviços Secretos que agiu com todos os recursos ao seu dispor no sentido da derrota dos mineiros; 4) Robert Maxwell, o publicista e fraudulento milionário que pôs fim à vida lançando-se às águas do Atlântico - agiu como intermediário no sentido de conseguir que funcionários do sindicato abandonassem a luta, traíssem Arthur Scargill e desmobilizassem os trabalhadores; 5) Roger Windsor, chefe executivo do sindicato durante e após a greve, que foi acusado, numa moção apresentada aos Comuns, de ser um agente dos serviços secretos feito infiltrar no sindicato por Stella Rimjngton para «desestabilizar e sabotar» a greve dos mineiros. Nessa moção parlamentar, os deputados que a subscreveram declararam que a directora-geral dos serviços secretos agira para «subverter as liberdades democráticas» do povo britânico.

Sem dúvida alguma, o voto do 1º de Maio foi um voto que encerra para os mandatados responsabilidades especiais - ponham termo ao vergonhoso capítulo que os «tories» escreveram na História recente das nações britânicas; partamos para um novo destino, para aliciantes e férteis paragens onde se viva com justiça e longe, muito longe, dos piratas e dos tubarões que fizeram sofrer e humilharam os povos das Ilhas britânicas. Tem a palavra, Tony Blair e o seu governo. Tem a palavra, também, o próprio povo que não deixará, certamente, de exigir nas ruas a aplicação de uma política nova.



Nova situação dos partidos
na Câmara dos Comuns


Partido Trabalhista: 418 lugares; Partido Conservador: 165; Partido Liberal Democrata: 46; Partido Unionista do Ulster: 10; Partido Nacionalista da Escócia: 6; Plaid Cymru (Partido Nacionalista galês): 4; Partido Social Democrático e Liberal (Ulster): 3; Sinn Fein (Ulster): 2; Partido Democrático Unionista: 2; Partido Unionista do Reino Unido (Ulster): 1; Independentes: 1; «Speaker» da Câmara:1.

Maioria absoluta dos trabalhistas: 179 - Margem percentual de transferência de votos para os trabalhistas: I 0% - Percentagem de votantes: 71 % - Total de votantes: 31 372 549.


Principais cargos governamentais

Primeiro-ministro: Tony Blair; vice-primeiro-ministro: John Prescott; «leader» da Câmara dos Comuns: Ann Taylor; ministro dos Estrangeiros (Foreign Office): Robin Cook; chanceler do Tesouro, (ministro da Economia e Finanças): Gordon Brown; ministro da Educação e do Emprego: David Blunkett (este político é cego. Trata-se do primeiro invisual que ocupa um cargo no gabinete do governo britânico); ministro da Saúde: Frank Dobson; ministro da Justiça e do Interior (Home Office): Jack Straw; ministro da Defesa: George Robertson; ministro da Agricultura: Jack Cunningham; ministro para os Assuntos da Irlanda do Norte: Mo Mowlam; ministro para os Assuntos da Escócia: Donald Dewar; ministro para os Assuntos do País de Gales: Ron Davies; ministro do Comércio e da Indústria: Margaret Beckett; ministro dos Transportes: Gavin Strang; ministro da Segurança Social: Harriet Harman; ministro do Ambiente, das Artes e da Propriedade Nacional: Chris Smith; ministro para o Desenvolvimento Internacional: Clare Short; 1º secretário da Tesouraria: Alistair Darling; Lorde de Selo Privado: Lord Richard of Ammanford; Lorde Chanceler: Lord lrving of Lairg; Chanceler do Ducado de Lancaster: David Clark.