INTERNACIONAL

Kabila toma o poder


Do Zaire ao Congo



«A guerra acabou!», declarou o «ministro» dos Negócios Estrangeiros do Congo, Bizima Karaha, no passado sábado, dia em que a Aliança Rebelde tomou Kinshasa e que Laurént-Desiré Kabila se proclamou Presidente do país. Vinte e seis anos depois do marechal Mobutu Sesse Seko ter mudado o nome do país para Zaire, o Congo voltou a chamar-se Congo.


No dia 14 de Setembro de 1996 teve início a guerra civil no Zaire. Quase oito meses depois, a 17 de Maio de 1997, os rebeldes tomaram o poder, aclamados pela população de todas as localidades por onde passaram.

A capital, Kinshasa, vestiu-se de branco para receber os homens de Kabila. Os habitantes sairam à rua em euforia com uma peça de roupa branca, enquanto os soldados desfilavam com fitas da mesma cor, em sinal de paz.

Grupos de estudantes acompanharam o percurso dos cerca de dez mil soldados que avançaram para Kinshasa desde o campo militar de Salongo até à cidade universitária.

Contudo, registaram-se alguns tumultos, em especial envolvendo soldados da guarda presidencial de Mobutu. Mais de 20 pessoas morreram na capital depois da chegada dos rebeldes. As pilhagens e os roubos multiplicaram-se até domingo. Mas os zairenses não foram as únicas vítimas- jornalistas estrangeiros foram também agredidos e roubados, como foi o caso dos enviados da RTP e da Rádio Renascença.

Outra vítima da queda tardia do regime de Mobutu foi o seu próprio ministro da Defesa. O general Mahele Liyoko, chefe do estado-maior das Forças Armadas zairenses, foi assassinado na noite de sexta-feira pelos seus homens no campo militar de Tshatshi da divisão especial presidencial, a norte de Kinshasa. Segundo testemunhas, Liyoko tentava convencer os militares a renderem-se.

Os 3.500 soldados de Portugal, Bélgica, França, Estados Unidos e Grã-Bertanha, que se encontravam no país preparados para evacuar os cidadãos dos respectivos países, não tiveram necessidade de intervir.


«A questão é reconstruir o país»

Na «Declaração de Tomada do Poder» divulgada nesse mesmo dia, a Aliança Rebelde prometeu formar um governo de salvação nacional no prazo de 72 horas e convocar dentro de 60 dias uma assembleia constituinte que redija uma constituição provisória para o período de transição.

No mesmo documento suspendeu «todas as actas pseudo-constitucionais, bem como as instituições que criaram», e instaram «os elementos das Forças Armadas Zairenses e de todas as forças especiais a entregarem as armas».

«Estou feliz, muito feliz por ter tido êxito», afirmou Kabila. «Tenho o apoio do meu povo», acrescentou o novo presidente. «A questão é agora reconstruir o país, como construir a democracia e (obter) uma vida melhor para todo o nosso país», disse por seu lado o proclamado ministro dos Negócios Estrangeiros, Bizima Karaha.

«Neste dia, 17 de Maio de 1997, o regime ditatorial de Mobutu, que oprimiu a população congolesa durante mais de 30 anos, acaba de ser totalmente derrotado na cidade de Kinshasa pelas forças da Aliança», afirmou o porta-voz dos rebeldes, lendo o primeiro comunicado militar divulgado através da rádio.

«Os actos de vandalismo, roubos e as pilhagens serão a partir de agora completamente proibidos e castigados com toda a severidade», advertiu.

O presidente cessante Mobutu Sesse Seko abandonou o país e, de acordo com fontes diplomáticas ocidentais que preferiram permanecer anónimas, deslocou-se para Marrocos, indo de seguinda para França ou para o Liechtenstein.

Na sexta-feira, Mobutu renunciou à chefia do governo, mantendo no entanto o título de presidente. «Ele reina mas não governa», disse em conferência de imprensa o seu ministro da Informação.

Entretanto, o governo suíço ordenou o congelamento temporário «a título preventivo» de todos os seus bens e da sua família no país, respondendo a um pedido de colaboração judicial do Procurador-Geral de Lumbumbashi, nomeado para o cargo por Mobutu mas pertencente a área controlada pela Aliança Rebelde.

O ex-ditador zairense possui bens um pouco por todo o mundo: África do Sul, Brasil, Bélgica, Portugal, EUA, Marrocos, França, Suiça, Espanha, Luxemburgo, Itália, Senegal, Costa do Marfim, Chade. Em 1993, os seus bens pessoais no estrangeiro foram avaliados em sete mil milhões de dólares (setenta por cento da dívida externa do país que durante tantos anos governou). Só na Bélgica, Mobutu tinha na altura dez propriedades, incluindo cinco castelos, quatro residências e uma quinta.