EM FOCO


O futuro das pescas nacionais

por Carlos Luís Figueira


Na continuidade de um persistente trabalho que ao longo dos anos o Partido vem desenvolvendo para conhecer e defender os interesses do importante sector pesqueiro nacional, realizou-se no domingo passado (13.07.97) em Peniche uma importante Reunião Nacional de Quadros na qual foi possível, através de um vivo debate, fazer um balanço à situação do sector incidindo particularmente a análise sobre o período da integração de Portugal na União Europeia.

Não sendo possível, no curto espaço destas linhas, referir toda a multiplicidade dos problemas abordados, fica o registo das questões mais importantes do momento e sobretudo os principais problemas que num futuro próximo se vão colocar a esta importante actividade económica.

A actividade pesqueira nacional caracteriza-se por ser exercida, no fundamental, na zona das 12 milhas (mar territorial) através do exercício de pesca efectuado por uma multiplicidade de embarcações de pequeno porte, capturando espécies de grande variedade e, se excluirmos a sardinha (o nosso mais volumoso recurso) pescarias na sua essência destinadas ao abastecimento em fresco do mercado. A sardinha destinando-se também ao abastecimento público, constitui a principal matéria-prima da indústria conserveira.

Esta realidade confere uma natureza específica às pescas nacionais, substancialmente diferente da exercida nos países do Norte da Europa. Natureza, especificidade, que tem de ser tida em conta na defesa de uma política de pescas para o País.

A importância do sector pesqueiro nacional não pode ser medido somente através do peso relativo que ocupa na formação do Produto Interno Bruto. Pelo número de trabalhadores que ainda hoje emprega (dificilmente reconvertíveis para outra actividade), pela interligação que mantém com outras actividades económicas (construção e reparação naval, indústria conserveira, entre outras), pelo papel que desempenha na nossa alimentação (Portugal encontra-se entre os países com maior capitação de consumo de peixe por habitantes, cerca de 60 Kg), pelo peso que ocupa na economia de numerosas populações do nosso extenso litoral continental e insular. Esta é outra realidade que não pode deixar de ser tida em conta na justa definição e defesa de uma política económica para o País.

 

A política comunitária de pescas

A integração de Portugal na UE tem profundas repercussões no sector pesqueiro porque longe de ter contribuído para a necessária renovação e readaptação da nossa já então envelhecida frota e de ter permitido aumentar as nossas oportunidades de pesca em mares exteriores aos da Comunidade, verificou-se exactamente o inverso.

Fruto de políticas que sucessivos governos concretizaram tendo como base a aplicação subserviente de políticas comunitárias, privilegiou-se os incentivos aos abates o que conduziu, num curto espaço de tempo, à perda da nossa capacidade produtiva e à redução dos postos de trabalho na pequena pesca exercida nas 12 milhas, medidas às quais se somaram a perda de oportunidades de pesca em águas exteriores designadamente na Zona do Atlântico Norte o que teve como consequências a drástica redução de embarcações e postos de trabalho no também importante sector da grande pesca industrial. Assim, num período de 10 anos, Portugal passou de país produtor para importador de produtos derivados da pesca.

A eliminação das margens de lucro fixas, determinadas pelas políticas ultra-liberais da Comunidade, tiveram como consequências aumentar o valor da transferência para o sector da intermediação na comercialização do pescado, da mais-valia criada na produção, provocando uma assinalável baixa de preços do pescado na primeira venda sem qualquer reflexo benéfico no consumidor ao mesmo tempo que diminuíram o rendimento de armadores e pescadores. A pesca deixou de ser um sector atractivo para a juventude, porque aos baixos salários e aos riscos da própria profissão se associavam deficientes condições de trabalho.

 

Os recursos

Sempre defendemos uma linha de defesa e preservação dos recursos pesqueiros, considerando que tal atitude só pode favorecer os interesses gerais do sector. Mas, à volta da preservação dos recursos muitas medidas impostas pela Comunidade se revelaram não só infrutíferas como hoje se reconhece em documentos dela dimanados que tais medidas não eram devida e cientificamente sustentadas.

