INTERNACIONAL


Carlos Carvalhas em Roma


A convite do Partido da Refundação Comunista, de Itália, Carlos Carvalhas participou na passada sexta-feira numa iniciativa política integrada na festa nacional do jornal comunista «Liberazione», a decorrer em Roma até domingo.

Para além da intervenção no debate, de que publicamos excertos em separado, o Secretário-geral do PCP concedeu um entrevista ao «Liberazione» em que se pronuncia sobre a política seguida pelo Governo de António Guterres, as lutas de massas em desenvolvimento no país e as perspectivas que se abrem à acção das forças de esquerda e progressistas da Europa.

Após caracterizar a situação que se vive em Portugal, sublinhando que o pretenso "milagre português" não passa de uma «imagem virtual», já que a realidade é o aumento da precarização do emprego, os salários e as pensões sociais mais baixos da Europa, e as mais elevadas taxas de pobreza e analfabetismo, Carvalhas classificou a posição do PCP face ao Governo como de «oposição de esquerda». Oposição de esquerda porque «o Partido Socialista aplica a política do anterior governo de direita em muitos dos seus aspectos essenciais», mas não uma «oposição sistemática», como se comprova pelo facto de 34 das 57 propostas de lei do Governo terem sido aprovadas com o apoio dos comunistas.

Como se refere na entrevista, «o diálogo com o Governo é bom, o problema é de ordem política», sobretudo no respeitante à política neoliberal seguida para atingir os critérios de Maastricht, ou seja, «contenção dos custos salariais, redução dos salários reais, redução das prestações sociais, tentativa de reforma da previdência social, privatizações, comercialização da saúde e da educação», entre outros aspectos.

Quanto às possibilidades de desenvolver a iniciativa da esquerda a nível europeu, o Secretário-geral do PCP sublinhou a importância de coordenar as lutas que se desenvolvem em cada país em defesa das conquistas sociais, contras as orientações de Maastricht, por uma outra concepção da construção europeia.

 


Que política para uma esquerda
"antagonista" na Europa?

Excertos da intervenção do
Secretário-geral do PCP



(...) As forças de esquerda não podem deixar de protestar e lutar contra os défices democráticos na construção da União Europeia e contra as propostas e processos de revisão de Leis (eleitorais, greve, manifestação...) que representam limitação de direitos e empobrecimento da vida democrática que se verificam em muitos países.

Na União Europeia os burocratas de Bruxelas tomam medidas que dizem respeito ao quotidiano de todos os povos e que passam sem debate e sem um mínimo de controlo democrático.

(...) Veja-se o caso recente do Pacto de Estabilidade que representará para o futuro mais austeridade e mais desemprego e que, por exemplo em Portugal, passou de forma discreta, com apenas um debate na Assembleia da República e no meio de outras questões da Cimeira Europeia.

Exemplo claro de autoritarismo é a construção da UEM assente num futuro Banco central europeu feito à medida do Bundesbank, e que decidirá sem controlo e em que o peso da Alemanha será determinante.

(...) No plano da democracia económica o que vemos é a concentração da riqueza, o primado da convergência nominal (financeiro) e a protecção às actividades puramente financeiras e especulativas em desfavor das actividades produtivas. O princípio da "coesão económica e social" e a aproximação dos níveis de desenvolvimento não têm tradução concreta.

(...) A luta pela convergência real das economias, por uma verdadeira e efectiva cooperação, pelo aumento do Orçamento comunitário, pela taxação dos movimentos de capitais especulativos, pela defesa e valorização da produção dos países comunitários são algumas das direcções, mesmo que limitadas que podem ser objecto de convergência das forças de esquerda.

(...) A luta pelo emprego com direitos, pela redução do tempo de trabalho sem perda de direitos, pela melhoria da repartição do Rendimento nacional, das prestações sociais e das funções sociais do Estado (ensino, saúde, habitação social ...) e a luta pelos direitos, são objectivos que podem congregar a acção e a intervenção das forças de esquerda na União Europeia e em cada um dos respectivos países.

A Cimeira de Amesterdão não aprovou nenhuma medida concreta para combater o desemprego, mas o facto de ter introduzido um capítulo sobre o emprego facilita a abertura de mais um campo de intervenção e de luta para que o mesmo tenha conteúdo concreto.

(...) Qual o papel da luta de massas? Pela nossa parte continuamos a pensar que a luta de massas é fundamental, a nível nacional e internacional.

O protesto popular e as lutas na Europa já obrigaram a Cimeira de Amesterdão a debaterem a UEM, questão que sempre afirmaram estar fora de agenda, mesmo que formalmente, assim como as questões sociais. Elas têm sido fundamentais para travar a ofensiva e pôr em causa as políticas neoliberais e também para obter novas conquistas sociais.

(...) As questões de segurança são quase sempre apresentadas na sua dimensão militar e não na sua verdadeira dimensão: social, desenvolvimento, cooperação.

A NATO e as forças de Intervenção rápida são apresentadas como forças necessárias para assegurar a paz e para desenvolver acções humanitárias e não para perpetuar a ordem económica e social mundial, o capitalismo e a dominação.

(...) Vivem num mundo em que se verifica um importante desenvolvimento das forças produtivas, em que as conquistas da ciência e da técnica permitiriam melhorar significativamente a vida das populações. Mas o capitalismo e a sua variante neoliberal continua a condenar milhões e milhões de cidadãos à exclusão social e à miséria.