CAMBOJA
O fim do "mistério"?
Desde meados do ano passado que o
"mistério Pol Pot" vem alimentando notícias,
comentários e especulações nos media de todo o mundo. Morreu?
Estaria atingido de grave doença e afastado da sinistra
liderança dos Khmers Vermelhos? Foi preso ou mesmo assassinado
pelos seus próprios correlegionários? Que se passará realmente
com o homem que simboliza um dos mais sinistros genocídios que a
história contemporânea regista?
O "mistério" foi
finalmente desfeito pela cadeia de televisão norte-americana ABC
quando no passado dia 28 de Julho apresentou as primeiras imagens
em 18 anos de Pol Pot, recolhidas três dias antes por Nate
Thayer, durante um "julgamento" realizado no feudo dos
Khmers Vermelhos de Anlong Veng no norte do país. Afinal Pol Pot
está vivo. Mas velho, doente e sem poder. As imagens divulgadas
na grande imprensa , mais do que condenação e repulsa do
criminoso tendem a induzir comiseração. O Público de
29.8. titula mesmo "Camboja - as lágrimas de Pol
Pot"....
É óbvio que um tal tratamento
mediático leva água no bico. Contudo, o mais relevante no plano
político não está aí, mas no facto evidente de se tratar de
uma encenação e operação mediática visando demonstrar que,
fazendo justiça pelas próprias mãos, os Khmers Vermelhos
rompem com o seu passado criminoso tornando-se uma força
respeitável e num interlocutor necessário no panorama político
cambojano. Trata-se de socorrer Norodom Ranariddh, o
desacreditado ex-co-primeiro ministro pelo Funcinpet que se pôs
em fuga para França, perante a fulminante derrota militar e
política da operação sediosa em que se envolveu com os Khmers
Vermelhos contra Hun Sen e o Partido do Povo do Camboja.
O curso dos acontecimentos em Phnon
Phen com a derrota da conspiração e a rápida normalização
institucional não agrada ao imperialismo e à reacção
internacional. O que lhes agrada e convém , no Camboja como em
qualquer parte, são governos fracos e subservientes , que se
vergam às exigências do FMI e do grande capital transnacional ,
como se verifica na vizinha Tailândia onde precisamente nestes
dias estalou uma crise económica e financeira de colossais
proporções. Inquieta-os a perspectiva de que nas eleições
previstas para Maio de 1998 as posições do P.P.P. possam sair
reforçadas. Daí o papel que reservam ao que resta do bando de
Pol Pot, não lhes repugnando branquear e credibilizar homens
como Khieu Samphan ex-primeiro ministro de Pol Pot e um dos
principais responsáveis pela morte de quase 2 milhões de
cambojanos entre 17 de Abril de 1975 e 7 de Janeiro de 1979, data
em que as forças da Frente de União Nacional para a Salvação
do Kampuchea, com o apoio vietnamita, libertaram finalmente o
país.
Aqueles que procuram hoje apresentar
a derrota do complot reaccionário como um "golpe
sangrento" de Hun Sen (Público 29.7) e tentam isolar
e destabilizar o governo de Phnon Phen (recusa da admissão do
Camboja na ASEAN, suspensão da "ajuda" financeira
pelos EUA, apelo de Khol à retirada de cidadãos alemães,
etc,etc) são os mesmos que jogaram a carta dos Khmers Vermelhos
contra o processo libertador do Camboja, que silenciaram os seus
crimes, que aceitaram que continuassem com assento na ONU sob a
fachada de "Kampuchea Democrático" já depois de
derrotados, que impuseram os apaniguados de Pol Pot nas
negociações de Paris, que nada fizeram para os obrigar a depôr
as armas após as eleições de 1993, antes continuaram a
apoiá-los a partir de santuários na Tailândia.
Não admiraria agora que uma vez mais, com ou sem o inefável
concurso de Sihanouk, procurassem impôr os restos da camarilha
polpotiana como parte indispensável de "diálogos" e
"soluções" "internacionalmente
aceitáveis". Em nome do "pluripartidarismo" e dos
"direitos humanos" , naturalmente.
Albano Nunes