ACTUAL


Políticos. Jornalistas.
«O que faziam há 30 anos»


«Políticos. O que faziam há 30 anos»; «Retrato do Poder enquanto jovem»: eis o tema que a Revista Expresso, muito oportunamente, resolveu abordar. «No Maio de 68 usavam cabelo comprido, barba e patilhas a condizer e alguns não dispensavam as calças à boca-de-sino. Manifestavam-se contra o regime nas ruas e nas assembleias gerais de estudantes. Quase todos militavam no PCP ou em organizações que tinham o livrinho vermelho de Mao como bíblia. Hoje são ministros e secretários de Estado ou destacados dirigentes da oposição social-democrata»: assim resume o autor do trabalho o percurso de cerca de uma vintena de políticos - percurso que, diga-se desde já, ele acompanha com complacência, com simpatia e até com admiração. Enfim, gostos... e, possivelmente, também a consciência de que está a escrever sobre gente que hoje detém muito, muito, muito poder. Há que dizer que a vintena de políticos referida constitui uma ínfima parte dos que, tendo sido outrora fogosos revolucionários, estão hoje do outro lado da barricada, defendendo com a fogosidade passada o oposto do que então defendiam.

Três comentários se me afiguram pertinentes sobre a matéria. Em primeiro lugar: seria curioso e elucidativo assinalar em que momentos concretos se operou a transformação desses arrependidos, em que situação concreta eles trocaram os punhos fechados e os gritos de «morte ao capitalismo» pelas suas actuais funções de diligentes e prestimosos servidores do capitalismo. Estou em crer que se se procedesse a tal análise, se concluiria que, regra geral, essas metamorfoses ocorreram em momentos particularmente difíceis da sempre dificílima luta anti-capitalista e anti-imperialista; em momentos em que face à força e à dimensão das ofensivas do inimigo, tudo parece perdido; em momentos, enfim, que são decisivos para a aferição da força e da seriedade das convicções, dos princípios, dos valores, dos objectivos que sustentam a intervenção de cada um nessa luta.Em segundo lugar: seria curioso e igualmente elucidativo estabelecer um paralelo entre os valores que há trinta anos motivavam esses «revolucionárioss» e os valores que eles hoje praticam, bem como verificar a diferença entre as suas contas bancárias de então e as de agora.

Em terceiro lugar: seria curioso e sempre elucidativo dar continuidade a esta interessante experiência da Revista Expresso seguindo, por exemplo, o trilho dos jornalistas que hoje dão cartas na maior parte dos órgãos de comunicação social de grande audiência.

Sugiro um título: «Jornalistas. O que eram há trinta anos». E sugiro que comecem pelo próprio Expresso: onde estava, o que eram política e ideologicamente, há trinta anos, parte dos jornalistas hoje responsáveis pelo Expresso, a começar pelo seu director e, depois, por aí fora?... A propósito e como isto anda tudo ligado, há uma semana a rubrica «Altos e Baixos, de José António Lima, castigou Carlos Carvalhas com um «Baixo» pelo facto do PCP ter cometido o horrendo crime de votar contra o Projecto de Lei das Finanças Locais do Governo. Implacável, JAL condena deste jeito: «colado à direita contra os socialistas, o PCP não está numa posição eleitoralmente confortável em vésperas de autárquicas». Dois erros dois: ao contrário do que JAL desejaria, mostra a realidade de quem «não está numa posição eleitoralmente confortável em véspera de autárquicas» é o PS; embora JAL finja não ver o que é evidente, quem está colado e bem colado à direita é o PS. O PCP defende hoje, nesta e noutras matérias, o mesmo que defendeu aquando dos governos PSD e vota, agora como então, naquilo que defende; quem passou a ter opiniões diferentes - opostas mesmo - e, por isso, vota agora em sentido oposto ao que votou anteriormente são, nomeadamente, o PS e o PSD - partidos onde abundam os «revolucionários» de há trinta anos.

Que JAL promova o trocatintismo aos píncaros celestiais dos seus «Altos» e condene impiedosamente a coerência e a dignidade ao infernal fogo dos seus «Baixos», é uma questão que se compreende... à luz do conteúdo do tal percurso de trinta anos, naturalmente.

José Casanova