Ulster
O renascer da esperança
O Ulster vive desde domingo o renascer da
esperança no processo de paz, depois de o IRA ter anunciado «a
suspensão completa das operações militares» e o
«restabelecimento inequívoco» do cessar-fogo de Agosto de
1994. Aos partidos constitucionais cabe agora demonstrar, nas
negociações iniciadas esta semana, que o desejo de encontrar
uma solução para a Irlanda do Norte é mais forte do que as
disputas partidárias.
«Queremos uma paz permanente e para isso estamos prontos a
intensificar a procura de uma solução democrática através de
negociações reais», incluindo todos os partidos, afirma o
comunicado do IRA difundido no sábado e que interrompeu todos os
programas na televisão irlandesa.
Este cessar-fogo deverá permitir, após um período de seis
semanas, a participação do Sinn Fein, ala política do IRA, nas
conversações sobre o futuro do Ulster.
Braço armado do movimento nacionalista republicano, o IRA
bate-se desde há 28 anos pela retirada das tropas britânicas da
Irlanda do Norte e pela unificação da Irlanda. Herdeiro do
«antigo» IRA criado em 1919, cuja luta resultou em 1921 na
criação do «Estado livre irlandês» (a actual República da
Irlanda), o Exército Revolucionário Irlandês é comandado por
um «Conselho militar» de sete membros, de que dependem um
«Estado-maior», comandos por grandes zonas de actividade e
brigadas locais. Gozando de evidente apoio popular nos bairros
católicos de Belfast e Londonderry (Derry, segundo os
nacionalistas), o Ira conta igualmente com a simpatia da maioria
dos republicanos próximos do Sinn Fein, que nas últimas
eleições, em Maio, recebeu o apoio de 17 por cento do
eleitorado no Ulster.
Desde 1980 que o exército britânico (cerca de 17.500 efectivos
no Ulster) foi obrigado a reconhecer que «o IRA não pode ser
derrotado militarmente», tendo desde então as autoridades de
Londres procurado a via do diálogo para o fim do conflito. A
exigência de desarmamento do IRA como condição prévia à
participação do Sinn Fein nas negociações tem-se revelado o
principal obstáculo ao processo de paz.
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que tem evitado falar
na questão do desarmamento, declarou sábado que o
restabelecimento do cessar-fogo do IRA cria «uma nova atmosfera
de esperança para a paz e uma solução pacífica na Irlanda do
Norte».
Segundo Blair, o cessar-fogo vai ser acompanhado «com muita
atenção», dependendo a presença do Sinn Fein na mesa das
negociações sobre o futuro do Ulster, em Setembro, «da
autenticidade» desta trégua.
O cessar-fogo foi igualmente saudado pelo primeiro-ministro
irlandês, Bertie Ahern, que afirmou considerar esta trégua
«permanente».
«Espero que esta declaração do IRA seja bem acolhida e que se
traduza por verdadeiras negociações significativas sem
violência no futuro», disse Ahern.
A oposição unionista
A resolução dos problemas do
Ulster tem ainda que enfrentar a posição dos unionistas.
Os unionistas, na sua maioria hostis às propostas de paz feitas
por Londres e Dublin, e nada interessados na participação do
Sinn Fein nas negociações, continuam a esgrimir a questão do
desarmamento do IRA como forma de pressão, ameaçando mesmo
boicotar as conversações agendadas para Setembro.
Mo Mowlam, ministra britânica para a Irlanda do Norte, considera
que os unionistas se encontravam numa posição difícil, mas é
de opinião que ainda não estão «perdidos» para o processo de
paz.
David Trimble, líder do Partido Unionista do Ulster (UUP),
defende que um cessar-fogo do IRA deve ser «completo, universal
e permanente» e acompanhado do «desarmamento e do
desmantelamento das organizações terroristas».
Por seu turno, o Partido Unionista democrático (DUP, unionista
intransigente) diz rejeitar a «armadilha» montada, segundo ele,
pelos seus adversários republicanos para permitir ao Sinn Fein
participar nas negociações sobre o futuro do Ulster sem
resolver previamente a questão do desarmamento do IRA, e acusa o
Governo de Tony Blair de ter feito demasiadas concessões aos
republicanos.
Também o Partido Unionista do Reino Unido (UKUP, independente)
rejeita a importância do cessar-fogo: «isso não quer dizer
nada. Faz parte das táticas do IRA e do Sinn Fein para
participarem nas negociações sem terem que depor as armas»,
considera.
Mais moderado mostra-se o Partido Democrático do Ulster (UDP,
próximo dos paramilitares lealistas), para quem «o IRA deve
tomar medidas para reconstruir a confiança que se deteriorou
devido a acções contra a comunidade lealista».
Por seu lado, o Partido Unionista Progressista (PUP, próximo dos
militares lealistas) saudou as tréguas: «Se o IRA já apela a
um cessar-fogo isso só pode ser bom para este país».
É neste contexto que vão decorrer as conversações, ontem
iniciadas, entre os governos de Londres e Dublin e os
representantes dos partidos constitucionais do Ulster, de que
dependem as conversações multipartidárias de Setembro. A paz
tem ainda um longo percurso a percorrer.