TRABALHO


A luta dos pilotos da TAP



Mais forte que todas as dificuldades e manobras

Unidade dos trabalhadores
reforçada pela CT da TAP


O conflito entre os pilotos, por um lado, e a administração e o Governo, por outro, foi acompanhado em todos os momentos pela Comissão de Trabalhadores da TAP, que manteve como objectivo central preservar o direito à negociação, contra a requisição civil, e reforçar a unidade dos trabalhadores, abalada pelas diferenças de interesses em causa e por manobras que pretendiam semear a divisão.

Uma vintena de jornalistas aguardou durante quase 9 horas, até à madrugada de 15 de Agosto, o desfecho da reunião entre o ministro João Cravinho e o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil e a conferência de imprensa conjunta onde foi anunciado o fim da greve e da requisição civil na TAP.

Menorizada ou esquecida na generalidade das notícias, a presença de membros da Comissão de Trabalhadores, que às 6 horas da manhã ainda foram reunir com o ministro, teve ali um significado que foi justamente realçado pelas partes mais directamente envolvidas neste processo: a CT deu um importante contributo para combater uma maior radicalização de posições, evitar mais graves prejuízos para a empresa, garantir o respeito pelo direito à greve e à livre negociação das condições de trabalho, defender e reforçar a unidade dos trabalhadores.

«Ficou provado que a requisição civil e a imposição unilateral de medidas não resolvem os problemas da TAP», salientou ao «Avante!» Manuel Candeias, um dos membros da CT que mais de perto acompanharam o conflito. Preferindo não definir a posição da CT em termos de apoio ou oposição à luta dos pilotos, Manuel Candeias aponta as dificuldades próprias da situação da empresa e os obstáculos erguidos durante a greve, como forma de valorizar o resultado: a CT saíu mais prestigiada como órgão representativo de todos os trabalhadores da TAP e como parte indispensável a qualquer discussão sobre os destinos da empresa.


Futuro por discutir

Com toda a propriedade, o mais recente comunicado da CT, distribuído segunda-feira à tarde, reafirma a disponibilidade para acompanhar a evolução dos acontecimentos após o acordo de dia 15 e marca uma posição de princípio para a intervenção nos próximos tempos: «Aguardamos os resultados económicos e financeiros do 3º trimestre deste ano, para encetarmos uma discussão com o Governo sobre o futuro da TAP, conforme nos foi solicitado pelo sr. ministro da Tutela».

Para a CT, o acordo, «inserido em todo um processo complicado, salpicado de irredutibilidade e de desconfianças, criou boas condições para que o processo negocial decorra apenas com as dificuldades habituais das negociações».

Além do cancelamento das greves e da requisição civil, o SPAC e o Governo concordaram que «a nova regulamentação em preparação não impedirá a negociação laboral sobre tempos de serviço de voo e de repouso de pilotos», como referem as conclusões da reunião realizada no Ministério do Equipamento. Aí se prevê que eventuais divergências serão resolvidas através de arbitragem, cujos princípios também ficaram definidos.

Por definir está ainda o fundamental do futuro da transportadora aérea nacional. As afirmações do ministro João Cravinho, na reunião de dia 15 com a CT, revelam uma abertura para dialogar, reconhece Manuel Candeias. Mas a verdade é que o Governo mantém o objectivo de privatizar a TAP, e esta perspectiva é um factor de instabilidade para os trabalhadores. «Esta empresa só é viável se for pública», afirma aquele dirigente, chamando a atenção para os efeitos sociais de qualquer medida errada sobre as dezenas de milhar de pessoas que trabalham na TAP e nas empresas que desta dependem.

A greve dos pilotos terá tornado mais difícil a privatização, porque evidenciou dificuldades que afastam eventuais interessados. Contudo, o objectivo ganhou novos adeptos: as estruturas socialistas na empresa, que passaram a admitir a entrega a privados depois da chegada do PS ao Governo.

