INTERNACIONAL

Amsterdão


Há alternativas à Europa neoliberal


Os preparativos da cimeira de Amsterdão devem ter começado bem cedo. Afinal, tratava-se de montar um dispositivo de segurança, que envolveu mais de 5 mil agentes, para assegurar a integridade dos bem-amados dirigentes governamentais dos 15 países da União Europeia (de alguma coisa terão medo...). Numa cidade como Amsterdão, pouco habituada a estes folclores, a coisa deu nas vistas. Mais estranharam ainda os holandeses que, habituados desde sempre a ver a sua rainha passear pelas ruas da cidade acompanhada apenas por alguns seguranças, tinham agora zonas da cidade completamente isoladas, com a circulação por ruas e canais cortada...


A montagem do "arraial" intensificou-se nos últimos dias, com as patrulhas policiais a saírem à rua e as cabeças pensantes europeias a ultimarem as rezas para que tudo corresse bem e não houvesse problemas com o Pacto de Estabilidade.

Amsterdão foi o primeiro Conselho europeu cuja realização provocou uma forte contestação popular, cujos preparativos também começaram com dias, senão semanas e meses, de antecedência. Pela primeira vez uma cimeira deste tipo decorreu sob a pressão popular.

A marcha contra o desemprego, a precariedade e a exclusão, iniciada há várias semanas em diversos pontos da Europa, afluiu a Amsterdão, para coincidir com a cimeira. Mais de 50 mil pessoas desfilaram pelas ruas da cidade, com palavras de ordem contra o desemprego e a moeda única pronunciadas nas mais diversas línguas. De Espanha, França, Bélgica, Noruega, Finlândia, Grécia, Dinamarca, de quase todos os cantos da Europa os caminhos conduziram à capital holandesa. Portugal também contava com manifestantes, na sua maioria militantes do PCP emigrados na Holanda.

Assim, nos dias que antecederam a cimeira, Amsterdão fervilhou de iniciativas, quase todas organizadas à escala europeia, de diversos sectores da sociedade que aproveitaram o momento para fazer ouvir mais alto as suas vozes. Se a montanha, leia-se os governos europeus, quer continuar a tomar decisões à revelia dos povos, então os povos vão atrás da montanha para que ela os ouça.

Nos dois dias anteriores à cimeira decorrera uma reunião organizada pelo Partido Socialista da Holanda que discutiu as "Alternativas Progressistas à União Europeia Neoliberal", na qual participou uma delegação do PCP. Neste encontro, em que participaram vários partidos de esquerda, comunistas e progressistas europeus, ficou mais uma vez demonstrado que há outros caminhos. Basta querer fazer uma política que seja determinada pelo interesse dos povos e não do grande capital.


Virar à esquerda

Os diferentes oradores levaram à discussão descrições das situações vividas nos seus países e sugestões para o prosseguimento de caminhos alternativos. Uma ideia muito enfatizada foi a necessidade de se passar da resistência às políticas neoliberais que se estão a impor por toda a Europa a uma fase de apresentação e difusão de propostas alternativas da esquerda. Neste contexto insistiu-se uma vez mais na redução do tempo de trabalho como forma de criar empregos e na necessidade de se contrapor à inevitabilidade e fatalidade da UEM a alternativa de uma moeda comum, que criasse uma nova forma de cooperação monetária, como defendem os comunistas franceses.

Os trabalhos da conferência prosseguiram com a realização de workshops temáticos onde se aprofundaram temas como os efeitos sociais da União Monetária, os efeitos da UE na soberania nacional e a caminhada para os "Estados Unidos da Europa".

Na sua intervenção, de que reproduzimos excertos em separado, o representante do PCP, Agostinho Lopes, após fazer uma descrição da situação portuguesa, criticou "a tentativa de conciliação impossível da lógica de Maastricht e, em particular, da UEM, com efectivas políticas sociais e o objectivo do pleno emprego".

Terão os líderes de governo escutado e ponderado as diversas mensagens deixadas em Amsterdão antes de tomarem as decisões que influenciam a vida de todos nós? Pelos resultados conhecidos vê-se que não. Valeu a pena o esforço? As eleições francesas, por exemplo, mostraram que o autismo pode dar maus resultados. A capacidade de mobilização demonstrada em Amsterdão indica que os povos podem aguentar muita coisa mas também se cansam e agem. Como José Saramago escrevia em "Levantado do Chão": "Quem em tudo isto não encontrar novidades, precisa que lhe tirem as escamas dos olhos ou lhe abram um buraco na orelha"...



Consequências sociais
da União (Monetária) Europeia


— Excertos da intervenção de Agostinho Lopes,
membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Português

"(...) Perante o crescer das lutas sociais e a inquietação dos povos, alguns dos responsáveis directos (ou indirectos) por este projecto neoliberal da União Europeia inscrito no Tratado de Maastricht (e que a CIG se prepara para rever, acentuando orientações negativas e mantendo inalterados aspectos tão gravosos como os da UEM, na sua fidelidade à estratégia original) pretendem, num golpe de propaganda, atirar poeira aos olhos dos trabalhadores e dos cidadãos, com a inscrição no Tratado revisto de um capítulo sobre o emprego e outro sobre as políticas sociais. Ora, na nossa opinião, não há conciliação possível entre a manutenção do núcleo duro das políticas de Maastricht e, em particular, da UEM, e a concretização dos objectivos emprego e coesão social.

