EM FOCO



Social - a palavra mágica
ou o direito de não ser excluído


Social - é a palavra mágica . Uma afirmação que surgiu ao longo dos debates, no Encontro Nacional do PCP sobre Exlusão Social, Pobreza e Rendimento Mínimo, realizado sábado passado no Hotel Roma em Lisboa, e que de alguma forma sintetiza as questões em debate, ou o esboço de respostas possíveis para um dos problemas mais complexos e intrincados com que o país está confrontado, como é definido na própria apresentação do Encontro.

Esta iniciativa do PCP surge num momento particularmente oportuno, em véspera da entrada, no próximo dia 1 de Julho, da fase de aplicação generalizada da Lei nº 19-A/96 de 29 de Junho que, com o voto favorável do PCP, criou o rendimento mínimo garantido.

As intervenções e debates, desenvolveram-se em dois painéis - Exclusão Social, Pobreza e Rendimento Mínimo Garantido - e abarcaram situações, problemas e realidades diversas. Com um forte denominador comum - o problema da rejeição, pela sociedade, de pessoas que,entretanto, pelo simples facto de existirem, se tornam titulares de direitos que devem ser garantidos.

Imagens individualizadas da pobreza foram invocadas por Rosa Xisto. Exemplos vários. As mais imediatas, as dos sem-abrigo - a dormir em caixas de cartão ou sobre os respiradores do Metro . Ou a da idosa - decentemente vestida - que ao nosso lado, na pastelaria snack, enquanto nós almoçamos come pão com manteiga e um "galão". Imagens que traduzem realidades concretas do fenómeno complexo que é a pobreza, que não se circunscreve aos aspectos estritamente económicos. Pobreza é não ser autosuficiente. É não ter capacidade de decisão ou de escolha sobre a sua vida .

As situações de carência formam teias de problemas múltiplos, como - o baixo nível de rendimentos, o reduzido nível de formação de base, desemprego, precaridade de trabalho, dependência de baixos subsídios da Segurança Social (considerados mesmo como principal factor de empobrecimento), precaridade de habitação, idade, problemas de saúde. O clássico ciclo vicioso da insuficiência repetida de rendimentos, desemprego, precaridade, como foi salientado por Maria do Carmo Tavares.

Uma realidade que atinge particularmente idosos, desempregados, imigrantes, famílias alargadas e mulheres. Mas não só. Contrariamente à ideia de que é nos extremos que a pobreza se instala - a população entretanto coberta pelo Rendimento Mínimo Garantido oscila entre os 24 e os 64 anos, e mesmo, mais especificamente, entre os 18 e os 45 anos - em plena idade activa.

O que diz muito das raízes de um problema que se agrava, enquanto indicadores económicos referentes à média de rendimento per capita e à capacidade produtiva, não estão a baixar, pelo contrário.

Um quadro em que o problema da toxicodependência surge como um caso particular e um grave factor de exclusão social. Um fenómeno mal estudado na sua dimensão, como frisou António Filipe, mas que abrange já cerca de 1% da população da área metropolitana de Lisboa - ou seja, só nesta zona, 15 mil pessoas, assumindo nas prisões, uma expressão gravíssima - 60% da população prisional tem alguma ligação com a droga.

Toxicodependentes que, além do mais, são presa de um mercado sórdido de tratamento, que em múltiplos casos oscila entre a charlatinice e a expoliação.

A pobreza no feminino, a situação dos imigrantes, a necessária ligação entre situação social e democracia, a manipulação do consumidor, a pressão consumista, como factor de precarização através do consumo endividado - foram outras das múltiplas questões levantadas.

Como realidade de fundo - o problema do emprego. Abordado também como uma questão não linear, nesta nossa sociedade em transformação.

 

O Rendimento Mínimo
como um direito

O balanço crítico dos projectos pilotos experimentais da Lei sobre o rendimento mínimo garantido, coube a Fernando Marques, que a destacou como medida social de grande impacto e como um direito - e não uma medida de assistência social.

Uma medida que tem vocação para embrião de uma política de combate à pobreza nos diversos domínios e que se caracteriza por aspectos como - os objectivos de integração (em articulação com o direito ao trabalho) e a sua aplicação em parceria (não envolvendo apenas estruturas do poder central). Outro aspecto inovador é a criação das Comissões Locais de Acompanhamento - nova forma de participação das populações, que simultanemanete implica grande capacidade negocial.

A própria filosofia do rendimento mínimo envolve, entretanto, um sem número de problemas. Porque medida selectiva (e ténue é a fronteira entre quem lhe tem ou não acesso), poderá abrir contradições. O risco existe - é a tese defendida pelos neo-liberais - de poder vir a ser apresentada como substituto da Segurança Social. Os programas de inserção são muito escassos - e poderá ser discutível a inserção por via do trabalho - até á data, a colocação no mercado do trabalho limita-se a uns escassos 5% de casos. O risco da manutenção de concepções assistencialistas é muito real. A clivagem entre inseríveis e não inseríveis (grupos mais vulneráveis, como é nomeadamente o caso dos toxicodependentes) pode vir a colocar-se, e há teses no sentido de fazer um corte que levaria a situações de ainda maior exclusão.

Por último - ou antes, como a questão de fundo - como garantir empregos para esta família, se não há emprego para todos? Estará em causa criar um segundo mercado de emprego - um mercado social de emprego - sabendo-se que, no primeiro, o das empresas competitivas, os despedimentos levam a um aumento das cotações na Bolsa?

Questões múltiplas que em muito extravasam o debate em torno de uma lei específica. Ou mesmo dos graves problemas de pobreza e exclusão. É mesmo uma questão de civilização que está em causa.


