EM FOCO


A fraternidade e a esperança
no Festival Mundial da Juventude

por Miguel Urbano Rodrigues



Asfixiado pelo mais longo e cruel bloqueio da história, o povo de Cuba promoveu para os jovens de todo o mundo um Festival da Juventude mais belo e fraterno do que tudo o que no género se vira

Num planeta esmagado pela ditadura do mercado e do pensamento único, onde o jogo do dinheiro rege hoje a vida, o XIV Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes ecoou como brado de esperança. Para a maioria dos 11 000 jovens, vindos de 136 países, foi também, pela atmosfera, uma cadeia de surpresas.

Acompanhei em Havana essa comovente festa que durante uma semana mudou a vida na Ilha revolucionária.
Não é fácil esboçar o ambiente que a envolveu porque em Cuba tudo é diferente, como os visitantes comprovaram.

As delegações não foram para acampamentos, nem instalações especiais criadas para o efeito. Ficaram hospedadas em casas de famílias cubanas. Uma subscrição nacional cobriu os gastos,
modestos, do Festival.

A diversidade dos idiomas e culturas não impediu a calorosa convergência dos sentimentos. Ela manifestou-se torrencialmente. Os forasteiros, chegados dos quatro cantos do planeta, foram, desde o desembarque, tocados pela fraternidade quase mágica da terra de Martí e Fidel. Entrou por eles a percepção do óbvio: sentiram logo que a sociedade cubana, tão caluniada, é infinitamente mais democrática, aberta e humanizada do que as dos países donde provinham.

O povo cubano não tentou disfarçar nem as carências materiais nem as mazelas sociais que hoje o afligem em consequência de situações criadas pelo cerco imperial.

Foi muito bela a inauguração do Festival, com Fidel a contemplar da escadaria da universidade de Ia Havana - cenário de batalhas históricas - as delegações que chegavam do vasto mundo.

O poeta Miguel Barnet sintetizou o espírito do desfile de abertura numa frase breve: «Este acto é a prova de que somos a espiritualidade do mundo!»

Aquele desfile foi apenas o prólogo de um tempo encantatório em que a solidariedade, a fome de amor e de paz fizeram de Cuba a capital e o pólo de um mundo sonhado.

Na babel do desfile consegui descobrir a delegação portuguesa, abraçar alguns amigos e tornar-me parte dela, apesar de me encontrar no inverno da vida. A juventude é também uni estado de espírito. Era impossível não me sentir jovem ao escutar a voz de Sílvio Rodriguez a cantar Victor Jara, o bardo mártir do Chile da Unidade Popular.

Nos versos de grandes poetas da América cantou-se a esperança e o amor. Milhares de jovens, rejeitando o projecto medonho e egoísta que está a destruir o melhor da humanidade, que aniquila as culturas e empobrece e humilha o homem, fizeram emergir o outro lado da vida, o que lhe confere sentido. Pela terra verde e vermelha de Cuba - corno recordou Juventud Rebelde - correu «o poder dos sonhos, a força da paixão em contracorrente, o espírito em voo dos homens que empunham archotes luminosos num cenário de trevas»...

Durante dias falou-se também com muita seriedade dos grandes problemas do planeta, da paz, da democracia, dos direitos humanos e do progresso social, do desemprego, da lepra neoliberal. Em cada debate, em cada espectáculo, em cada exposição, em cada conferência encontrei gente que fez história, homens e mulheres que contribuíram e contribuem para mudar o rumo do mundo na América, na África, na Ásia. Foi uma alegria abraçar o angolano Paulo Jorge e o porto-riquenho Rafael Cancel, saudar a chilena

Gladys Marin, escutar o rompe-bloqueio norte-americano rev. Lucius Walker, confraternizar com velhos amigos cubanos que se bateram em Moncada, na Sierra, em Playa Giron, em Angola.

O Che foi, naturalmente, neste Festival irrepetível, uma presença constante e uma referência. Forasteiros e cubanos falavam dele como se estivesse vivo. A emoção era intensa porque as suas ossadas acabam de regressar a Cuba. Vindas do coração da América Andina.

Participei no acto de lançamento do número especial que a Revista Tricontinental dedicou ao 30º aniversário de sua queda em combate pela humanização da vida.

O comandante Manuel Piñeiro, o barba roja da Sierra Maestra, recordou numa entrevista o que todos sentiam: «a demonstração de que os ideais, o pensamento, a acção e o exemplo do Che não fracassaram e que transcendem, projectando-se no futuro, é uma realidade; a cada novo dia há um interesse consciente e ampliado em Cuba e no mundo pelo estudo e interpretação da sua obra, recuperando a essência das suas obras e levando em conta as diferenças entre o seu momento histórico e este.»

O imperialismo tentou fazer do Che mercadoria. Não o conseguiu nem nos EUA. De todas as delegações vindas, a mais numerosa no Festival foi, aliás, a norte-americana. Mais de 750 jovens, desafiando proibições e ameaças (muitos vão pagar um preço alto), desceram à cálida arena cubana, trazendo a sua solidariedade à Revolução socialista das Américas. Também eles bradavam nas ruas: «Alerta, alerta que camina la imagen del Che por América Latina.»

Era simbólico mas significante esse alerta. Os milhares de jovens do Festival demonstraram ter consciência de uma verdade transparente: defender Cuba hoje é defender a humanidade.