A prova está feita nestes últimos anos de convergência nominal no caminho para a moeda única. Mais, a proposta conhecida da presidência holandesa para primeiro Artigo do Título a inscrever no Tratado sobre o emprego é, previsivelmente, um dispositivo para (dando cobertura comunitária a alterações da legislação laboral) provocar mais desemprego: «promover uma força de trabalho competente e adaptável, e mercados de trabalho que reajam favoravelmente a uma economia em mutação»! Sem desvalorizar (pelo contrário, reivindicamos) a inscrição daqueles objectivos no Tratado da União Europeia, atentos ao seu significado como resultado da luta travada pelas organizações sociais, políticas, e de esquerda e progressistas, não pode deixar de combater-se qualquer ilusão sobre o seu potencial e real valor na resposta ao dramático problema do desemprego que atinge a Europa. Mas se aqueles objectivos (por incompatibilidade) não são susceptíveis de se acrescentar ao Tratado de Maastricht, eles devem estar no centro de uma outra construção europeia.

Como não bastará um orçamento comunitário maior (embora tal fosse desejável), nem uma coordenação das políticas económicas, ou avanços institucionais que desenvolvam soluções federalistas (o que, aliás, repudiamos), quando a lógica económica se mantém inalterada e comandada pela rentabilidade financeira do capital transnacional, impulsionando uma divisão europeia de trabalho, segundo o Argumentário Euro, «mais eficaz», em que uns serão pintores da construção civil e outros «picassos»! Porque não há compensações financeiras ou transferências de fundos que possam pagar (o que não tem preço): a destruição dos tecidos produtivos nacionais ou a perda da identidade económica, social, cultural e política dos povos. Porque são inaceitáveis políticas que possam pôr em causa um dos princípios gerais em que se funda, segundo o próprio Tratado, a União: «a identidade nacional dos Estados-membros».

(...) A pretendida quadratura do círculo — compatibilizar Maastricht com o emprego e a coesão social — tem por base duas teses nucleares do pensamento único do neoliberalismo: 1) a expulsão do «social» da economia, com a consequente «naturalização» desta; 2) a «imperativa» ditadura dos mercados financeiros. E as duas teses expulsam, logicamente, a política e dispensam a democracia.

Pela primeira tese, procura inculcar-se a ideia de que, tal como um «sistema natural» (as marés ou o ritmo das estações), o «sistema económico» funciona e, funcionando, ninguém tem responsabilidades pelos seus efeitos secundários ou laterais. Ele existe para produzir lucros e acumular capital. Essas questões do desemprego, da segurança e saúde, são problemas sociais que têm resposta ao nível da medicina social: rendimentos mínimos, sopa dos pobres, bancos alimentares, mercado social de emprego. Como diz alguém, o social é a ambulância que se envia aos mortos e feridos da competitividade. A fractura social substitui-se à oposição e diferenças de classe, e «naturaliza» as crescentes desigualdades como efeito «natural» do funcionamento da economia.

A segunda tese tem uma versão precisa nas afirmações do Presidente do Grupo Parlamentar CDU no Bundestag: «as regras da união monetária europeia, tal como foram formuladas no Tratado de Maastricht (...) são o diktat da realidade supranacional. A da concorrência global. A política deve ser orientada em função da realidade supranacional. As expectativas dos mercados financeiros internacionais são uma expressão dessa realidade». Logo: a política deve ser orientada em função das expectativas dos mercados financeiros internacionais e não das expectativas dos cidadãos!

(...) Um primeiro e essencial caminho é a resistência social, política e ideológica à Europa de Maastricht e do neoliberalismo. Esclarecendo, mobilizando, organizando. Nas lutas concretas contra as consequências sociais (despedimentos, redução de benefícios sociais, etc.) impostos pela União Económica e Monetária. Contra a política que, na agricultura, nas pescas, na indústria, nos serviços, excluem do processo produtivo homens e mulheres em plena maturidade física e intelectual. Nas lutas mais gerais contra o desenvolvimento de projectos, contra os interesses e à margem da vontade democrática dos povos.

(...) Caminhos de solidariedade, de iniciativas, acções e lutas comuns, a prosseguir e a intensificar, em torno de um vasto conjunto de objectivos imediatos que podem unir importantes forças sociais e políticas: o emprego com direitos, a redução generalizada dos horários de trabalho sem perda de salários, o combate às privatizações e a defesa do serviço público, o desenvolvimento harmonioso e sustentado, com a correcção dos desequilíbrios regionais e sociais e a defesa do ambiente, pela participação democrática dos cidadãos em todas as decisões sobre o futuro da União Europeia e da Europa.