«Vamos continuar a discutir», diz Manuel Candeias, preocupado, mas animado com a prova de que problemas deste tipo não se resolvem com requisições civis, antes exigem a participação e o empenho consciente dos trabalhadores e dos seus representantes.



Uma Comissão
de todos os trabalhadores


Eleita por sufrágio universal e através de representação proporcional de todas as listas concorrentes, a Comissão de Trabalhadores da TAP distingue-se das outras estruturas representativas por abranger todo o pessoal da empresa. As suas atribuições estão legalmente definidas e o seu campo de intervenção é diferente do dos sindicatos, não contemplando as questões reivindicativas e da contratação colectiva, mas abarcando áreas mais gerais do funcionamento da empresa.

Na sua actual constituição, a CT da TAP integra 5 eleitos da lista unitária (4 comunistas e 1 membro da UDP), 5 eleitos da lista que se apresentou com as cores partidárias do PS e um eleito da lista apoiada pelo PSD. Nestas condições, o consenso constrói-se na discussão e as posições procuram o maior equilíbrio. Os eleitos unitários, como realçou ao «Avante!» Manuel Candeias, orientam os seus esforços no sentido de tornar o mais ampla possível a plataforma de defesa dos interesses dos trabalhadores e da empresa.


Pelo diálogo profícuo

O primeiro comunicado da CT, em que se informa estar esta a «desenvolver acções concretas no sentido de ultrapassar o conflito», foi divulgado no dia 25 de Julho, por se notar «alguma dificuldade do Governo, do Conselho de Administração e da direcção do SPAC em dialogarem proficuamente». Recordando que também os pilotos da TAP são representados pela CT, o documento afirmava a legitimidade deste órgão «para, numa posição equidistante, procurar formas de diálogo que produzam resultados positivos que sirvam os pilotos e a TAP» e apelava ao Governo, ao CA e ao sindicato para evitarem «atitudes que prejudiquem a TAP e agudizem o conflito».

Três dias depois, a CT dava a conhecer a todos os trabalhadores a proposta que apresentara no dia 25 à administração (que aceita reestruturar as Operações de Vôo até final de Novembro) e ao SPAC (que reconhece o «esforço genuíno», mas mantém as suas posições).

Entretanto, «preocupada com as notícias que começavam a proliferar na comunicação social, algumas delas com base em declarações de responsáveis do Governo», a CT solicitou ao secretário de Estado dos Transportes que tomasse a iniciativa de «desdramatizar junto da opinião pública os reflexos do conflito desencadeado pelo SPAC, até uma melhor precisão dos contornos e efeitos deste problema». No dia 27 a CT voltou a escrever ao SPAC, reafirmando a possibilidade de «uma solução negociada que defenda a viabilização da empresa e garanta a continuidade dos nossos postos de trabalho» e apelando «à vossa compreensão e solidariedade com os restantes trabalhadores, no sentido de reverem a vossa posição».

A CT manteve intensos contactos com as várias partes e com os trabalhadores das diferentes áreas da TAP. No dia 7 de Agosto, quando novamente se extremavam as posições do SPAC e da administração, a CT propôs que fosse criada uma comissão tripartida que teria 45 dias para alcançar uma solução de consenso, sugestão que não mereceu a aceitação do sindicato.


Requisição
sem razão

Um novo comunicado foi emitido dia 13, já depois de decretada a requisição civil e quando várias organizações sindicais do pessoal de terra declaravam formalmente e em tom duro a sua crítica à posição do SPAC. Destacando que obtivera do ministro «a promessa de que seriam respeitados os direitos dos trabalhadores da TAP, incluindo o pagamento atempado do salário, ao contrário do que vinha a ser admitido, nomeadamente pelo CA», a Comissão de Trabalhadores alertava para o facto de o conflito ser «excessiva e desnecessariamente empolado» e afirmava não ver «nenhuma razão objectiva que justifique a utilização da requisição civil». Desta posição demarcaram-se os elementos do PS na CT, que viram recusada uma proposta sua que continha uma crítica mais forte ao SPAC e um apelo a que o ministro pensasse em «soluções alternativas», uma vez que a requisição civil dos pilotos «não estava a ser eficaz». Ao justificarem a divulgação da sua proposta, os eleitos do PS nem sequer resistiram a introduzir uma pitada de anticomunismo e não tiveram o discernimento de reflectir sobre as ameaças que pendiam sobre os direitos de todos os trabalhadores.

