EM FOCO



InterMEDIAções

Uma classe jovem

por Fernando Correia


Nos últimos anos têm-se produzido alterações profundas na composição social do grupo profissional dos jornalistas portugueses, cujas incidências (em convergência com outros factores) nos conteúdos e nas formas da informação têm sido devidamente valorizadas.

Repare-se - e para citar apenas dois exemplos - que dos cerca de cinco mil jornalistas actualmente recenseados, cerca de três quartos entraram na profissão só na última década; e que apenas umas escassas dezenas daquele total exerceram a profissão antes do 25 de Abril e conheceram directamente o que foi a censura e a falta da liberdade de expressão (e das outras).

Num caso como o do jornalismo, em que o factor subjectivo (ou seja, a formação, a visão e a opinião próprias do cidadão-jomalista) acaba por ter sempre um peso significativo nas opções da prática profissional, estes elementos de natureza sociológica revestem-se de uma importância que, creio, não pode ser subvalorizada. Nomeadamente quando estão em causa temas políticos, económicos e sociais, num país ainda profundamente marcado, incluindo em muitos dos principais protagonistas da vida pública, pelos acontecimentos anteriores e imediatamente posteriores à Revolução de Abril.

Um recente diário aparecido (e desaparecido) nas bancas, o Manhã Popular, simboliza bem esta característica: em 1974, o director do matutino tinha dez anos, o director-adjunto doze anos, os editores da «sociedade» e dos «espectáculos» dez anos e a editora do «desporto» seis anos.

Não se trata aqui, naturalmente, de lamentar a juventude dos nossos jornalistas, mas, sim, de chamar a atenção para aspectos cuja consideração me parece indispensável, por um lado, para uma melhor compreensão dos mecanismos de produção da informação e, por outro lado, para a construção dos caminhos da sua necessária alteração.

Ainda duas notas. Primeira: deve dizer-se que esta questão - a juvenilização da classe e as suas consequências - só ganha sentido se inserida num contexto mais vasto, em ligação com outros factores como, por exemplo, a forma como a história recente de Portugal é abordada (com notáveis excepções) nas escolas; nos excessos, quer tecnicistas quer abstractizantes, do ensino do jornalismo, ou então na dissolução deste no ensino genérico da «comunicação» (misturando o jornalismo com a publicidade, o marketing e as relações públicas); nas pressões a que os jovens (em grande parte ligados à empresa apenas por um vínculo precário) estão sujeitos nas redacções - a pressão da cacha a todo o custo, a pressão do sensacional e do diferente, a pressão da conquista das audiências, etc..,

Segunda nota: a consideração destes factores não pode levar à desculpabilização daqueles profissionais - jovens ou menos jovens... - que activa e criativamente participam, não por pressão de constrangimentos externos mas por manifesto empenho pessoal, na fabricação de uma «informação», por exemplo, no campo do social, exclusivamente subordinada aos critérios do sensacionalismo e do espectacular, ou, no campo do político, ostensivamente tendenciosa, sectária e discriminatória. Ao serviço, naturalmente, de quem manda e paga.

 

O interesse público

Têm sido conhecidas, nos últimos tempos, diversas actuações contrárias às normas deontológicas dos jornalistas (por vezes protagonistas por alguns que o não são, mas fazem o mesmo papel). E, em certos casos, não sei se são mais dignos de preocupação os comportamentos em si mesmos, se a naturalidade e complacência com que são encarados.

Passou quase despercebido o facto de um novo semanário, mesmo ainda antes de ser posto à venda, ter sido processado. Bastou o número zero do Só visto e uma reportagem nele incluída para suscitar acusações de «incursão ilícita na vida privada» e de «ilícita e abusiva violação da vida privada».

Foram igualmente tímidas as referências críticas ao facto de a SIC, recorrendo ao estratagema da falsa identidade e de uma câmara oculta, ter obtido e transmitido uma entrevista com um médico desportivo alegadamente envolvido na venda de substâncias dopantes.

No que se refere a este caso, houve mesmo quem entendesse que a atitude merecia absolvição na medida em que estavam em causa «razões de incontestável interesse público» - única circunstância em que o Código Deontológico admite o não cumprimento de uma das suas determinações: a obrigatoriedade de o jornalista utilizar «meios leais» para obter; informações, nomeadamente, adoptando como regra a «identificação como jornalista».

A questão é antiga, e a ela teremos que voltar: quem define o «interesse público»? Numa sociedade como a nossa, em que

(nos media e noutras coisas) uns podem e mandam mais e outros podem e mandam menos, quem poderá beneficiar da indeterminação do conceito? Quais as consequências de, particularmente em certas matérias, se aceitarem precedentes? Hoje o doping no desporto - amanhã o quê? Segundo os interesses de quem?