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ZAIRE
Tempo de esperança


Vivemos um tempo de uma enorme e cruel hipocrisia. Torna-se um acto rotineiro a perfídia de friamente manipular o modo de fazer e dar notícias, bem como o modo de as explicar. O Zaire foi durante 32 anos pilhado por Mobutu e o punhado de governantes que disputavam os restos do tirano.

Mobutu tomou o poder à força. E à força do terror mandou saquear, prender, torturar e assassinar. E pela força interferiu e ingeriu-se militarmente em Angola. Com as costas quentes dos EUA, França e C&. Mobutu é um símbolo de tirania, corrupção e de intermediário dos interesses ocidentais contra a África progressista.

Contra este tirano o povo zairense muitas vezes se levantou. Agora que a Aliança das Forças Democráticas de Laurent Kabila está às portas de Kinshasa não deixa de ser um assinalável exercício de hipocrisia, o Ocidente vir pedir garantias democráticas a Kabila. Não dizemos isto fundados nalgum tipo de garantia que tenhamos da parte de Kabila, mas porque 32 anos de apoio e sórdida conivência com um dos tiranos mais corruptos, deveria exigir mais prudência e até alguma contrição. As notícia chegam e espalham-se. Mobutu vai partir. Vem aí Kabila, mas os guardiões do templo "democrático" exigem-lhe já garantias... Os que outrora comeram à mesa de Mobutu, os que outrora impuseram por via de Mobutu ao Zaire o terror, a fome e a miséria, levantam-se agora, espécie de "impolutos" a pedir aquilo para que sempre se estiveram nas tintas no Zaire...Mobutu reclama agora eleições para o Zaire...Ele que durante 32 anos mandou prender, torturar e assassinar quem reclamasse eleições... converteu-se em democrata. Espantoso....

Em Moçambique, em Angola, na Zâmbia, no Zimbabwe enquanto se não realizaram eleições os EUA alimentavam todo o tipo de campanhas, algumas bem violentas. Mas no país de Mobutu apesar das grandes movimentações populares e até de compromissos assumidos por Mobutu com a Conferência Nacional, as eleições foram sempre adiadas, à custa da repressão...

É natural que o povo zairense queira decidir, como os outros povos, livremente o seu futuro. Mas é inaceitável e é inqualificável que os amigos do carrasco venham agora dar lições a quem tanto sofreu por querer viver em democracia.

Estranha forma de encarar o mundo e a democracia por parte dos EUA. Enquanto uma espécie de fascismo islâmico toma o poder em Cabul à custa de crimes hediondos contra a civilização e a própria humanidade, os EUA e os seus aliados cúmplices de tais desmandos aguardam serenamente o desenrolar dos acontecimentos e não clamam por eleições. Quem sabe se não estão já, com toda a sua prática e a panóplia dos serviços de informação, a detectar qualquer movimento social de resistência aos "taliban" para no caso de sair vitorioso, lhes imporem a cartilha "democrática".

É evidente que o Zaire não voltará a ser o que foi com Mobutu. A rebelião de Kabila abriu um processo de participação popular de características democráticas. Há boas razões para crer que o Zaire de Kabila não vai interferir nos assuntos de Angola por via da Unita de Jonas Savimbi. Angola a braços com uma crise profunda e a dar os primeiros passos de governação híbrida poderá respirar com um pouco mais de alívio. A saída de cena do homem que Spínola levou ao Sal (Cabo Verde) para discutir o futuro de Angola é um bem para o Zaire, Angola e África.

A mediação da África do Sul e da OUA foge aos cordelinhos dos EUA, embora o embaixador Richardson também esteja no terreno e dê o mote quanto às preocupações de Mobutu pela realização de eleições ...

Mobutu não vai partir. Mobutu está a ser corrido pela Aliança de Kabila e pela luta do povo zairense. Aqui fica o registo. Kabila é vitoriado nas ruas pelo povo do Zaire. Ao contrário do poder instaurado em Cabul de quem o povo foge, nas cidades conquistadas as populações vitoriam os vencedores. Tempos de esperança no Zaire e em África, apesar das recentes notícias...

Domingos Lopes