Apocalipse - now?
Vem aí o fim do mundo? Após o "fim das ideologias" e
o "fim da História", será esse o nosso futuro
próximo?
Sim, concluíria quem ouvisse a intervenção do Prof. Ian Angel
da London School of Economics no Seminário Europeu para a
Imprensa, ou lesse o seu resumo no "Público" de
sábado passado. Senão, vejamos:
"O mundo está cheio de pessoas assustadas". "Os
ricos serão menos e cada vez mais ricos, os pobres serão mais e
cada vez mais pobres". "Dos 6 mil milhões de pessoas
que existem na Terra, 5 mil milhões não são empregáveis nesse
futuro". "Estamos a entrar numa nova Idade Negra, uma
época sem esperança, de ressentimentos: a Idade da Raiva".
Fosse o "Avante!" a dizer isto e bem nos chamariam de
catastrofistas...
Sintomático é que, nos últimos tempos, vozes alarmadas como
esta, estejam a romper na bruma gelatinosa em que "o
pensamento único" tem querido abafar o espírito crítico.
Afirmando "não querer ficar refém do pensamento
único", E. P. Coelho cita, nesse mesmo número do
"Público", o que ele chama "uma sólida revista
de Direita" ("Commentaire", fundada por Raymond
Barre) - e lá surge também o libelo: "O neoliberalismo
está a destruir a prosperidade ou os meios de existência de
centenas de milhares de pessoas. Tornou-se uma máquina de
empobrecimento de vastos grupos sociais e de destruição do
emprego", "em benefício apenas de uma exígua classe
de gentores e de uma mais ampla classe de accionistas".
Angústias crescentes
também surgem quanto à evolução da chamada construção
europeia: "Em Setembro é que vai começar a valer a luta
pelo valor das moedas" (D. Notícias, 21/7). "Até
quando a economia alemã poderá suportar a valorização da sua
moeda?" (Púb., 21/7).
Alguns, não negando as desastrosas consequências da
"mundialização" neocapitalista, procuram ainda
contrapor um "modelo" europeu, "social", ao
modelo anglo-saxónico tipo "Reagen/Tatcher"
(furiosamente defendido por outros como saída para a crise).
"Há quem diga - com óbvia injustiça - que o modelo
anglo-saxónico resolve o problema do desemprego metendo as
pessoas na prisão, o que não sendo verdade, nos deve contudo
fazer meditar" - diz J. Ferreira do Amaral no D. Económico
de sábado último, para concluir: "Devemos rejeitar o
simplismo bacoco de meia dúzia de teóricos iluminados que
vendem o modelo anglo-saxónico como se as suas supostas
vantagens fossem verdades irrefutáveis."
A coincidência desta avalanche de posições (vindas à luz na
última semana) é talvez sinal de que sopros de lucidez começam
a revelar como vai nu o bacoquismo simplista dos tais
"teóricos iluministas" que têm vindo a debitar até
à exaustão as cassetes do neoliberalismo, usadas como música
de fundo da grande ofensiva capitalista dos últimos anos.
"Talvez o mundo se encaminhe inoxeravelmente para um desses
momentos trágicos que levam os historiadores a perguntar por
quê nada foi feito quando ainda era tempo" - concluía a
"sólida revista de Direita" citada por EPCoelho.
Mas serenem um pouco,
senhores da direita "sólida", ou da política de
direita com fachada de esquerda (como a do "centrismo
radical" à Tony Blair também neste fim de semana evocado
na revista D.N.).
Há ainda gente (de esquerda) que, a sério tudo fará para não
caminharmos às cegas para o fim do mundo, para o apocalipse. Mas
registemos desde já como, em poucos anos, as promessas do
neoliberalismo, da globalização, do fim da História, se
revelaram, elas sim, como um logro em que o mundo foi lançado,
para depreciação do homem e dos seus direitos em benefício dos
balancetes do grande capital, sem nada de válido, útil,
benéfico, positivo, ter dado ao mundo.
A isso poderia aplicar-se, aqui com toda a propriedade, a
designação de "monumental embuste" de que o Dr.
Mário Soares registou copy right.
Aurélio Santos