EDITORIAL



Essa palavra futuro


A palavra futuro confunde-se assim com a alternativa progressista que o assegure - alternativa ao capitalismo que agrava a degradação dos ecosistemas, reduz povos e nações à miséria mais estrita e mergulha grande parte da humanidade no medo pelo dia de amanhã.

Com as suas ressonâncias encorajadoras ou preocupantes a palavra futuro tem presença obrigatória no discurso que se produz e nas realidades que se vivem, no dia-a-dia, do nosso país e do mundo.

O futuro tem sido evocado a propósito da II Cimeira da Terra que está a decorrer nas Nações Unidas, neste caso porque se teme justificadamente pelo próprio futuro do planeta.

E a ameaça não provem de qualquer força cósmica ou sobrenatural. Estão identificados os principais culpados dos múltiplos atentados contra a vida na Terra. Com alguma perplexidade o «nosso» «Diário de Notícias» reconhecia, na edição de terça-feira, a existência de «um inesperado cerco aos Estados Unidos da América». Não é, claro, o povo americano que está em causa, mas o poder imperialista que tem por sede o seu território e que crescentemente dita as leis para o resto do mundo.

A principal ameaça ecológica reside no próprio sistema capitalista que não olha nem a meios nem a consequências para a obtenção do lucro máximo e que, por isso mesmo, dificulta a aprovação de normas internacionais de salvaguarda ambiental ou as despreza com arrogância quando são aprovadas.

A II Cimeira da Terra é a imagem do fracasso das resoluções e recomendações da primeira efectuada no Rio de Janeiro, em 1992. Mais ainda do que então é flagrante a hipocrisia do discurso oficial das grandes potências capitalista.

Como tem sido largamente demonstrado na tribuna da Cimeira uma das grandes causas da crise ecológica do planeta reside na profunda crise social em que grande parte da humanidade está mergulhada.

O fosso entre os pobres e os ricos não tem cessado de se aprofundar.

Segundo o relatório do Desenvolvimento humano das Nações Unidas o rácio do rendimento dos 20 por cento mais ricos face aos 20 por cento mais pobres, passou de 30 para 1, em 1960, de 61 para 1, em 1991 e de 78 para 1, em 1994. Onde chegaremos se não se põe cobro a esta degradação?!

E, no entanto, como salientou Carlos Carvalhas ao discursar, no passado sábado, em Portalegre «vivemos num mundo em que as conquistas da ciência e da técnica permitem melhorar significativamente a vida das populações, reduzir o tempo de trabalho sem diminuição dos salários e apagar as manchas de pobreza e superar os flagelos sociais que atingem milhões de seres humanos».

A palavra futuro confunde-se assim com a alternativa progressista que o assegure - alternativa ao capitalismo que agrava a degradação dos ecosistemas, reduz povos e nações à miséria mais estrita e mergulha grande parte da humanidade no medo pelo dia de amanhã.

 

Falou bem António Guterres quando, ao discursar na Cimeira, afirmou que «a responsabilidade é sobretudo dos países desenvolvidos». Mas borrou a pintura quando enalteceu em termos propagandísticos a acção do seu Governo neste domínio e escamoteou a realidade especialmente preocupante do nosso país.

Quanto a esta, atente-se na sugestiva caracterização feita na Resolução Política do XV Congresso do PCP. Aí se diz: «Portugal mantém (...) problemas típicos dos países mais desenvolvidos, como a poluição de certas indústrias e as carências de tratamento de resíduos industriais e, simultaneamente, problemas típicos dos países menos desenvolvidos, como carências em matéria da qualidade da água para abastecimento público em algumas regiões, recolha e tratamento de esgotos

(águas residuais) e recolha, reciclagem e tratamento de lixos domésticos.»

Não basta criar um Conselho Nacional para o Desenvolvimento Sustentado, com que o primeiro-ministro enche a boca, para que esta realidade se modifique, é preciso definir e praticar uma verdadeira política de desenvolvimento sustentado.

Ora o Governo do PS, nesta como noutras áreas, opta pela desresponsabilização do Estado, pela privatização e pela utilização da protecção do ambiente como mais um campo de negócio para o grande capital.

Além disso, continua a comportar-se com contumácia em relação a importantes normas comunitárias no domínio ecológico, incluindo as referentes às emissões de dióxido de carbono, ao mesmo tempo que neglicencia a própria utilização de fundos estruturais nesta sensível área.

A degradação dos ecosistemas não é só um problema dos outros, como parece decorrer das palavras de Guterres. É um problema premente do nosso país, onde a insuficiência e a errada orientação da política governamental são particularmente chocantes.

 

Um outro processo que tem a maior importância para o futuro dos portugueses está especialmente em foco nesta altura: a reforma da segurança social.

A CGTP lançou, na passada terça-feira, um sério alerta sobre as manobras manipuladoras do presidente da Comissão do Livro Branco, Correia de Campos e outros elementos da Comissão.

Diz a Central Sindical: «O que está em curso é a tentativa de imposição, pelo presidente da Comissão e de uma parte dos seus membros, de um modelo de reforma há muito delineado e que está subordinado aos interesses do capital financeiro».

Esta denúncia é particularmente oportuna, pois, a apresentação do Livro Branco está prevista para a próxima segunda feira e terá um curto período de discussão pública, a coincidir curiosamente com a estação estival, quando a maioria das pessoas está mais desatenta.

As manobras denunciadas inserem-se numa vasta ofensiva, comandada pelas seguradoras e outras entidade financeiras, contra o sistema público de segurança social, visando, por diversas formas, a adulteração do seu carácter e a redução de sua importância, acompanhadas (este é o grande objectivo) da abertura ao grande capital do controlo crescente sobre os fundos de pensões no nosso país..

O plano está em curso não é apenas a preparação de um gigantesco negócio para o capital financeiro, é, em consequência, o estabelecimento de um sistema que degradaria ainda mais e tornaria muito mais insegura a segurança social dos portugueses no próximo futuro.

É claro que o Governo PS não é alheio às operações que se desenvolvem contra o sistema público de segurança social. Quando nomeou a comissão sabia muito bem que o escolhido presidente é o ponta de lança da ofensiva do capital financeiro e que outros membros da Comissão são alguns dos seus mais destacados avançados.

Assim, no plano interno, também a palavra futuro se confunde com a alternativa e para que esta seja viável é necessário aumentar a força e a influência do PCP.