EDITORIAL


Tudo como dantes?


 

O importante é que o susto que ensombrou a cimeira de Amsterdão, não foi uma zanga de governantes, mas o afloramento da profunda crise social em que os países da União Europeia foram mergulhados pela corrida para a moeda única e da resistência dos povos, pela luta e pelo voto, contra tal corrida.


Nas vésperas do cimeira de Amsterdão, o euro-optimismo chegou a andar assustado. As «irrealistas exigências» do novo governo francês de medidas de combate ao desemprego e as suas «absurdas objecções» ao «pacto de estabilidade» podiam empanar a marcha do «euro». Mas na terça-feira, ao fim da tarde, as televisões e as rádios alinhadas com a União Europeia Neoliberal já suspiravam de alívio e o suspiro prolongou-se na imprensa escrita, do mesmo alinhamento, na quarta de manhã.

Entre nós, o mais exuberante foi o «Público», titulando, na primeira página, em amarelo mostarda num fundo azul: «Euro avança». O «Diário de Notícias» preferiu sublinhar o acontecimento com uma enorme foto a cores, também na primeira página, e uma legenda alusiva: «Acordo. Os líderes conseguiram salvar o euro». Por sua vez, «A Capital» seguiu igualmente a linha da salvação, mas com alguma ironia: «Cosmética salva euro», enquanto o «Jornal de Notícias» e o «Correio da Manhã», mais discretos, insistiram na «estabilidade» alcançada.

Estes títulos da imprensa traduziram, de uma maneira ou de outra, as declarações dos governantes, incluindo as do primeiro-ministro António Guterres, e dos comentadores alinhados todos salientando a superação da crise e o avanço conseguido.

Mas será assim? Será que tudo continua como dantes? E o susto foi um mero bluff do novo governo francês que o chanceler alemão Kohl meteu rapidamente na ordem?

O editorial de «L´Humanité», de terça-feira, observava de forma sugestiva: «um fantasma percorre a Europa: o fantasma do desemprego. Pela primeira vez ele assombrou as altas esferas da diplomacia, perturbou os mecanismos bem oleados da relojoaria europeia, ocupou os espíritos dos chefes de Estado e de governo e inspirou a redacção de um texto novo».

É uma evidência, que ninguém ousa contraditar, que a resolução sobre o emprego, sem qualquer suporte de medidas ou de meios, é uma declaração piedosa para francês ver, que não representará coisa nenhuma para os 18 milhões de desempregados da União e todos os demais que têm os seus postos de trabalho ameaçados.

O importante é que o susto que ensombrou a cimeira de Amsterdão, não foi uma zanga de governantes, mas o afloramento da profunda crise social em que os países da União Europeia foram mergulhados pela corrida para a moeda única e da resistência dos povos, pela luta e pelo voto, contra tal corrida.

Os governantes chegaram aos seus compromissos, como já era de esperar. Para os povos as duras consequências continuam e a luta também, agora com maior certeza de que ela repercute nas altas esferas e que pode perturbar, baralhar e sustar os planos por estas definidos.


Ao intervir, em nome do PCP, na Conferência Internacional sobre «Alternativas Progressistas para a União Europeia Neoliberal», realizada também em Amsterdão, nas vésperas da cimeira, Agostinho Lopes salientou que «na nossa opinião, não há conciliação possível entre a manutenção do núcleo duro das políticas de Maastricht e, em particular, da UEM, e a concretização dos objectivos emprego e coesão social».

Não se tratou de uma afirmação solta, mas da conclusão de uma análise que tem por base principal a situação do nosso próprio país onde todos os dados estatísticos confirmam o agravamento da situação social e o crescimento das desigualdades sociais e das assimetrias regionais.

É claro que o primeiro-ministro, António Guterres, não tem pejo em afirmar, como fez na recente entrevista ao«Público»: «Eu acho que vai ser possível aliar o rigor à consciência social. Sempre foi isso que defendi para Portugal, é isso que defendo para a Europa.»

No que respeita a Portugal sabe-se que na prática o Governo PS tem gerido essa tal «aliança» privilegiando sempre os interesses do capital, como na vigarice das 40 horas, no dito por não dito em relação à redução da idade da reforma das mulheres, nas políticas de «contenção» salarial e de «flexibilização» da legislação laboral, nas ruinosas e escandalosas privatizações.

Em relação à Europa, assistimos agora à tentativa oportunista do primeiro-ministro de se colar às posições francesas sobre o emprego, arrogando-se até um certo papel de pioneiro pelo que disse numa remota cimeira de Madrid, logo no início do seu consulado.

A verdade é que de então para cá parecia ter abandonado não só a causa como as motivações, pois chegou a alegar, em resposta a críticas do PCP, que a moeda única, que arvorou em desígnio nacional, traria só por si o desenvolvimento e o emprego.

Já é alguma coisa que o primeiro-ministro reconheça, implicitamente, que se enganou e sobretudo quando, em matéria de revisão do Tratado de Maastricht, a montanha pariu um rato em Amsterdão.


A cimeira de Amsterdão pôs mais uma vez em evidência a arrogância de verdadeiros patrões da União Europeia com que se comportam o chanceler Kohl e os demais representantes alemães.

O mais espantoso é a naturalidade com que esta situação é aceite pelos governantes, os comentadores e os jornalistas dos outros países.

A nossa imprensa esgotou a paleta dos adjectivos para enaltecer a firmeza do chanceler alemão e traduziu a decisão sobre a questão do emprego em frases como esta: «A França teve uma vez mais de se submeter a grande parte das condições alemãs para o euro».

Os alemães não esconderam realmente o seu contentamento. Quanto à resolução sobre o emprego, o ministro das finanças Theo Waigel afirmou que ele não pressupõe que a União seja dotada «nem de recursos, nem de competências».

Garantiu que a «A Alemanha pode estar tranquila pois não se introduziu nenhuma alteração no Pacto de Estabilidade». E acrescentou, em directa referência à França: «Não se lhe fizeram concessões».

Estas é que são as palavras que remetem para a verdadeira face da União Europeia Neoliberal e não a cosmética social com que Amsterdão tenta disfarçar Maastricht.

É em relação a ela que importa preparar alternativas progressistas.

É contra ela que é imperioso desenvolver a luta em cada estado membro,

como acontece no nosso país com a campanha pelo referendo sobre a moeda única que reuniu mais de 46 mil assinaturas.

É contra ela que é preciso reforçar as iniciativas, a solidariedade e a luta comum à escala do conjunto da União Europeia, como aconteceu há um ano em Paris, no mês passado em Lisboa, agora em Amsterdão (com a Conferência Internacional e a grande manifestação de massas de mais de cinquenta mil participantes), como acontecerá proximamente em Madrid.