ACTUAL


Uma palavra de conforto


Nós que - não vale a pena escondê-lo - também conhecemos a amargura causada pela distância que por vezes se verifica entre o trabalho desenvolvido e os resultados obtidos, bem podemos prestar hoje uma palavra de conforto e compaixão a todos aqueles - governantes, políticos, economistas da Universidade Católica e não só, ideólogos e propagandistas - que, ao longo de perto de 21 anos, tão sacrificadamente se têm empenhado em convencer os portugueses dos malefícios e anacronismo da intervenção e papel do Estado e das redentoras excelências do «privado», do «mercado», do «risco» e do salve-se quem puder.

Com efeito, qual balde água gelada despejado sobre crânios a ferver, o «Público» de 5/5, citando os resultados de um inquérito à população activa realizado no âmbito de um estudo sociológico dos investigadores José Manuel Mendes e Elísio Estanque, noticiava que «as atitudes dos indivíduos abrangidos revelam-se claramente estatizantes». E acrescentava tratar-se « de uma opção inscrita nos mais diversos sectores - desde os transportes ao ensino superior ou aos serviços de correios - que atravessa toda a estrutura social (...), o que vem confirmar a forte aspiração dos portugueses à presença da máquina do Estado na economia e na sociedade».

Mais: um quadro publicado por aquele matutino detalhava as percentagens de opiniões concordantes com a ali chamada (a nosso ver, erroneamente) «estatização» de diversos serviços. Esse apoio ou concordância ascende , por exemplo, a 78,4% quanto à recolha do lixo; a 72,7% quanto aos centros de saúde; a 69,7% quanto ao ensino superior; a 67% quanto aos hospitais (cuja gestão o Governo PS quer privatizar mais e mais); a 64,3% quanto aos correios (que o Governo PS pretende privatizar); a 62,1% quanto aos lares de terceira idade; a 60,2% quanto aos comboios (que o Governo PS idem...); a 60,1% quanto às creches e infantários; a 56,9% quanto aos transportes urbanos; a 54,5% quanto à electricidade (que o Governo PS idem...); a 51,3% quanto aos transportes aéreos (que o Governo PS idem...).

E como se tudo isto já não chegasse, 92,6% tem o atrevimento de achar que as grandes empresas tem hoje demasiado poder em Portugal e mais de 80% pensa que elas beneficiam os seus proprietários em prejuízo dos trabalhadores e dos consumidores. Além disso, mais de metade dos inquiridos (52,5%) manifesta a firme opinião de que as desigualdades sociais se acentuaram em Portugal nos últimos dez anos.

Em resumo: se estes dados forem fiáveis, tem de se concluir que pelo menos a população activa resiste heroicamente à «engenharia das almas» (esta sim é que é a sério) a que tem sido impiedosamente sujeita.
E assim sendo, os socialistas neo-liberais (ou será os neo-liberais socialistas?) que nos (des)governam que tenham santa paciência, mas como não é nada prático mudar de população activa, talvez mais económico e sobretudo mais justo mudar de política.

Vítor Dias