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EUROPA
A encruzilhada



A vitória eleitoral da esquerda em França, derrotando o golpista Chirac, mostra antes de mais que afinal, ao contrário do que nos querem fazer crer, a "engrenagem" não é "inevitável, incontornável e sem alternativa". Não o foi para o povo francês que, para já, fez sair o tiro pela culatra à direita, afirmando soberanamente a sua vontade de mudança.


A derrota da direita em França é consequência das desvastadoras consequências sociais que as políticas do grande capital, sob o figurino de Maastricht, impuseram aos trabalhadores e ao povo francês; do descrédito dos políticos que, para impôrem essas políticas, mentiram repetidamente ao seu povo; do movimento massivo de protesto laboral e popular que tenazmente se lhes opôs; da capacidade que as forças de esquerda tiveram para coincidir, ao menos em largos traços, numa política alternativa que respondesse aos principais anseios e necessidades dos trabalhadores e das populações. Uma grande expectativa está criada, e o trabalho mais difícil está ainda pela frente. Como preveniu Robert Hue, "uma nova política de esquerda tem de traduzir-se ràpidamente em actos, senão a decepção será terrível". Com todas as ambiguidades que percorrem o PS francês, a memória das suas práticas perversas não longínquas, e as pressões a que já está a ser sujeito o novo governo - é essencial que a acção governamental se desenvolva "em ligação com o movimento social e cívico", como justamente assinala o comunicado do Comité Nacional do PCF ao anunciar a decisão de participar no governo Jospin.


Sem dúvida, a vitória da esquerda em França veio acentuar ainda mais a euro-incerteza reinante, em vésperas da Conferência Inter-Governamental (CIG) para a revisão do Tratado de Maastricht, a realizar em Amsterdam, já em 16/17 de Junho. As nefastas consequências das políticas e planos de Maastricht verificam-se por toda a Europa, suscitando resistências e lutas populares. Os "critérios de convergência" eram e são tão avessos às realidades e necessidades dos povos, que por todo o lado criaram ou agravaram problemas de difícil solução ao próprio grande capital no poder. Pois se nem a toda poderosa Alemanha os consegue cumprir, ela que queria impô-los a todos os outros! E por isso Kohl decide agora agravar ainda mais os (contraproducentes...) "planos de austeridade" para o seu povo, quer vender à pressa as "jóias de família" (Deutsche Telekom, Lufthansa, Postbank...) e ao desbarato toda a "prata da casa" (incluindo a rede de estações de serviço das autoestradas, os correios, os caminhos de ferro, o enorme património dos Länder , etc.), e mesmo, cúmulo dos cúmulos, pretende impôr ao sacrossanto Bundesbank uma "reavaliação" das reservas de ouro, para assim tapar o enorme buraco orçamental e artificialmente cumprir os famosos "critérios". Vale tudo, agora, ao que parece... A situação é tão incerta e instável, que a Suécia, à cautela, já se pôs meio de fora do jogo da moeda única. E o Congresso do Partido Socialista Europeu, há dias realizado em Malmoe, confundiu em vez de clarificar as perspectivas da CIG, ao revelar uma vez mais as ambiguidades e contradições da social-democracia. Pois não foi lá Tony Blair propôr aos seus pares a receita thatcheriana de "maior flexibilidade do mercado laboral" como "remédio" para o magno problema que a todos aflige na Europa, o desemprego! É preciso descaramento e cegueira.


A Europa está numa encruzilhada. E não será na CIG de Amsterdão que ela tomará o rumo certo - o rumo do progresso social, da cooperação entre nações soberanas e iguais em direitos. De pleno emprego e emprego com direitos. De democracia - política, económica, social, cultural. De paz e segurança. A Europa dos Povos são os povos que a têm de conquistar e construir, pelo desenvolvimento e convergência das suas lutas e pelo entendimento entre todas as forças progressistas. Essa é que é a alternativa civilizacional incontornável para o século XXI.


Carlos Aboim Inglez