TRABALHO

Trabalhadores não desarmam após a privatização


EDP tem compromissos
para além da corrida aos lucros



Endereçando ao Governo do PS a responsabilidade política pelas consequências futuras da privatização da EDP, os representantes dos trabalhadores afirmaram à porta da Bolsa a disposição de continuarem a lutar para que não suceda no sector eléctrico o que se verificou com os transportes rodoviários.


Segunda-feira à tarde registou-se especial agitação junto do edifício negro vidrado da Rua Soeiro Pereira Gomes, com muitos carros, motoristas e personalidades de topo de gama a acorrerem à operação pública de venda para concretizar a primeira fase da privatização da EDP. Nesta fase foram alienados 30 por cento dos 600 milhões de acções da holding do grupo que detém praticamente o monopólio da produção, transporte e distribuição de energia eléctrica no País; em OPV foram distribuídos cerca de cem milhões de acções (16,6 por cento), enquanto os restante 80 milhões (13,3 por cento) foram objecto de venda directa aos chamados investidores institucionais.

A azáfama inicial dos bancos (sobretudo o consórcio liderado pelo BPI) chegou a motivar uma «repreensão» da entidade responsável pelo mercado bolsista, ainda no período de pré-registo das intenções de compra, prosseguiu nas horas seguintes ao fecho da OPV (procurando rapidamente determinar quantas acções cabem a cada cliente) e, logo na terça-feira, veio evidenciar o baixo preço das acções - admitido por toda a gente, menos o Governo e a administração da EDP. Na tarde de segunda-feira o preço-base foi de 2250 escudos; na terça-feira, o primeiro lote de mil acções foi comercializado a um preço superior a 4 mil escudos; mesmo com o entusiasmo moderado, houve bancos que fizeram propostas de compra a 3250 escudos.

Este é um negócio que satisfaz largos interesses: muitos dos 772 mil novos accionistas da EDP venderão os seus papéis, com ganhos significativos (tanto em termos de percentagem, como no que toca a valores absolutos e ao que estes representam para as magras economias da generalidade das famílias); com a certeza de ganhos importantes (assente nos elevados lucros da EDP e nas perspectivas de evolução da empresa), os grupos financeiros vão agora procurar consolidar posições no capital da empresa; satisfeito com o «encaixe» de 390 milhões de contos, que vão expeditamente satisfazer os critérios comunitários da dívida pública para bem da moeda única, o Governo também encara a privatização como um sucesso e prepara já a segunda fase, em que serão alienados mais 19 por cento da EDP.

Com este quadro, não surpreendeu que as ordens de compra tenham superado em muito (37 vezes na OPV, 32 vezes na venda directa) a oferta disponível. Quer isto dizer que, conforme o momento em que foi dada a ordem de compra, quem queria duas mil acções, por exemplo (lote máximo para trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes) fica com 75, 50 ou 25. Atenta a este facto, a própria Bolsa de Valores decidiu abrir uma excepção e aceita transacções até um lote mínimo de 25 acções (limite que, normalmente, é de cem acções e que, assim reduzido para a EDP, vem facilitar as operações de compra e venda - e a inevitável concentração do capital).


O País
é que perde

 

A euforia privatizadora tentou ocultar outros aspectos deste negócio, nomeadamente o facto de que nele também há perdas e perigos. Contra esta corrente agiram as estruturas sindicais da CGTP no sector, a Comissão de Trabalhadores da EDP, o PCP e um ou outro especialista.

A própria campanha publicitária que precedeu a privatização anunciava a EDP como «a nossa energia», deixando depreender que, uma vez vendida, passaria a ser «a energia deles».

Os argumentos dos representantes dos trabalhadores - na sequência de acções anteriores - também estiveram presentes no momento da OPV. Activistas sindicais e da CT concentraram-se junto ao edifício da Bolsa de Valores e disseram, alto e bom som, que a privatização não tem qualquer justificação técnica, económica ou financeira e que, do ponto de vista político, é «um erro grave» e «uma atitude leviana e irresponsável» do Governo do PS.

