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Passo em campo minado


Bem gostaria eu, combatente de muitos anos da causa da regionalização, de iniciar esta nota regozijando-me, sem reservas, com a aprovação pela comissão competente da Assembleia da República do mapa das futuras regiões administrativas do continente.

Deu-se incontestavelmente um passo que é fruto do batalhar do PCP e do apoio dos municípios à reforma regionalizadora e que tem o mérito de respeitar o sentido em que se pronunciaram as Assembleias Municipais.

É, porém, com toda a evidência, um passo num campo carregado de minas. Todo o cuidado é pouco em relação aos seus desenvolvimentos futuros.

A verdade, que a aprovação deste mapa das regiões põe em evidência, é que, com base nos votos PS e PCP na Assembleia e com o pronunciamento maciçamente favorável das Assembleias Municipais, a regionalização já podia estar feita. Não está porque o PS não quis.


O PS que votou com o PCP o mapa agora aprovado é o mesmo que cozinhou com o PSD e o PP as alterações à Constituição que obrigam que a lei de criação das regiões administrativas seja aprovada por maioria absoluta e submetida a dois referendos.

Assim, a lei de delimitação das regiões só subirá a plenário em 1 de Outubro, depois de entrar em vigor a revisão da Constituição. Até lá têm que ser resolvidos os problemas dos municípios de fronteira que se manifestaram no sentido de ficarem em regiões diferentes das inicialmente propostas.

A seguir, haverá que fazer e aprovar a lei sobre os referendos, não se sabe com que maioria. Depois será realização dos tais referendos que foram pensados não para facilitar a concretização da regionalização, mas para a dificultar ou até a tornar impossível.


Tal é o emaranhado de minas e obstáculos que resultou das cedências do PS ao PSD, alegadamente para a ganhar o consenso de Marcelo para a causa regionalizadora, uma missão impossível depois dos anátemas de Cavaco Silva.

As chamadas cedências do PS mais parecem, assim, a tentativa de inventar pretextos para justificar o real bloqueamento do processo e a criação de bodes expiatórios a quem seja atribuída amanhã a culpa do incumprimento desta promessa eleitoral por parte do PS.

Por tudo isto, o gestos positivos do PS nesta matéria não podem deixar de suscitar a maior desconfiança e ser vistos como expedientes eleitoralistas para funcionarem até às eleições autárquicas.

Cabe ao Governo de Guterres e aos dirigentes socialistas mostrar que não é assim...


Entretanto, no país real aprofundam-se as desigualdades. Cresce a desertificação e o abandono do interior que está agora a ser duramente penalizado pelas privatizações da Rodoviária Nacional, EDP e Telecom.

Ao mesmo tempo, o interior vai resolvendo, cada vez mais, os seus problemas em Espanha...

Os adversários da regionalização acantonados no Terreiro do Paço e noutros pontos estratégicos da capital e do litoral são incapazes de perceber estes riscos...

A regionalização não é, naturalmente, uma receita milagrosa, mas ainda parece ser o caminho mais eficaz para um desenvolvimento regional equilibrado com a descentralização da administração do Estado, a participação das populações e o aprofundamento da democracia.

Carlos Brito