Tudo menos transparência
À força de querer
aparentar que é o que não é e de fingir que não está a
defraudar as esperanças que semeou e as mudanças que prometeu,
fazendo uma política de direita semelhante à que vinha de
trás, a governação do PS mergulha cada vez mais nos terrenos
pantanosos da falta de transparência.
Nada explica que um Governo tão
loquaz e que tanto prometeu privilegiar o diálogo com o país
deixe arrastar sem esclarecimento rigoroso questões da mais alta
importância para a economia e os interesses nacionais ou até
susceptíveis de atingirem a imagem externa de Portugal.
Em relação a este último aspecto pensamos naturalmente no
lamentável incidente diplomático com a África do Sul que levou
ao prematuro afastamento daquele país do embaixador Vasco
Valente.
Conhecem-se, sobre o que terá passado, as versões do
«Expresso», da «Capital», do «Público» e de outros
jornais, todas apresentadas como bebidas na melhor fonte, ao
mesmo tempo que alguns meios parecem apostados em fomentar a
intriga.
Falta com toda a evidência uma versão oficial do Governo
português que esvazie as especulações, onde existam, e
explique ao país os fundamentos do seu procedimento nesta grave
questão.
Tal é a necessidade que seguramente reconhecem todos aqueles que
desejam, como nós, que não sejam prejudicadas as relações de
amizade entre Portugal e a África do Sul, nem o contributo dos
seus esforços comuns a favor da causa da autodeterminação e da
independência do povo de Timor Leste, no quadro geral da ONU.
A prudência e a
contenção que, apesar de tudo, se podem compreender em
relação a um incidente diplomático da natureza do que
referimos atrás, não têm qualquer explicação no que se
refere a numerosas actuações recentes do Governo designadamente
no domínio das suas relações com grandes grupos económicos e
onde a falta de transparência é a nota dominante.
Referimo-nos, entre outros, a casos tão obscuros como o acordo
do Governo com a Grão-Pará, de Fernanda Pires da Silva, sobre
ao autódromo do Estoril, ao acordo do Governo com a Sonae, de
Belmiro de Azevedo, sobre a Torralta, ao acordo do Governo com os
Mellos para o encerramento dos estaleiros da Margueira, da venda
dos seus terrenos retirados do PDM de Almada e novas concessões
na indústria naval.
Neste último caso, nem é sequer adequado falar de falta de
transparência, pois, as evidências das dezenas de milhões de
contos com que foram favorecidos os antigos monopolista da CUF
são tão fortes que não deixam dúvidas de que se trata de um
verdadeiro «totoloto para os Mellos com dinheiros públicos»
que o Governo lhes proporcionou, como oportunamente observou
Carlos Carvalhas.
Negociatas desta conformidade estavam até agora reservadas ao
processo das privatizações, com casos tão escandalosos e
lesivos dos interesses do povo português como a recente
privatização da EDP.
Mas ao Governo PS já não chega levar as privatizações até
às últimas consequências com a completa eliminação do sector
público que passou a ser admitida na revisão da Constituição
que aprovou com o PSD e o PP, introduz a prática dos acordos
bilaterais com os grandes grupos capitalistas para lhes conferir
de forma despudorada privilégios, posições, poderes e milhões
dos dinheiros públicos.
É o prosseguimento com novos desenvolvimentos da política
de direita a favor do grande capital que na Resolução Política
do XV Congresso do PCP se descreve com grande rigor. Assim:
«O reforço do poder do grande capital sobre a economia
portuguesa tem tido como principais instrumentos um poder
político submetido aos seus interesses, o nefasto processo de
privatizações (...) a distribuição privilegiada dos fundos
estruturais (comunitários e nacionais), uma política fiscal de
benefício descarado das grandes empresas e das actividades
financeiras e especulativas, a crescente desregulamentação da
economia, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a
degradação dos seus direitos.»
Só que apesar das leis estarem cada vez mais afeiçoadas a
esta política de favor ao grande capital há procedimentos
legais obrigatórios e regras mínimas de transparência que é
duvidoso que estejam a ser observadas nestes casos.
Escândalos políticos e morais são eles de uma dimensão
que se julgava impensável no Portugal democrático nascido do 25
de Abril e ainda mais com um Governo PS. Mas não serão mais do
que isso? Lembrem-se os exemplos da Espanha do PSOE e já
continuados pela governação PP.
Há, pois, todas as razões para investigar. É para isso que
existem órgãos e poderes de fiscalização na República.
A falta de
transparência é, também, uma das características dominantes
que envolve o conflito da TAP e que se aplica às diferentes
partes em confronto, com realce, naturalmente, para a actuação
do Governo e da própria administração da empresa.
Os planos de privatização da companhia aérea nacional que
os responsáveis governamentais inscreveram no seu programa de
liquidação do sector público da economia e as rivalidades
entre os potentados privados que perfilam as suas candidaturas à
tomada da empresa pelo mais baixo preço possível, são
circunstâncias indissociáveis da crise em que a TAP se tem
arrastado.
O Governo PS procura agora disfarçar as suas altas
responsabilidades na progressiva degradação da situação
recorrendo a medidas de força desproporcionadas e que podem
constituir grave precedente em relação à violação dos
direitos dos trabalhadores.
Referimo-nos tanto à requisição civil, de duvidosa legalidade,
como às anunciadas sanções, incluindo o despedimento de
«grevistas» , de suspensão do acordo de empresa e de
alteração por golpe de portaria do regime de horários que
vigora para os pilotos.
Ao insurgir-se justamente contra estas medidas de força, os
comunistas da TAP, através de um comunicado do Secretariado da
Célula, observam com pertinência: «Uma estranha convergência
de vontades parece sustentar este braço de ferro.» E perguntam
com acutilância: «Que objectivos se escondem para tanta
intransigência?»
De qualquer maneira, o que é evidente, desde já, é que a
desastrada intervenção do Governo, em vez de atenuar as razões
do conflito, está a agravar as tensões, a cristalizar as
crispações e a conduzir o processo para um caminho em que o
regresso ao bom senso e à procura se soluções é cada vez mais
complicado.
Por isso mesmo, o Gabinete de Imprensa do PCP falando em nome do
Partido salientou que «não é pelo recurso à força que se
pode encontrar uma justa solução do conflito da TAP»,
apelando, na mesma altura, «ao retomar da via da negociação
para que seja possível um acordo que compatibilize os direitos e
interesses do conjunto dos trabalhadores, a estabilidade e a
continuidade da TAP como empresa pública e os interesses
nacionais».