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ÁFRICA
Turbulência e Libertação


Para onde vai a África? Qual o significado profundo da turbulência social e política - com rebeliões de militares, revoltas populares, confrontos armados, - que hoje percorre quase todos os países da África central sub-sahariana?

Uma teoria muito em voga vê em tudo isto o longo braço dos EUA movimentando os seus peões contra uma França desacreditada e enfraquecida e uma União Europeia privada de uma efectiva política externa e de segurança comum. Se as forças dirigidas por Kabila puderam em poucos meses chegar a Kinhasa foi porque, apesar do esbracejar de gente como Emma Bonino, os EUA impediram uma oportuna e fulminante operação de "intervenção humanitária" no Zaire Oriental. E se agora no Congo-Brazaville, na Serra Leoa, na República Centro-Africana alastra a onda de contestação é uma boa medida porque os EUA, subitamente acordados para a importância económica e geoestratégica da África Central estão a pôr em prática a sua "nova política africana". Tudo se resumiria afinal a um mero jogo de xadrez com as grandes potências a desenvolver as suas jogadas por cima das grandes contradições socio-económicas e à margem da luta de classes.

Sim; os propósitos de hegemonia mundial dos EUA também se afirmam claramente em África. O périplo africano de W. Cristopher em Outubro de 1996 já tinha deitado por terra as elucubrações que afirmavam terem-se os EUA "desinteressado de África" e o anúncio recente da chamada "parceria afro-americana para o crescimento" confirma a ambição dominadora planetária dos EUA. Sim; a guerra económica entre as grandes potências é uma realidade que condiciona fortemente a luta libertadora dos povos, incitados a mudar simplesmente o opressor e não a abolir a opressão. É porém óbvio que as convulsões sociais e políticas que aí estão têm raízes bem mais profundas.

A grande vaga nacional libertadora dos anos 60 abalou profundamente os alicerces do imperialismo. Com o apoio solidário da URSS e outros países socialistas e a influência ideológica do marxismo-leninismo, houve muitos países que procuraram romper com o sistema dominante de relações capitalistas tentando vias inéditas de desenvolvimento progressista. Em finais dos anos 70 estava na ordem do dia das agendas da ONU, do Movimento dos Não Alinhados, da OUA, o "controle do poder das multinacionais", a instauração de "uma nova ordem económica internacional", a criação de uma "nova ordem de informação" e muitas outras medidas e orientações de carácter progressista. Não é hoje essa a situação por múltiplas razões, umas que conhecemos bem e outras que é necessário desvendar. O colonialismo deu lugar ao neocolonialismo. A independência política foi esvaziada de conteúdo nacional por uma base económica assente no domínio das transnacionais, enleada nos mecanismos da OCDE, do FMI e do Banco Mundial, sujeita à impiedosa imposição de programas de "ajustamento estrutural" e à sangria da dívida externa. Em numerosos casos o poder político, conquistado à custa de uma epopeia de lutas e heroismo populares, separou-se das massas, burocratizou-se, corrompeu-se, tornou-se correia de transmissão do centro imperialista.

A imensa tragédia que percorre praticamente todo o continente africano é filha desta dura realidade. Como o são, no essencial, as rebeliões de militares, os conflitos armados e as revoltas populares que fazem de grande parte do continente africano um dramático mosaico de situações de instabilidade e crise a que só profundas transformações económico-sociais no interesse das grandes massas poderão pôr termo. Quando e como, ninguém está em condições de o dizer. O que é certo e seguro é que as próprias massas populares acabarão por forjar, como o fizeram nos anos das revoluções anticoloniais, as forças que as conduzirão a uma segunda vaga de libertação com conteúdo não apenas "nacional", mas profundamente social. É certamente por isso que o imperialismo se prepara - com o activo concurso do governo português de Guterres e Gama - para estender à África os mecanismos agressivos da própria NATO. Lutar contra um tal desígnio é no momento actual uma importante forma de solidariedade para com os povos que em África procuram "levantar-se do chão".

Albano Nunes