É neste sentido que os comunistas portugueses e o PCP continuarão a trabalhar."


Alguns dados
sobre a situação social em Portugal

· Desemprego (em sentido lato)

Þ 1994 — 11,4%

Þ 1995 — 11,3%

Þ 1996 — 11,1%


· Desemprego de longa duração

Þ Representava 26% do total de desemprego em 1992 e representa 42,5% em 1996


· Precarização

Þ Crescimento de 30% entre 1994 e 1997, atingindo 409 mil postos de trabalho no 1º trimestre do corrente ano


· Penalização das mulheres e dos jovens

Þ Mulheres: % na população empregada — 45%

% na população desempregada — 51%

Remuneração média (Abril 96) — Homens: 145,5 contos/mês

Mulheres: 102,0 contos/mês

Þ Jovens (14/24 anos): % na população activa — 14%

% de desempregados — 16,6%,
no quadro de uma taxa de desemprego (restrito) de 7,2%


· Desempregados sem subsídio de desemprego (Dez. 96) — 59,9%


· Activos que não descontam para qualquer esquema de segurança social — 1,2 milhões (quase 1/3 da população activa)


· Taxa de pobreza segundo o Eurostat — 27,1% para uma média europeia de 15,7% (critério da linha de pobreza: 50% do rendimento médio disponível nacional por unidade de consumo equivalente)


· Parte dos salários (ajustada pelos trabalhadores independentes) no PIB:

1983 — 73,7%

1993 — 64,8%


· Desigualdade na distribuição de riqueza: (anos 90) 25% da população concentra 72,8% da riqueza total

· Desigualdade na distribuição do rendimento: o quintil (faixa de vinte por cento da população) de topo (5º) absorve, em 1994, 45,2% do rendimento total (em 1990 absorvia 42,5%), com o grau mais elevado das desigualdades da União Europeia — um índice de Gini, de 0,39 para a média europeia de 0,31

· Assimetrias regionais: a disparidade regional do PIB per capita, medida pelo afastamento-tipo, passou de 15,0 em 1983 para 20,2 em 1993, tendo o índice nacional do PIB/capita (EUR 15 = 100) passado, no mesmo período, de 55,1 para 68,2.



Os resultados da Cimeira:
neoliberalismo a galope

Analisando os resultados da Cimeira Intergovernamental de Amsterdão (CIG), Agostinho Lopes, da Comissão Política do CC do PCP, divulgou ontem em conferência de imprensa uma declaração de que damos alguns excertos e em que, apesar de não haver ainda um conhecimento total do aprovado, se chama a atenção para alguns aspectos considerados relevantes.


Segundo o documento divulgado, a CIG demonstrou que se está perante «uma profunda mistificação sobre o emprego e o social»; a «continuação do neoliberalismo a galope, com o federalismo à arreata»; e ainda que as «grandes movimentações sociais obrigaram a pôr na ordem do dia preocupações essenciais dos trabalhadores e dos povos».

«Repetindo pela enésima vez generalidades sobre o emprego e sobre soluções para o desemprego a Cimeira não avançou um milímetro na concretização de efectivas respostas ao flagelo social que atinge 20 milhões de trabalhadores nos países da Comunidade!

«A ficção é a inclusão no Tratado da União Europeia de capítulos sobre o emprego e a política social, sem medidas financeiras que os sustentem.

«A realidade são as promessas de uns dinheiros, que virão dos restos que sobrarem do aumento do capital social que o Banco Europeu de Investimento (BEI) irá realizar, com vista ao alargamento, e do que sobejar dos respectivos fundos, aquando da extinção da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 2002.»


O avanço do federalismo

(...) «Recorda-se que, segundo esse pacto, o «valor de referência» para os défices orçamentais mantém-se em 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas este valor deve ser considerado como um tecto, em circunstâncias normais. As políticas orçamentais nacionais devem criar uma margem de manobra para se adaptarem às perturbações, excepcionais e conjunturais, sempre evitando os défices excessivos. Pelo que, o objectivo orçamental a médio prazo deve ser «próximo do equilíbrio ou excedentário»: efectivamente um orçamento equilibrado para o conjunto do ciclo económico.

«E lembra-se que, por exemplo, um país como Portugal, com a adesão à moeda única, num ano de PIB igual a 15 mil milhões de contos, com um défice orçamental de 4%, pagará uma multa de 45 milhões de contos!»(...)

«Não se tendo verificado os avanços institucionais que os federalistas ferrenhos desejariam, não é de subestimar o desenhar de uma alteração na ponderação dos votos que, reforçando o peso da população, reduzem o peso dos Estados e alguma progressão no 2º e 3º pilares na comunitarização da política externa, de Shengen, reforçando a concepção de uma Europa, potência militar e fortaleza.

«Os federalistas mais avisados sabem bem, entretanto, que, implícito na moeda única e no Pacto de Estabilidade, o federalismo assentou arraiais.»(...)