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A pérola da revisão



O PCP tem valorizado justamente o significado de alguns aspectos essenciais da revisão constitucional terem sido objecto também de críticas devastadoras por parte de sectores e personalidades de diferente posicionamento político-ideológico.

Mas, a três semanas da votação final da revisão, talvez convenha não ignorar dois outros aspectos do debate sobre a revisão constitucional.


O primeiro é que a revisão PS-PSD teve ainda assim, no conjunto dos «media», mais defensores do que merecia, quase todos eles ignorando olimpicamente os argumentos contrários e procurando zelosamente «dourar a pílula», muitas vezes na base de um turva mistura de ignorância, de ligeireza e de reverência perante o PS.

O segundo aspecto diz respeito às zonas de silêncio ou de menor sensibilidade que se verificaram nas tomadas de posição de alguns destacados críticos não-comunistas da revisão. Assim, por exemplo, se é verdade que alguns criticaram a remissão para lei ordinária posterior das soluções definitivas sobre os sistemas eleitorais para as autarquias e para a AR, muito poucos advertiram vigorosamente dos verdadeiros perigos que aí se perfilam. Assim, por exemplo, quase todos passaram completamente ao lado dos absurdos e das trapalhadas dos referendos sobre a regionalização. Assim, por exemplo, a maioria deixou-se docemente embalar pela promessa do nebuloso «referendo sobre a Europa» e não disse uma palavra sobre o escândalo que é a manutenção do impedimento constitucional de um referendo sobre a ratificação de um novo Tratado da União Europeia e sobre a participação de Portugal na moeda única.


Mas talvez um dos melhores exemplos de como o debate político em Portugal é muitas vezes um puro simulacro esteja na falta de resposta a duas questões que insistentemente colocámos aos patrões da revisão .

De facto, nunca explicaram porque é que, jurando tanto respeito pela proporcionalidade, precisaram de alterar a Constituição no ponto do sistema eleitoral para a AR, quando é uma evidência que qualquer sistema eleitoral futuro que tenham em vista e que respeite a proporcionalidade estaria em principio protegido pela Constituição em vigor.

Assim como, apesar de tanta conversa mole sobre os círculos uninominais como forma de «aproximação dos deputados aos eleitores», nunca explicaram qual é a arrebatadora «aproximação» que se estabeleceria entre o único deputado eleito por um partido e todos os eleitores que nele não tivessem votado e que tivessem votado por candidatos de outras formações políticas.


Nunca responderam, talvez por estarem muito ocupados não apenas a cozinhar as malfeitorias essenciais mas também a alinhavar lugares comuns e alarvidades dignos do Conselheiro Acácio. Como é o caso da nova redacção do artº 241º que, com espantosa profundidade e incomparável utilidade, passa a dispor que «o órgão executivo da autarquia é constituído por um número adequado de membros». E já agora, ridículo por ridículo, que tal anexar à Constituição uma prestimosa tabela com exemplos de números «adequados» e «inadequados» de membros dos órgãos executivos das autarquias?


Vítor Dias