EM FOCO


Os estranhos números
do desemprego

por Lino de Carvalho



Em torno da taxa de desemprego o Governo do Partido Socialista e o Primeiro-Ministro António Guterres têm lançado uma campanha de propaganda e uma barragem de desinformação tentando fazer crer - parafraseando um conhecido slogan publicitário de uma companhia de seguros - que, com o PS o desemprego em Portugal tem vindo a descer.

É preciso dizer que os comunistas partilham desse desejo e são os primeiros a lutar para que, no quadro de outras políticas económicas e sociais, o desemprego e com ele o exército de reserva do capital diminua drasticamente. Infelizmente, não é isso que acontece, por maiores que sejam as operações de engenharia estatística.

A análise dos dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que, entre os segundos trimestres de 1996 e 1997, a população empregada na agricultura cresceu em 60.300 efectivos, isto é, mais quase 12%.

Este crescimento do emprego na agricultura - contribuindo para a redução aparente da taxa de desemprego completamente artificial e contraditório com outros dados estatísticos e com afirmações do Governo: contraditório com outros dados estatísticos que apontam para uma redução continuada da população activa agrícola que se cifrará em 11,2%; contraditório com afirmações do Governo que tem sempre apresentado a diminuição da população empregue na agricultura como um sintoma do desenvolvimento e da modernização do sector.

Trata-se não de emprego mas de desemprego escondido na agricultura onde muitos desempregados de longa duração se refugiam e se inscrevem para efeitos de acesso a alguns apoios; trata-se de uma tendência contracíclica do desemprego (na Europa) que - conforme afirma o próprio Departamento de Prospectiva e Planeamento da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional «não pode escamotear situações específicas de subemprego que estão patentes no crescimento do emprego na agricultura»; trata-se - de acordo com o relatório de 1996 do Banco de Portugal «do peso crescente de reformados e pensionistas que, em regime de horário incompleto, se dedicam à agricultura». Claras expressões de pobreza, dizemos nós.

E de tal modo esta operação de engenharia estatística é artificial que é o próprio Departamento de Planeamento da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional que se sente na obrigação de alertar para o facto de, «caso o emprego na agricultura tivesse estabilizado face ao ano anterior, como contrapartida de um crescimento do desemprego, a taxa de desemprego teria sido de 8,1 % e não de 7,3% como se verificou».

1. O outro sector de actividade onde a população empregada «cresce» significativamente é o da construção. Mas o «crescimento» aqui é, claramente, um «crescimento» conjuntural estreitamente ligado às grandes obras públicas em curso, com relevo para a EXPO98, a Ponte Vasco da Gama, o Metropolitano, as auto-estradas.

Se se tiver em conta que o aumento estatístico do emprego na indústria e nos serviços se cifrou, entre os 2º trimestres de 96 e 97, somente em 1,6% e 0,3% é fácil perceber que as limitadas reduções conjunturais e as operações de engenharia estatística não podem escamotear que os sectores que deveriam originar um crescimento sustentado do emprego são os que registam resultados inferiores ou próximos do aumento global da população activa o que significa, no futuro, a manutenção agravada do desemprego estrutural.

Mas se fizermos uma leitura mais detalhada dos quadros do Instituto Nacional de Estatística, é fácil constatar que o «aumento» mais significativo do universo da população empregada é nos «isolados», isto é, recibos verdes, falsos trabalhadores independentes, agricultores, o que nos atira de novo para o carácter artificial do propagandeado crescimento do emprego.

2. É depois disto tudo que o Governo vem gritar vitória porque o desemprego, medido pelo INE, teria descido de 331 000 no 2º trimestre de I996 para 299-900 no trimestre homólogo de 1997.

Sabe-se como este indicador é medido, o que só por si descredibiliza estes dados que em nada traduzem a realidade social. Não é por se trabalhar 1 hora na semana anterior do inquérito que se pode considerar que alguém está empregado. Mas mais do que isso. Se juntarmos ao conceito restritíssimo de desempregados os inactivos que procuraram emprego há mais de 4 semanas e estão disponíveis para trabalhar; os inactivos que pretendem trabalhar mas nunca procuraram e estão disponíveis; os desencorajados (que estando desempregados há muito tempo nem sequer já procuram trabalho): as pessoas a trabalhar menos de 15 horas por semana e o subemprego visível, então, mesmo pelo INE, os indicadores do chamado «mercado de trabalho» dão não uma taxa de desemprego de 6,5% mas de 11,4%.

3. Claro que, mesmo em termos estatísticos, é sabido que os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional - que, apesar de tudo se aproximam mais da realidade - expressam não um desemprego de 299,9 milhares mas um desemprego de 451,7 milhares, mesmo tendo em conta a limpeza dos ficheiros dos Centros de Emprego e os critérios que o Governo está a aplicar (por exemplo não consideração dos formandos e dos inscritos nos Programas ocupacionais) para, a todo o custo, fazer baixar os números e aproximá-los dos artificialíssimos dados do Instituto Nacional de Estatística.

Curioso é o facto de o mesmo Eng. António Guterres e o mesmo PS, que na oposição criticavam e desconsideravam os dados do INE por não corresponderem à realidade, os utilizem e brandam agora para sustentar as suas operações de manipulação dos dados do desemprego. Também aqui o PS do Governo se esqueceu do que dizia o PS da oposição.

Como se esqueceu de que «Portugal é um dos 5 países da União onde o problema do desemprego de longa duração é mais expressivo (50,9% do desemprego): de que descem os contratos permanentes e crescem os contratos de trabalho não permanente lançando cada vez mais milhares de trabalhadores em situação de instabilidade e insegurança; de que cerca de metade dos desempregados não tem acesso a nenhum sistema de protecção social.

É tudo isto que faz de Portugal «o país da União com maior incidência de pobreza».

E é tudo isto que o PS e o seu Governo, com as suas políticas económicas e sociais, não estão a resolver. Infelizmente.