TRABALHO



Grande manifestação de polícias
reclama direito ao sindicato


Considerada por alguns observadores e participantes como a maior manifestação de agentes policiais que teve lugar até hoje no País, a jornada de dia 19 marca uma viragem na luta pelo direito ao sindicato.

Ao sair, no dia seguinte, de uma audiência com o presidente da Assembleia da República, um dirigente da Associação Sócio-Profissional da Polícia admitiu mesmo que a criação de um sindicato «é apenas uma questão de tempo».

Segundo a Agência Lusa, António Augusto, que foi recebido por Almeida Santos juntamente com uma delegação do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia, notou que «o próprio ministro da Administração Interna já mostrou que não é contra a existência de um sindicato da polícia», salientando que «tudo faremos para que ele seja criado». Para o dirigente sócio-profissional, a questão do sindicato da polícia «é para ontem», pelo que a luta dos polícias «vai continuar».

António Augusto calculou em «cerca de quatro mil» o número de participantes na manifestação da passada quinta-feira, criticando «o serviço esquisito e especial» atribuído nessa tarde aos polícias de Lisboa e que impediu muitos de seguirem até à AR.

Os agentes da PSP, vindos de vários distritos, concentraram-se no Rossio cerca das 18 horas, contando com a presença solidária de dirigentes organizações sindicais de polícias de sete países europeus e do CESP, de agentes da PJ e dirigentes da ASFIC (sindicato que deu a base legal para a realização da manifestação), de uma delegação da CGTP que incluia Carvalho da Silva, e de uma delegação de «familiares e amigos» de guardas da GNR (estes também em luta pelo reconhecimento do seu direito de associação sindical), além das diversas expressões de apoio recebidas ao longo do percurso até São Bento. No Terreiro do Paço, ao aproximarem-se do edifício do Ministério da Administração Interna, os polícias fizeram silêncio e colocaram autocolantes-mordaças, em sinal de protesto. Dos carros de som saíram os acordes da «Grândola Vila Morena».

No largo frente à AR foram lidas várias mensagens de apoio e intervieram dirigentes da ASFIC, do CESP e dos sindicatos de polícia da Bélgica, da Grécia e de Espanha, e o presidente da ASPP, José Carreira.

Sargentos

O estatuto de associação sócio-profissional foi reclamado pela Associação Nacional de Sargentos, que promoveu no passado sábado o 3º Encontro Nacional da classe, na Feira Internacional de Lisboa.

 


O Sindicato de Polícia
e o lugar na História

por José Neto


 

Quem pôde assistir ou presenciar a manifestação dos polícias portugueses, na passada semana, em Lisboa, não deixou de ser marcado por forte impressão - ela constitui, goste-se ou não (e há muitos a quem desagrada) uma notável realização de trabalhadores "fardados" (ainda que "à civil") que fica a marcar a presente conjuntura política.

Pela sua amplitude (nacional e internacional), pelo seu conteúdo e objectivos, pela juventude e determinação dos seus participantes, não será exagero considerar que a manifestação dos polícias constitui, objectiva e subjectivamente, um significativo contributo e uma nova aquisição para a luta pelos direitos e liberdades democráticas em Portugal.

A luta pelo sindicalismo policial no nosso país atingiu um ponto de não retorno, por muito que isso desagrade, quer aos defensores puros e duros da "law and order" autoritária, quer mesmo àqueles que, afirmando-se, em palavras, pelos direitos cívicos, têm uma profunda desconfiança e até desprezo pelo seu livre exercício.

E essa realidade, do sindicato de polícia, acabará por impor-se, mais cedo que tarde, mesmo contra a corrente das orientações e práticas dominantes, no actual Executivo PS como nos anteriores do PSD, no sentido de tentar restringir e cercear o exercício dos direitos democráticos, duramente alcançados e defendidos, como é o caso do vergonhoso projecto da proibição do corte de estradas, da autoria do Ministro da Justiça (ou será do MAI?) do Governo PS.

É preciso não esquecer que a situação de partida, no que toca aos direitos de representação dos profissionais das Forças de Segurança, é a de quase total ausência, sobretudo na GNR mas, igualmente, em termos práticos, na PSP.

E é a consciência desta precaridade e a necessidade da sua superação que faz mover os agentes da polícia. Mas, esta movimentação reflecte, por outro lado, um mal-estar evidente no interior da PSP, e que não é possível escamotear, cujo origem está no arrastar de velhos problemas, na falta de medidas de fundo no que respeita à estrutura, às carreiras, às condições de trabalho. O poder político, nomeadamente o Ministério da Administração Interna e os seus sucessivos tutelares, não podem eximir-se às responsabilidades que têm por longos anos de políticas inadequadas, de promessas não cumpridas e de expectativas frustradas.

Não é de agora a posição favorável do PCP à liberdade sindical na Polícia. Já em 1982 o PCP tomou a iniciativa de propor legislação sobre "a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos que prestam serviço nas forças policiais", tendo apresentado em 1989 a única proposta não restritiva de direitos sindicais na PSP.

A defesa do sindicalismo policial pelo PCP funda-se, desde logo, numa questão de princípio - o reconhecimento de um direito que constitucionalmente assiste a todos os cidadãos, que não pode ser-lhes recusado ou proibido pela lei ordinária, mas quando muito restringido quanto ao seu exercício e apenas nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição (artº 18) - visando "... salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos". Ninguém de boa fé acredita que o sindicalismo policial ponha em causa valores como a unidade nacional, a dignidade da Instituição, a segurança dos cidadãos e muito menos a autoridade do Estado.

Por outro lado, o sindicalismo policial em forças de segurança que se querem mais modernas e civilistas, é um instrumento indispensável à defesa de direitos e interesses sócio-profissionais, que não põe em causa a responsabilidade dos órgãos de comando pelos seus subordinados, a disciplina e a operacionalidade das Forças, nem se restringe aos aspectos reivindicativos imediatos, antes sendo condição de estabilidade e coesão interna, para maior dignificação dos profissionais e da Instituição que servem.

Por fim, mas não menos importante, uma Polícia com direitos está mais próxima dos cidadãos e das suas preocupações, condição indispensável para a defesa dos seus interesses e para a prevenção da criminalidade.

É tempo de Portugal deixar de ser o único Estado da União Europeia a proibir o sindicalismo policial e, em matéria de direitos e liberdades, acompanhar todos os países da UE em que o sindicalismo na Polícia é prática normal e corrente.

O sr. ministro Alberto Costa afirmou há dias a uma revista: "Gostaria de ficar para a História como o ministro que permitiu a criação de um sindicato na PSP". Ou muito nos enganamos ou, se não se apressa, arrisca-se a ficar na História como o ministro que foi obrigado a fazê-lo.