A afirmação foi feita por José Machado, dirigente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas, durante a «volta de protesto» com que activistas vindos de todo o País marcaram a sessão bolsista. Na intervenção do dirigente da FSTIEP e nos cartazes empunhados pelos representantes dos trabalhadores da EDP foi salientado que a empresa, pelo seu elevado valor, pelos grandes lucros obtidos e pelo papel estratégico que desempenha, é um instrumento de desenvolvimento e de criação de riqueza, que merece a consideração dos consumidores e que deve manter-se no sector empresarial do Estado.

O encerramento de postos de atendimento nas zonas do interior do País, feita em nome da maior rentabilidade, foi apontado como um exemplo de que a lógica do lucro, a impor-se, fará da EDP «uma empresa sem carácter» e que prestará um pior serviço público. José Machado sublinhou que a empresa «tem compromissos» perante os consumidores e, «mesmo depois de privatizada, não pode começar a funcionar como se fosse uma qualquer multinacional».

Especial preocupação merecem os problemas do emprego e dos direitos dos trabalhadores. No período anterior à privatização, as pressões para a rescisão de contratos ou aceitação de reformas antecipadas liquidaram mais de 8 mil postos de trabalho, mas não pararam. Anteontem, no «Público», o presidente do conselho de administração da EDP apontava, entre as primeiras a tomar depois desta fase da privatização, «reduzir o pessoal até 15 por cento, os serviços externos em dez por vento, as despesas em investimento em 15 por cento».

«Não queremos que a EDP faça como as empresas de transportes privatizadas, que deixaram muitas populações sem transportes porque as carreiras não eram rentáveis», sublinhou João Paulo, membro da Comissão Executiva da CGTP-IN. Depois de fazer um breve balanço das privatizações (retomando os factos e argumentos apresentados pela central, no dia 5, junto da Assembleia da República, como noticiámos no «Avante!» da semana passada), João Paulo defendeu que o acesso à energia eléctrica deve ser garantido a toda a população, «com os investimentos necessários para o desenvolvimento do País e a implantação de novas indústrias em todas as regiões», o que não poderá ser conseguido com uma gestão virada só para os lucros.


«Não vamos parar!»

Os sindicalistas sublinharam que os trabalhadores vão manter-se atentos e não deixarão de lutar em defesa dos seus direitos, dos postos de trabalho e de uma EDP que responda às necessidades do País. Conscientes das dificuldades próprias do período de férias que se aproxima, declararam que a «volta de protesto» junto da Bolsa foi apenas «um ponto de passagem da nossa acção» e admitiram realizar brevemente uma deslocação à residência do primeiro-ministro, para exigir resposta a um pedido de audiência entregue no dia 5, juntamente com uma carta-aberta dos trabalhadores a António Guterres. «Não aceitamos ser parceiros de segunda, quando os parceiros de primeira são os grupos financeiros que hoje estão entusiasmados com a privatização», sublinhou o dirigente da FSTIEP, admitindo a possibilidade de uma greve nacional e deixando um aviso «aos representantes da alta finança que hoje batem palmas»: «Não vamos parar! Os interesses por trás da privatização são muito fortes, mas podem ser combatidos com a unidade e a acção dos trabalhadores e da opinião pública!»



Frases...

Enquanto da tribuna instalada no carro de som da CGTP falavam os dirigentes sindicais José Machado, João Paulo e João Torres, dezenas de activistas e delegados dos sindicatos da FSTIEP e membros da Comissão de Trabalhadores da EDP circulavam frente ao edifício da Bolsa. Nos cartazes que transportavam exprimiam os sentimentos e as preocupações que se vivem nos locais de trabalho das empresas do Grupo EDP. São frases de denúncia, de protesto e de aviso, de que aqui deixamos alguns exemplos:


- EDP é nossa

- EDP - Vender por tostões o que vale milhões

- EDP - Privatização traz desemprego e leva direitos

- Venda da EDP - uma «paixão» para «peixões»

- EDP - é barata, dá milhões

- Privatização da EDP - a grande farra

- EDP - vem aos saldos!

- Privatizações - Nem Salazar foi tão longe

- Privados a lucrar, consumidores a aguentar

- Entregar o ouro (EDP) ao bandido

- Privatizações só servem os tubarões

- EDP - Nos direitos não se mexe