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Camisa de onze varas


O Governo PS parece ter substituido novamente o decantado princípio do diálogo pelo recurso à ameaça nas suas relações com as oposições.
A ameaça é, já se vê, a de forçar eleições antecipadas, em que volta a insistir, depois de ter recuado em face do exemplo desencorajador da França.
Na passada quinta-feira, foi o ministro Vitorino que, sibilino no texto, mas marcial na postura (com que, se calhar, procura impressionar os militares que o contestam), atirou na Assembleia da República: «Que ninguém conte que em algum momento possamos ceder à lógica doentia de apego ao poder que nos leve a aplicar programas alheios».
No desenvolvimento, preveniu mesmo que as próximas votações da Assembleia serão «um teste para o Governo e para as oposições».
Isto é, se as oposições não se portarem bem apanham com o chanfalho das eleições antecipadas...

No sábado, foi o primeiro-ministro que, voltando ao tema da finanças locais, declarou: «Não podem obrigar o Governo a governar com um aumento da despesa pública em 50 milhões». E embora dizendo que confia «no bom senso dos diversos partidos», logo demonstrou que manda os partidos e a Assembleia às malvas ao anunciar que o Orçamento de Estado para 1998 vai ser feito como se a proposta do Governo sobre finanças locais já tivesse sido aprovada.
É uma afronta e uma provocação!

Em face destas atitudes governamentais ocorre perguntar: mas traduzem elas uma posição de força da parte do governo?
Não parece. O Governo está metido numa camisa de onze varas. O PS é minoritário na Assembleia da República e tem, além da lei das finanças locais, dezenas de diplomas para serem aprovados. Em relação a alguns quer mesmo obter a aprovação antes das férias parlamentares, a par da revisão da Constituição feita a mata-cavalos. Tem, também, em curso as reformas da segurança social e fiscal, mais que polémicas, que não pode fazer sozinho. Isto para já não falar do irrequietismo legislativos de alguns dos seus deputados a propósito da legalização do consumo da droga e das uniões de facto.

Até agora o Governo PS tem disfarçado o sua natureza minoritária pelos apoios que tem recebido ora do PSD ora do PP, ora destes dois partidos em conjunto, o que bem traduz o sentido essencial de direita da política que tem realizado.
Neste momento, depois de perderem a primeira votação sobre as finanças locais, os dirigentes do PS parecem recear que, em ano de eleições autárquicas, os dois partidos da direita não lhe sejam tão fieis.
O PP porque já é apelidado de « sopeiro do PS». O PSD porque atravessa uma profunda crise de identidade.
Ora, em vez de aproveitarem a situação, para reconsiderarem a política seguida, libertarem-se da dependência da direita e fazerem uma efectiva viragem à esquerda, os dirigentes do PS julgam que podem continuar a mesma política e da mesma maneira metendo medo com as eleições antecipadas.
Quanto é que a direita lhes estará a pedir pelo susto?

Carlos Brito