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CONGO
Quem teme a alegria?



A vitória da Aliança das Forças Democráticas para a libertação do Congo (AFDL) com a tomada da capital foi saudada e vitoriada pela população. Os militares da AFDL foram recebidos como libertadores. O regime de Mobutu, fundado na repressão, tinha contra si o povo do Zaire. Mas convém ter presente que Mobutu se aguentou no poder porque tinha amigos nos vários governos ocidentais, incluindo em Portugal. Foram muitos os cúmplices de Mobutu. Aliás, dentro da sua melhor tradição de pagar favores, Mário Soares na hora de Mobutu ser escorraçado do Zaire, ainda voltou a defendê-lo, branqueando-o e lançando anátemas sobre Kabila. Mário Soares só pode ser igual a si próprio....

Ora o regime de Mobutu saiu de um golpe de estado e nunca foi investido da legitimidade do povo; violou permanente e reiteradamente os direitos humanos; impôs o tribalismo e o regionalismo; liquidou as forças armadas nacionais e ergueu um exército tribal e uma espécie de milícia privada; instituiu a corrupção generalizada da qual ele era o chefe ; pilhou o país com os seus amigos estrangeiros; foi incapaz de manter um plano de reconstrução de infra-estruturas vitais para o país; deixou a economia num caos completo; levou o povo a uma pauperização generalizada, sem saúde e educação . No fundo conduziu o país a uma catástrofe. No plano externo serviu de agente aos interesses da França, Bélgica e EUA na região. Levou a Angola, Ruanda e Burundi a desestabilização permanente.

Este é o balanço do homem que os governos ocidentais apoiaram para levar a cabo esta façanha.


Vale a pena ter em atenção as propostas da AFDL para sobre eles se poderem fazer os respectivos juízos :

No domínio político a AFDL tendo em conta a interrupção do processo democrático saído do processo de independência de 1960, depois do qual não foram realizadas consultas eleitorais, propõe a criação de instituições caracterizadas por uma partilha equilibrada do poder:

- um poder legislativo com base num parlamento representativo das forças políticas.

- um poder executivo constituído por um Presidente eleito por sufrágio universal

- um poder judicial independente

A AFDL diz subscrever todos os grandes valores humanos inscritos na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, na Carta das Nações Unidas e da O.U.A.

É, pois, um programa que visa realmente restabelecer a democracia no Congo depois de Mobutu a ter confiscado.

É natural que depois de um terramoto que durante 32 anos consecutivos abalou o Congo, o novo poder não possa fazer em meses, o que em tempo deverá ser feito.

É que a situação no Congo não pode ser apenas vista pelo ângulo das instituições políticas. É necessário ter em conta a catastrófica situação social e económica. E a AFDL tem no seu programa propostas para pôr a economia a funcionar e para levar a cabo uma política social que ajude a minorar todos os graves sofrimentos do povo congolês.


Não é fácil. O FMI e o BM estiveram sempre com Mobutu. O novo poder vai sofrer o habitual tipo de pressões e de ingerências para poder levar o seu governo por diante. A própria oposição a Mobutu é diversa e contraditória.

Tudo isto é certo, mas é certo também que para o Congo se abre um novo capítulo e que nele se pode escrever novas páginas, mais consentâneas com as aspirações do povo congolês.

Sublinhamos entretanto que são múltiplos os laços forjados há séculos entre Portugal e o Congo. No quadro da luta pela diversificação das relações externas de Portugal é de grande importância o reforço das relações entre os nossos dois povos, na base da igualdade, respeito mútuo, não ingerência e de reciprocidade de vantagens.


Os que ontem se banquetearam com Mobutu na partilha e pilhagem do Zaire, continuam a exigir de Kabila, o que nunca sequer se atreveram a reclamar de Mobutu. Sinais dos tempos. A melhor resposta foi a que o povo do Congo deu, unindo-se contra a ditadura, escorraçando os seus lacaios e vitoriando a AFDL. Quem teme esta alegria?


Domingos Lopes