INTERNACIONAL


Médio Oriente

Nem paz, nem segurança



O sangrento atentado de 30 de Julho num mercado de Jerusalém Ocidental, que vitimou 15 pessoas e provocou mais de centena e meia de feridos, voltou a fazer subir a tensão no Médio Oriente. Os extremistas palestinianos e israelitas têm motivos para estarem satisfeitos: o moribundo processo de paz arrisca-se a ser enterrado definitivamente.

A reacção das autoridades israelitas ao atentado reivindicado pelo Hamas foi a que seria de se esperar: responsabilização da Autoridade palestiniana pelo atentado terrorista, bloqueio total aos territórios ocupados e às oito cidades autónomas, dezenas de prisões, silenciamento das emissões radiofónicas da «Voz da Palestina», suspensão das transferências de fundos (na ordem de vários milhões de dólares) devidos às regiões autónomas. Decisões cujas consequências se vão reflectir sobre toda a população palestiniana, cujo nível de vida baixou cerca de 30 por cento devido aos diferentes bloqueios impostos por Israel, alimentando inevitavelmente o descontentamento e as forças extremistas. Como afirmou a propósito o presidente Yasser Arafat, «esta série de acções israelitas é perigosa porque susceptível de pôr um ponto final no processo de paz. Elas equivalem a uma declaração de guerra contra os Palestinianos».

Liquidar o fragilizado processo de paz é justamente o objectivo do Hamas, como reconheceu Nizar Ramadan, um dirigente do movimento, em entrevista publicada no «Libération» de 31 de Julho: «A destruição completa do processo de paz continua a ser o nosso objectivo máximo», declarou. É isso que explica de resto o atentado suicida de Jerusalém, levado a cabo logo que foi conhecida a decisão do Governo israelita de suspender temporariamente a construção de 70 apartamentos para judeus em Ras el-Amud, junto ao Monte das Oliveiras, e quando se anunciava a chegada a Telavive do coordenador americano para o Médio Oriente, Dennis Ross.

Entrevistado pela CNN, o negociador palestiniano Saëb Erakat afirmava há dias: «Devemos reflectir nas razões da continuação da violência. Num mês, ocorreram numerosos factos que criaram na população o sentimento de que o processo de paz tinha morrido. É preciso agir de forma a que os extremistas dos dois lados não sejam os vencedores.» Tanto mais que, como fez notar, «havia sinais de que o processo podia renascer. Nabil Chaat e o ministro dos Negócios Estrangeiros, David Lévy, tinham chegado a acordo para reanimar o processo de paz».

Com efeito, após uma visita a Amã, David Lévy anunciava a 28 de Julho o recomeço das negociações israelo-palestinianas ao nível das comissões bilaterais e apelava à Síria para a abertura de conversações de paz. Ora, quase ao mesmo tempo, Benjamin Netanyahu pedia no Parlamento (Knesset) um reforço orçamental de 16 milhões de dólares para a continuação da colonização no conjunto dos territórios ocupados.


Uma política perigosa

Vale a pena lembrar, por outro lado, que foram os atentados do Hamas, em Março de 1996, que permitiram à direita israelita ganhar as eleições legislativas antecipadas de Maio desse ano, com a promessa de «paz em segurança». Chegado ao Poder, Netanyahu não só bloqueou o processo de paz - chegou mesmo a exigir uma renegociação global dos acordos de Oslo -, como relançou a expansão dos colonatos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém, o que equivale na prática à rejeição de um Estado palestiniano.

Ao responsabilizar a Autoridade Palestiniana pelo atentado de 30 de Julho, acusando-a de nada fazer para impedir os atentados anti-israelistas, o Governo de Telavive não se limita a ignorar, como fazia notar sexta-feira o «Financial Times», que a maioria dos comandos suicicidas responsáveis por atentados anteriores provinha de áreas sob controlo israelita, como volta a usar estes actos de violência, sem dúvida condenáveis, como pretexto para novas vagas de repressão da população palestiniana, numa punição colectiva que só pode servir para acirrar ainda mais os ânimos.

Uma política perigosa, como afirmou em declarações a «L'Humanité» a deputada Tamar Gojanski, membro do bureau político do Partido Comunista de Israel e da Frente para a Paz e Igualdade do Parlamento de Jerusalém.

Analisando o contexto político geral em que se insere o atentado de dia 30, Tamar Gojanski refere o facto de o primeiro ano de governo de Netanyahu ser marcado por uma política de constantes ataques a Arafat e de aceleração da colonização, o que fez os palestinianos perder a esperança de alcançarem a paz.

«Ao longo desse ano - afirma a deputada comunista - a situação no interior dos territórios palestinianos agravou-se terrivelmente. A capacidade de decisão de Yasser Arafat assenta no pressuposto de que o processo de autonomia, resultado dos acordos de Oslo, prossiga e se desenvolva. Quando este fica bloqueado, a sua autoridade fica muito limitada. E como isto dura há muito tempo, creio que alguns palestinianos - e sem dúvida são muitos - consideram que esta forma de autonomia não é diferente de estar sob a autoridade do governo israelita».

Da desilusão à revolta é um caminho muito curto. Pelo que não é nada de excluir, afirma Tamar Gojanski, que «certas organizações da oposição palestiniana tentem utilizar esta oportunidade para enfraquecer ainda mais Arafat».

O combate ao terrorismo que ameaça tanto israelitas como palestinianos não passa certamente pelo aprofundar das divergências que opõem as duas partes, mas antes pela cooperação e a luta conjunta contra os que se opõem à paz. A persistir na sua política de «recorrer à força em vez da razão, aos diktats em vez da cooperação e do diálogo», Netanyahu joga um jogo muito perigoso. Como diz Tamar Gojanski, «não há outra solução, e infelizmente esta nova efusão de sangue prova-o, que não seja um diálogo sério, que leve a uma paz baseada na existência de dois Estados para dois povos e a uma solução justa para Jerusalém. Até Netanyahu tem de o reconhecer.»

Dennis Ross deve chegar esta semana ao Médio Oriente para tentar relançar o processo de paz. Resta esperar que não seja demasiado tarde.