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A cedência à rapina do patronato


PS chumba projecto do PCP
que clarifica as 40 horas



O Parlamento rejeitou com os votos do PS o projecto de lei do PCP relativo à clarificação da lei das 40 horas. Pôr termo à conflitualidade nas empresas resultante dos atropelos na aplicação da lei, abrindo simultanemente espaço aos deputados socialistas para arripiarem caminho, cumprindo as suas promessas no que respeita às pausas e intervalos de descanso, constituíam os objectivos visados no diploma do PCP. Assim o não entendeu a bancada do PS, ao optar, isolada (PSD e PP abstiveram-se), por um chumbo que vem confirmar a "reserva mental" que, a exemplo do Governo, tem mantido sobre esta matéria. Octávio Teixeira, no final, em tom muito crítico, não podia ser mais claro: "o Governo está a defraudar e a enganar os trabalhadores".


A inevitabilidade da conclusão a que chegou o líder parlamentar comunista decorre desde logo do próprio facto de as 40 horas terem sido uma "promessa" eleitoral do PS, que, depois de votar ao lado do PCP por tal objectivo, a fez incluir no seu programa de Governo, agora por cumprir. Odete Santos lembrou-o da tribuna, a abrir o debate, como fez igualmente questão de avivar a memória dos deputados socialistas ao recordar-lhes o que estes repetidamente disseram na Assembleia em audiências a representantes de trabalhadores sobre as pausas e intervalos de descanso.

Ora sucede, como sublinhou a parlamentar comunista, que de Norte a Sul do País continua a assistir-se - com excepção das empresas que respeitam as pausas considerando-as tempo de trabalho efectivo - "à rapina de tempo livre" aos trabalhadores dentro do tempo de trabalho. Uma prática que de resto não é nova e é indissociável, na perspectiva de Odete Santos, do objectivo sempre perseguido pelo patronato de desregulamentação do trabalho.

Por si lembrados foram os mais de 270 mil trabalhadores, abrangendo os mais variados sectores de actividade, atingidos por esta sonegação do tempo livre a que têm direito. Um atentado que conta com a "inércia conivente do Governo, do Ministério do Emprego e da Inspecção Geral de Trabalho", denunciou, e que assume as mais variadas formas, "desde a alteração de horários sem qualquer consulta aos representantes dos trabalhadores, até à eliminação das pausas, à redução do horário à custa das pausas, à redução do tempo para o almoço, até ao próprio prolongamento do tempo de permanência na empresa".

O que está em causa, pois - foi ainda Odete Santos a pôr o dedo na ferida, depois de lembrar a luta desenvolvida pelos trabalhadores há mais de cinco meses pela redução para as 40 horas -, continua a ser "o combate contra a desregulamentação do trabalho".

Ao apresentar este projecto de lei, para o PCP, como assinalou a parlamentar comunista, tratava-se, por conseguinte, não de criar conceitos novos, mas sim de clarificar os existentes, fixando-os em lei "com o conteúdo de progresso jurídico e social que hoje têm".

E foi precisamente a esta questão central que o PS fugiu, refugiando-se para o efeito em ataques ao PCP. Artur Penedo descortinou mesmo propósitos obscuros na iniciativa comunista, vendo nela, tão só, imagine-se, um propósito de "agitação social e política, tendo em vista a derrota e o fim do Governo PS".

Quanto à questão nodal - a de afirmar claramente que as pausas contam para o tempo de trabalho efectivo - , embora insistentemente instada a esclarecer a sua posição, a bancada socialista nada disse.

No final do debate, a plenos pulmões, durante alguns minutos, os trabalhadores presentes nas galerias deram mostras do seu sentir, fazendo ecoar no hemiciclo a expressão da sua revolta: "40 horas sim, vigarice não".