TELEVISÃO


Com a verdade me enganas…


Por Francisco Costa


 

Foi há precisamente oito dias, no «Telejornal» da RTP 1. Imediatamente antes deste começar - num arremedo do que poderia chamar-se uma espécie de «pré-genérico» - a manchete que José Rodrigues dos Santos escolheu como «aperitivo» habitualmente chamado a primeiro plano, num «aguçar de apetite» para o serviço noticioso daquela noite, foi a da colhida de um toureiro na Praça de Touros do Campo Pequeno (Lisboa), acompanhada de um texto que dizia: «As imagens da colhida no Telejornal, que começa às 20 em ponto!».


De acordo com o que costuma ensinar-nos uma célebre regra do jornalismo - e fazendo um paralelo com este caso relatado - notícia nunca seria aquela que Rodrigues dos Santos foi buscar para antecipar o Telejornal, mas sim uma outra, hipotética, que poderia rezar qualquer coisa como isto: «Toureiro colhe novilho na Praça de Touros do Campo Pequeno!». Aliás, vai-se a ver, e a duração da tal «notícia» em concreto pouco excedeu os 30 segundos - aproximadamente o mesmo que durara o pré-genérico! Mais: em 24 (vinte e quatro) notícias, esta foi dada em 16º. lugar, embora tenha sido a despropósito antecedida por mais duas inserções reincidentes das mesmas imagens - naquelas interrupções, agora em moda, com que se anunciam tais ou tais sensações…«já a seguir, no Telejornal!».

Donde se conclui que:

- aquele pré-genérico pretendia prender o espectador ao ecrã na perspectiva (nesse sentido frustrada!) de lhe poder mostrar… sangue;
- pelos constantes exemplos diários, o «Telejornal» da RTP1 continua a pautar-se, nos seus alinhamentos, na artificial excitação da leitura das manchetes e nas inserções sincopadas que as acompanham, por inaceitáveis critérios de sensacionalismo;
- nada disto corresponde à tal «televisão de referência» que os responsáveis governamentais e televisivos nos anunciaram, já vai quase para dois anos, e que continua à espera de nascer.


Uma televisão «nas tábuas»

Continuando a utilizar uma linguagem tauromáquica, tem sido esta, aliás, a «crença natural» para a qual a RTP continua remetida, julgando que, com isso, poderá vir a ser aplaudida no «meio da praça» ou eventualmente dar-lhe a volta «em ombros», recebendo de presente a recolha de «orelhas e rabo». Nada de mais errado! Não é com «tarrascadas» destas que se reconquistam espectadores.
Como não é continuando desajeitadamente a tentar imitar a SIC que a eterna crise de projecto da RTP se resolve. Uma crise que se manifesta, por exemplo, mesmo em termos de imaginação, nessa nova série, pela enésima vez repetida, de um concurso como «1, 2, 3». Como se não houvesse mais nada para inventar de novo!
Aliás, a imagem da crise e do esgotamento ainda mais se reflecte no desgosto com que o espectador surpreende o seu autor Carlos Cruz - profissional sempre capaz de demonstrar (quando quer) talento de sobra para esmagar a concorrência - à frente de um produto inenarrável como é aquele outro que dá pelo nome de «TV Verdade», recentemente estreado. Na esteira, aliás, de um semelhante, mas alcunhado de «Imagens Reais» - este transmitido por Carnaxide com apresentação do cada vez mais decadente Artur Albarran.
A concepção destes dois programas é de tal forma idêntica que torna evidente as tentaculares estratégias multinacionais, hoje em vigor neste domínio e que, sob o ponto de vista ideológico, não podem deixar de ser consideradas como eminentemente totalitárias, consistindo em inventar e fazer proliferar «formatos» televisivos do mesmo tipo, sobretudo dirigidos aos modelos de programação das televisões privadas, nivelando-as culturalmente por baixo, exclusivamente com o fito de prender as audiências a «curiosidades» ou pretensos factos «noticiosos» do domínio do insólito, do anormal, do abjecto - e que, fundamentalmente, constituam elementos de distracção face aos problemas reais do quotidiano e à crise geral e omnipresente das sociedades, geradas pelas globalizantes teorias e práticas neo-liberais.


A vigarice vem sempre à tona

Constituídos por uma série de curtos vídeos, «profissionais» ou amadores, mas em qualquer dos casos de paupérrima qualidade, estes ditos programas não ultrapassam a qualidade miserável dos piores exemplos dos espectáculos de «apanhados» ou de «vídeos caseiros». Nada de inventivo e exigente existe na produção e realização destes programas. O único gesto criativo é «desenlatar» meia dúzia de vídeos para cada programa, arranjar-lhes um genérico mais ou menos gongórico e pleonástico, escrevinhar um texto de circunstância e pôr à frente das câmaras, como chamariz, esta ou aquela cara mais conhecida.
No caso, esses rostos pertencem a um Carlos Cruz com indisfarçável ar de frete e a um Artur Albarran com reconhecível ar alvar. Rostos que, a exemplo de outros, vão rodando de canal em canal, de programa em programa, de cargo em cargo - sempre a mesma dúzia e tanto de «gente» e de «caras», pelos vistos a tudo dispostas. De facto, não há dúvida que as TVs são para os amigos!
Mas um alerta final gostaria de deixar ao leitor-espectador: que pensar das mensagens que nos são sub-liminarmente insinuadas pelos dois apresentadores ao jurarem que se trata de «históricas fantásticas, absolutamente verídicas» ou que «não há reconstituições para a TV» ou que «a realidade ultrapassa a ficção» ou que «sem guiões e sem actores, esta á a TV Verdade»? E porque será que ambos insistem tanto em nos dizer que as imagens mostradas são de «pessoas normais, como os nossos espectadores» ou que estas coisas «acontecem em qualquer parte do mundo, com homens e mulheres iguaizinhos a nós»?

Em boa verdade vos digo: assim se continua a vender gato por lebre…