A TALHE DE FOICE


Em dívida
com a direita


Partindo dum facto - a actual dívida de 2,4 mil milhões de contos à Segurança Social por parte dos agentes económicos privados e até públicos - a Comissão de um tal «Livro Branco da Segurança Social» apresta-se para aconselhar o Governo de António Guterres a fazer uma razia nas reformas dos funcionários públicos portugueses.

Incumbida pelo Executivo de radiografar a situação da Segurança Social portuguesa através de (mais) este «Livro Branco», a douta Comissão tem, aliás, condições privilegiadas para desempenhar a tarefa com adequação: nenhum dos seus membros está, em qualquer circunstância, minimamente preocupado com a sua própria reforma.

O que nos favorece com outra garantia: a de que é tão flagrante a independência destes senhores comissários face aos interesses em causa, que nenhum deles há-de fazer a mínima ideia do que seja viver com as pensões ou as reformas actualmente praticadas no nosso País, sejam elas de três dezenas ou de três centenas de contos/mês. Tais verbas não costumam passar de trocos, nos honorários destes eminentes estudiosos da Coisa Social, onde pontificam nomes como o de Correia Campos (que preside) ou Medina Carreira.

Pelo que, segundo apurou o Diário de Notícias «junto de fontes ligadas ao processo», o «Livro Branco da Segurança Social» vai ser divulgado na próxima semana e propõe coisas como as que se seguem.

Fixação imediata de um tecto máximo de aposentações para a Função Pública.

Aumento de 36 para 40 anos de serviço necessários para aposentação dos funcionários públicos.

«Progressiva uniformização» do sistema de aposentações destes funcionários, o que, na prática, significará a passagem do actual critério de reforma a 100% igual ao último salário, para 80% da média dos salários angariados com base nos melhores 10 anos de ordenados dos últimos 15 anos de serviço.

Todavia, os funcionários públicos não são os únicos a levar com a saponária deste «Livro Branco».

Na óptica dos comissários, todos os trabalhadores, sejam do sector público ou privado, deverão ver alargado dos actuais 10 para 25 anos o período de tempo sobre o qual é calculada a pensão de reforma, o que, só contando com a inflação ocorrida ao longo desses 25 anos, significaria transformar liminarmente as reformas em esmolas.

Diz o DN que Correia de Campos, «contando com o apoio de Medina Carreira e da maioria da Comissão» pretende igualmente «que o Estado deixe de se responsabilizar pelas pensões na sua totalidade», passando apenas a assegurar uma reforma mínima «pública e universal» que «deverá oscilar entre um e cinco salários mínimos», a que se acrescentará uma «segunda prestação» resultante de um fundo pago pelos trabalhadores através de descontos mensais e a ser capitalizado... (já adivinharam, né?) por seguradoras ou fundos de pensões.

Tudo isto dando por adquirido que há duas «impossibilidades»: a de que o Estado cobre seja o que for dos 2,4 mil milhões de contos em dívida e, pior ainda, que estanque a sangria e impeça o acumular da dívida.

E elidindo que esta dívida descomunal corresponde integralmente a mais valias extorquidas aos trabalhadores por públicos e privados, servindo os primeiros para garantir o roubo dos segundos. No passado, no presente e no futuro.

Verdade seja dita que estes laboriosos raciocínios apresentados pelos doutos comissários não passam de medíocre plágio das propostas que, a par de outras, acabaram por derrubar recentemente os governos do presidente Chirac, dando o poder às promessas do Partido Socialista francês em as contrariar.

A diferença deste «Livro Branco da Segurança Social» engendrado em Portugal está no facto de ter sido encomendado por um Partido Socialista... no poder.

O que coloca o Governo de António Guterres em dívida com a direita francesa.

HC