Um momento de debate
Extractos da intervenção de Edgar Correia


"Um momento de debate sobre os problemas da exclusão social, da pobreza, do RMG, ao qual outros se irão certamente suceder - numa linha de continuidade de trabalho, de esforço de conhecimento e de intervenção" - esta a forma como Edgar Correia, da Comissão Política do PCP, abordou a realização do Encontro sobre Exclusão Social, Pobreza, Rendimento Mínimo Garantido, numa intervenção final de que aqui reproduzimos alguns extractos.

 

Forte subida
do nível de desemprego

Para fazer o retrato concreto da alteração da situação nos últimos anos, não resisto a citar-vos o que em relação às evoluções estruturais da população e do emprego vem referido no relatório de progresso sobre o RMG elaborado pelo centro de investigação e estudos da sociologia do ISCTE: «A análise da informação fornecida pelos Inquéritos ao Emprego realizados trimestralmente pelo INE e pelos Centros de Emprego evidencia uma forte subida do nível de desemprego, um aumento do peso do desemprego de longa duração e um crescimento das situações de emprego precário. As conclusões mais importantes dessa informação são as seguintes:

 

Um problema velho
um problema novo

De que estamos por isso a falar, quando falamos da pobreza e da exclusão social ? Falamos de um problema velho e de um problema novo.

Falamos de um problema velho porque salvo raras excepções, é um problema que tem acompanhado as sociedades humanas ao longo dos séculos, as sociedades divididas em classes e baseadas em processos de exploração do homem pelo homem.

Mas falamos de um problema novo porque este agravamento dos fenómenos da exclusão social e da pobreza tem lugar, actualmente, num quadro que é qualitativamente diferente do anterior. Um quadro em que está a ter lugar uma profundíssima revolução científica e tecnológica, que está a elevar a um grau nunca antes atingido a capacidade de satisfação das necessidades humanas e que vem incessantemente elevando, também, o próprio padrão dessas necessidades. Um quadro em que o crescimento da produtividade de trabalho tem tornado possível, em países muito desenvolvidos, que o crescimento económico esteja a ser assegurado por um número cada vez menor de trabalhadores activos.

Falamos ainda de um problema velho no sentido dele reproduzir as expressões da pobreza tradicional que atinge muitos idosos e deficientes, desempregados há longo tempo ou jovens à procura do primeiro emprego, de muitas famílias monoparentais, de sectores de assalariados e do campesinato que têm um nível muito baixo de rendimentos.

Mas falamos de um problema novo no sentido de que às vítimas da pobreza tradicional se vêm incessantemente somando novos sectores e novas vítimas: muitos jovens não inseridos profissionalmente; muitos trabalhadores activos precocemente considerados idosos e excluídos do trabalho; mais e mais atingidos pela negação dos direitos laborais e pelo alastramento, cada vez maior, da precarização do trabalho.

 

PCP propõe
aumento de 3 mil escudos
para pensionistas

Está perfeitamente determinado, inclusive por estudos oficiais, que o factor que é de longe mais condicionante dos fenómenos de pobreza do nosso país é o nível muito baixo de uma parte significativa das reformas e pensões da Segurança Social.

O valor das pensões, segundo os dados globais revelados pelo MSSS referidos a Dezembro de 1995 é significativo (...) cerca de 67% das pensões de velhice e 73% das pensões de invalidez eram inferiores a 30 contos por mês. E se quisermos saber quantos dos pensionistas dessas modalidades auferiam valores inferiores a 50 contos por mês, a resposta é também esclarecedora: 88% !

(...) É com este sentido e preocupações que o PCP sustenta a necessidade e reclama do Governo a concretização de um aumento intercalar de 3 mil escudos para todas as pensões inferiores ao salário mínimo nacional, a vigorar já no segundo semestre do presente ano.

 

Uma nota sobre
o rendimento mínimo

No próximo dia 1 de Julho entra em aplicação plena a Lei nº 19-a/96 de 29 de Junho, que criou o Rendimento Mínimo Garantido (RMG).

Através desta lei, que foi votada favoravelmente pelo PCP na Assembleia da República, foi instituído um novo direito social que integra duas componentes - uma prestação pecuniária do regime não contributivo da Segurança Social e um programa de inserção social - por forma a assegurar aos indivíduos e seus agregados familiares recursos que contribuam para a satisfação das suas necessidades mínimas e para o favorecimento de uma progressiva inserção social e profissional.

É um facto que o Governo tem pretendido apresentar o Rendimento Mínimo como uma autêntica panaceia social e a sua concretização como susceptível de compensar os pesados custos sociais das principais opções políticas, de inspiração neo-liberal e maastrichtiana, que tem vindo a realizar. Nós, evidentemente, não acompanhamos essas teses da propaganda oficial. E muito menos nos deixamos iludir pelas ideologias do Estado mínimo, caritativas e assistencialistas, cujos propósitos foram aqui evidenciados pelo Fernando Marques na sua intervenção.

Apesar dessa natureza e do alcance limitado do Rendimento Mínimo Garantido, o PCP valoriza este novo direito social e é activo defensor da sua correcta concretização. Direito que não é substitutivo, mas aditivo, em relação ao conjunto dos direitos sociais que a Constituição já consagra. E que importa que seja levado à prática como direito, contra quaisquer propósitos que pretendam transformar a sua atribuição em benesse ou em qualquer outro favor político, religioso ou pessoal.


Factos e números


- 2 milhões e 500 mil portugueses
- 29% dos agregados familiares - 1 em cada 3
- 29% das crianças. destas, 1 em cada 5 (20%) viviam em 1993 em agregados familiares pobres
- 53% dos idosos
- 35% da população activa com emprego precário ou clandestino