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Revisão do Tratado de Maastricht


Sim à coesão económica e social
Não às políticas neoliberais



Ignorando o apelo lançado pelo Grupo comunista para que seja incrementada uma mudança de orientação no quadro da revisão do Tratado de Maastricht, visando a reconsideração da União Europeia e Monetária (UEM) e do caminho para a moeda única, o Governo do PS voltou a insistir no seu magno objectivo de criação da moeda única já em 1999 e de rigoroso cumprimento dos critérios de convergência. No mesmíssimo sentido sentido se pronunciou a bancada do PSD, subscrevendo iguais pontos de vista, num total enfeudamento aos critérios monetaristas impostos no Tratado de Maastricht e às políticas neoliberais.


Desta conjugação de vontades do «bloco central», evidenciada em debate parlamentar, na semana transacta, a poucos dias da cimeira europeia de Amesterdão, resultou a aprovação de dois projectos de resolução do PS e PSD. Destino diferente tiveram os textos, sobre a mesma matéria, apresentados pelo PCP e pelo CDS/PP, acolhendo apenas o voto favorável das respectivas bancadas.

Mas se as críticas do PCP no debate incidiram nas questões substantivas, dirigindo-se, no fundamental, ao processo da União Europeia e Monetária e à criação da moeda única, o mesmo não se pode dizer do CDS/PP que, apesar de alguns reparos, acabou por revelar sobre a matéria um indefectível alinhamento com as posições do Governo. Tratou-se, verdadeiramente, da aceitação implícita ao euro e aos critérios de Maastricht, uma vez que, como assinalou o deputado comunista João Amaral, para além de anotações com um claro pendor federalista (criação de um senado), no seu projecto de resolução o PP deixa intocada a UEM, não surgindo uma palavra sobre o euro, sobre a vertente social da construção europeia ou sobre o emprego.


Vaca sagrada

Para o Governo, por sua vez, este foi um debate que serviu sobretudo para reiterar a sua posição quanto ao que considera ser a irreversibilidade da UEM. Uma "espécie de vaca sagrada", na perspectiva de João Amaral, que não aceita que a revisão do Tratado de Maastricht exclua à partida qualquer abordagem sobre o tema. Tanto mais que, explicou, a UEM constitui precisamente a componente mais federalista do Tratado, responsável pelas imposições monetaristas que espartilham o desenvolvimento e geram o actual alastrar de desemprego e pobreza que varre a Europa.

Ora sendo estes os problemas centrais que actualmente se colocam à construção europeia, não faz qualquer sentido, por conseguinte, na perspectiva da bancada comunista, impor restrições ao debate sobre a revisão do Tratado, mantendo designadamente intocável a questão da moeda única.

E foi isto mesmo que João Amaral fez questão de lembrar da tribuna, afirmando o seu repúdio por este "injustificável tabu", antes de chamar a atenção para a "tempestade política" que assola a Europa, sobretudo após as eleições francesas, num movimento que veio colocar na ordem do dia e como prioritária a questão do emprego.

"Agora que é a França a levantar interrogações, já não é possível, como com a Suécia, apagar os acontecimentos... e os problemas. Agora todos já dizem que é necessário fazer alguma coisa pela vertente social da Europa", assinalou João Amaral, depois de ter recordado a decisão daquele país nórdico de não integrar o grupo de países fundadores do euro, coincidente com a já anteriormente adoptada pela Dinamarca e pelo Reino Unido.


Cruzada ineficaz

Vertente social que António Guterres no decorrer do debate procurou explorar, chamando a si os louros por ter alertado, ainda antes do recém eleito Jospin, para o problema do desemprego, um drama em relação ao qual, disse, a "Europa ficou insensível".

Guterres reconheceu mesmo que as grandes inquietações actuais dos cidadãos europeus têm a ver com o emprego e a seguranca, com a defesa da paz e da estabilidade, afirmando a sua vontade de levar estas preocupações para o Conselho Europeu de Amesterdão.

Só que o "grande problema da cruzada do senhor Primeiro-Ministro sobre o emprego - observou João Amaral - é que ela terá sido dita aqui aqui onde era ineficaz nos discursos para os desempregados por óbvios motivos políticos, mas nunca foi traduzida em actos, lá onde podia ser eficaz para a efectiva mudança das políticas que conduziram à actual situação".

Ora sucede, como assinalou o parlamentar comunista, que o problema do desemprego que hoje atinge cerca de vinte milhões de cidadãos europeus "não se resolve enquanto não forem abandonados os critérios restritivos de Maastricht e as orientações neoliberais da política que lhe estão associadas". Mais, adiantou, "são aqueles critérios e estas orientações que tolhem o processo de desenvolvimento, impedem o investimento público, deixam a economia em estado inerte, causam o desemprego, acentuam as desigualdades nacionais, regionais e sociais, fazem alastrar a pobreza e a exclusão".


Europa federal

Daí que a revisão do Tratado de Maastricht, na perspectiva do Grupo comunista, deveria constituir-se numa oportunidade para mudar de orientação, colocando como objectivos centrais a coesão económica e social, a afirmação das políticas social, de emprego e desenvolvimento, e da igualização no progresso das condições de vida e de trabalho.

Não foi esse, porém, o caminho escolhido, circunstância que João Amaral lamentou, verberando duramente o facto da as opções tomadas terem ido em sentido inverso, isto é, com vista ao exclusivo aprofundamento da construção de uma Europa federal. São disso testemunhos, entre outros, lembrou, a «comunitarização» dos acordos de Schengen, com o novo título que inclui as questões do asilo e da imigração, e com o alargamento a esta área das competências do Tribunal de Justiça das Comunidades; a transformação da UEO numa parte integrante da UE; a atribuição de personalidade jurídica à União; o alargamento dos processos de decisão maioritária"; a introdução dos mecanismos de flexibilidade e da «abstenção positiva».


Pelo emprego e o desenvolvimento

Privilegiar os objectivos que visam a coesão económica e social, valorizando as políticas social, de emprego e de desenvolvimento, constitui um dos princípios defendidos pelos deputados comunistas no seu projecto de resolução sobre a revisão do Tratado de Maastricht. Rejeitado pelo bloco PS/PSD e pelo PP, o texto subscrito pelo Grupo Parlamentar do PCP pronuncia-se simultaneamente pela recusa das propostas que preconizam a construção de uma Europa federal.

"Absolutamente inegociáveis", no entender da formação comunista, são, por sua vez, alguns aspectos que têm vindo a lume no quadro dos debates preparatórios da Conferência Inter Governamental (CIG), como sejam, por exemplo, a presidência rotativa, a presença nacional em todos os órgãos e instâncias e um peso nas votações equivalente ao actual, a manutenção do nível dos fundos estruturais e de coesão para o nosso País no âmbito do próximo Quadro Comunitário (QCA), o português como língua oficial e língua de trabalho, o reforço da participação activa dos parlamentos nacionais na vida comunitária, a sujeição à aprovação dos parlamentos nacionais de quaisquer alterações aos Tratados.

Para os parlamentares comunistas é igualmente inaceitável o chamado pacto de estabilidade - por lesar gravemente os interesses de Portugal no plano do emprego e do desenvolvimento -, considerando necessário, noutro plano, que a reconsideração da União Económica e Monetária esteja presente na revisão do Tratado de Maastricht e, nessa medida, seja um objectivo constante dos trabalhos da CIG.

No projecto de resolução que submeteram ao juízo da Câmara os deputados do PCP chamam por último a atenção para a necessidade de organizar um grande debate nacional, acompanhado da realização de um referendo, nomeadamente sobre o objectivo da moeda única.