O "Saleirismo" no PS
António Saleiro
é, mesmo neste PS a que o poder e as suas prebendas adesivaram
muitos espécimes esquisitos, um paradigma de caciquismo,
politiqueirice e etc, mas o "saleirismo", em versão
"soft" ou nem por isso, é hoje em dia um instrumento e
um "acquis" relevante das políticas e estilo do
"estado maior" de Guterres.
O PS tem sido sempre uma federação de orientações,
personalidades, sociedades secretas, interesses e grupos
contraditórios, conjunturalmente conluiados num projecto
específico, ou formalmente unidos em torno de um qualquer poder.
Com a actual direcção, os conflitos internos do PS têm-se
agravado à medida que as suas políticas neo-liberais confrontam
aspirações populares e faltam às promessas, mas, por outro
lado, as "reuniôes de comando" do
"guterrismo" passaram a gerir política e
mediaticamente uma conflitualidade encenada.
Os teóricos do marketing político do "novo
socialismo" - também de Blair e Clinton(!), que reivindicam
para Guterres a invenção da mediatização do conflito interno
para salvaguardar a imagem de partido democrático do PS e
impedir o alargamento do espaço e força de atracção do PCP,
deviam recordar que já Cavaco punha o PSD a fazer oposição a
si mesmo e que nem isso o salvou duma enorme derrota.
Mas vem isto a propósito de António Saleiro, Governador Civil
de Beja e membro da Comissão Política Nacional do PS, com quem,
no mês de Julho e por Agosto a dentro, se assistiu a um
"gravíssimo conflito interno" do PS em torno da
definição da região Alentejo na elaboração do esboço de
mapa da regionalização.
Foi um "conflito" que serviu às mil maravilhas os
intentos da direcção do PS: retardar e preterir a
regionalização e juntar pseudo argumentos em favor do
imbróglio jurídico e referendário com que o PS a colocou na
mâo dos seus (dela) inimigos, capitalizar alguns
descontentamentos e fazer constar uma "vontade
regionalizadora" que não existe de facto, desvalorizar os
conflitos reais entre a direcção "guterrista" e
tantos socialistas.
Não abundando as coincidências em política e sendo certo que,
quase sempre, "o criminoso é alguém a quem aproveita o
crime", temos um evidente "conflito" de encomenda,
com encenação do "núcleo duro" do
"guterrismo".
E não falta sequer a anunciada recompensa. Ou não veio já
Saleiro fazer de conta que punha o lugar à disposição do
Governo para este, ignorando a generalizada exigfência da sua
demissão, sussurrada entre dentes no próprio PS, lhe renovar
apressadamente a confiança? Não veio já anunciar a
desistência da sua "candidatura à liderança do Baixo
Alentejo" em troca duma sinecura como eurodeputado?
E será que a recente promessa de Saleiro de, numa anunciada
reprise do folhetim, vir a fazer campanha contra a
implementação em concreto da região Alentejo, que, se restasse
seriedade à direcção do PS deveria conflituar com a respectiva
orientação, não corresponde exactamente aos seus intentos
ocultos?
Saleiro, como ele próprio torna claro no "Semanàrio"
de 08.08, embora acautelando velhas fidelidades
"soaristas", mais não é que um instrumento da
direcção de Guterres, contra os compromissos regionalizadores
do PS, tanto como Assis e Carrilho foram instrumentos para
combater os sentimentos democráticos de Alegre e outros, ou
como, nesse caso, Jorge Coelho foi instrumento da
contemporização indispensável.
Ainda por cima, neste PS de Guterres, o "saleirismo"
tem feito escola, sendo que as políticas e o estilo do homem se
tornaram vulgares no respectivo partido.
Ou não são do mesmo nível de caciquismo e inaceitável
arbitrariedade: a retaliação persecutória do Ministro das
Finanças no caso da Câmara da Amadora, a recusa promovida por
Saleiro de divulgar sequer à vereação um inquérito da IGAT á
edilidade da Almodôvar, que abrange um período da sua
presidência, e a promoção e mediatização de antigos e novos
inquéritos, usados como arma de arremesso contra Beja ou
Odemira?
Não é do mesmo quadro de politiqueirice: a generalizada
intervenção de membros do Governo na (pré) campanha eleitoral,
as inaugurações em barda que se preparam para Setembro e
Outubro, a utilização de uma iniciativa da Direcção da
Educação de Beja para promover o candidato do PS à Câmara ou
a anunciada presença "excepcional" de Guterres e não
sei quantos Ministros no apoio à candidatura PS em Mértola, uma
das 5 autarquias, nem mais nem menos, que Saleiro se propôs
ganhar à CDU?
Não são da mesma família autoritária: a vergonhosa revisão
constitucional com que o PS aliado ao PSD prepara a engenharia
eleitoral que, em registo "soft", visa reduzir na
secretaria o peso político do PCP, e o apelo trauliteiro do
Governador Saleiro a uma frente anti-comunista, para impedir a
tradução democrática dos votos dos cidadãos portugueses do
Alentejo num mandato regional?
De facto, a direcção "guterrista", de tão
politiqueira e modernaça no estilo e orientações de direita
prosseguidas, se não se pôem a pau os socialistas, ainda dá
com o PS em "Partido Saleirista".
Carlos Gonçalves