Sempre também defendemos um maior esforço dos sucessivos governos para dotar com mais meios financeiros e técnicos a investigação e preservação dos recursos nacionais, visando o seu conhecimento e a sua pronta divulgação das possibilidades de pesca existentes. Como sempre defendemos uma mais estreita articulação entre a investigação e a produção, ganhando para a aplicação de justas medidas a própria comunidade piscatória.

Nem sempre assim tem sido. Hoje quando de novo se exorciza a questão dos recursos para impor novas e mais gravosas restrições ao exercício da pesca, mais se exige a sua devida fundamentação.

Mais, a disponibilidade para o exercício de vários períodos do chamado defeso, é uma questão hoje ganha e amplamente aceite pelos pescadores. No entanto, é necessário que simultaneamente tal disponibilidade seja acompanhada de medidas de protecção social para quem deixando de trabalhar tem de ver devidamente assegurada a sua sobrevivência.

 

O futuro das pescas nacionais

Os recentes conflitos ocorridos no sector pesqueiro que tiveram como palco a ocupação por algumas embarcações durante horas do Porto de Lisboa em protesto contra recentes Portarias publicadas por este Governo exprimem, como na altura o assinalámos, a profunda inquietação em que o sector em geral vive face ao presente e a insegurança que representa para muitos o futuro, as profundas contradições e conflitos criados pela especificidade do exercício da nossa pequena pesca no interior das 12 milhas e a tentativa, bem sucedida até ao momento, dos representantes da grande pesca industrial aproveitarem a maré para defenderem os seus exclusivos interesses, contra a pequena pesca, e pela mão deste Governo terem sido investidos como interlocutores privilegiados deste amplo, complexo e contraditório sector. De facto, este Governo conseguiu aquilo que nenhum outro tinha feito criando, na figura de França Morte, uma espécie de Casqueiro para as pescas.

Neste complexo quadro importa então, mais que nunca, fixarmo-nos no que é essencial. E as questões mais grossas prendem-se mais uma vez com a defesa da nossa soberania, das nossas especificidades nacionais, face ao que no horizonte se desenha em relação à política comunitária para as pescas.

Não cabe aqui uma análise mais circunstanciada sobre as razões e interesses em que se alicerça a política dimanada e imposta pela UE em matéria de pescas. Mas das medidas que estão em discussão para além de novas imposições para redução da frota e do montante de capturas, avulta a partir de 2002 (ou eventualmente ainda antes) o fim do período de derrogações das quais o nosso País tem beneficiado, o que significa, ou pode significar, a comunitarização de todos os recursos pesqueiros o que no nosso caso equivale a dizer a abertura das nossas 12 milhas (zona onde capturamos 80% dos nossos recursos) a frotas comunitárias sendo que passará ainda a caber a Bruxelas a distribuição das quotas de pesca a atribuir a cada segmento de frota em relação a cada país.

Na doutrina neoliberal em que assenta a política comunitária na qual a privatização, a competitividade, o mercado, têm constituído instrumentos de execução para varrer direitos e eliminar soberanias, já hoje, há mesmo quem defenda, a privatização dos recursos pesqueiros com o seu acesso a ser vendido em sistema de acções como se de uma instituição financeira se tratasse.

 

As linhas de defesa

Estas são de facto questões grossas porque nelas se joga grande parte da sobrevivência do sector pesqueiro nacional, como tal. Para enfrentar tal desafio, tendo como experiência que este Governo PS, segue no essencial as pisadas do anterior nestas como noutras questões, só um forte movimento que envolva pescadores e pequenos armadores, pode constituir uma forte e decisiva barreira para travar tais medidas. Só este movimento pode obstar a que os grandes interesses da pesca industrial se sobreponham aos interesses da pequena pesca pondo em causa um sector que é estratégico das pescas nacionais.

Este movimento não é contraditório, mas complementar, da justa luta dos pescadores por melhores salários, pelo justo pagamento do subsídio de Natal e por melhores condições de trabalho, por melhores direitos sociais.

Esse movimento não pode conduzir a que contradições e conflitos que emergem em muitos casos fruto das características e especificidades das pescas nacionais exercidas no interior das 12 milhas, muitos deles com expressões locais ou regionais, possa servir de elemento de divisão ou de enfraquecimento da luta mais geral e mais importante em torno da defesa da nossa soberania e neste caso, da defesa do mar territorial para o exclusivo exercício das pescas nacionais.