Ultrapassando todos os obstáculos, a CT continua a insistir, «através de contactos com o Governo, o CA e o SPAC, para que o conflito seja sanado rapidamente, sem vencedores e vencidos, e que a TAP não seja mais prejudicada pelos intervenientes».

No dia 14, quinta-feira, surgem notícias de que o Conselho de Ministros se preparava para tomar decisões políticas que iriam agravar a situação laboral na empresa. A CT escreve ao ministro João Cravinho, solicitando uma audiência até às 20 horas, pois iria reunir com o SPAC «no sentido de obter condições que possam contribuir para o reinício da actividade normal da TAP. no imediato». Na mesma altura, seguiu um ofício para o primeiro-ministro, «rogando» que o Governo não tomasse quaisquer medidas até às 20 horas, pois «acreditamos ainda poder obter uma posição de compromisso que no imediato contribua para a resolução do conflito».

Com muitas horas de sono perdidas, Manuel Candeias e outros membros da CT estiveram nessa noite no Ministério do Equipamento, aguardando o resultado da reunião do ministro com a direcção do SPAC. O fim da greve e o levantamento da requisição civil, anunciados às 5 horas da manhã, foram recebidos com satisfação pela CT.

Satisfeito mostrou-se também Manuel Candeias, na conversa com a nossa reportagem, segunda-feira à tarde, por ver expressamente reconhecido, tanto pelos representantes dos pilotos como do Governo, o papel importante desempenhado pelo núcleo mais consequente dos membros da CT da TAP. A batalha em defesa dos interesses de todos os trabalhadores e do futuro da transportadora aérea nacional vai continuar, agora, sem a requisição civil e com uma mais rica experiência de reforço da unidade.



Os motivos dos pilotos


Em Novembro passado foi eleita uma nova direcção do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, que comunicou à administração da TAP a sua vontade de resolver um problema que gerava mau-estar entre os associados: o elevado volume de horas extraordinárias nos vôos de longo curso colocava os vencimentos dos 70 pilotos destas carreiras muito acima da média dos pilotos do médio curso (cerca de 350).

Segundo a revista «Visão», os dez pilotos mais bem pagos receberam, em 1996, valores brutos entre 26 e quase 31 mil contos, surgindo no topo da tabela o antigo presidente do SPAC (os vencimentos mais baixos situaram-se nos 6 mil contos). Na nova direcção do sindicato predominam os pilotos de médio curso, que não têm acesso às horas extraordinárias, uma vez que os seus períodos de vôo são mais curtos.

Num comunicado que dirigiu dia 13 de Agosto aos demais trabalhadores da TAP, o SPAC acusa a administração da empresa de insistir em não admitir «o número de pilotos necessários para a sua operação regular» e querer «impor, por via governamental e administrativa, as condições de que dizem necessitar». Por isso, em vez de aceitar a proposta de abertura de negociações, a administração da TAP preferiu «pedir à Direcção Geral da Aviação Civil a publicação de uma portaria reguladora que impusesse aos pilotos as normas que ela, em negociação, sabia dificilmente poderem passar», já que, no seu projecto, propunha aumentar de 45 para 55 horas semanais os tempos máximos de trabalho e reduzir os tempos mínimos de repouso.

Depois da crise de Fevereiro e Março, a administração e o SPAC acordaram um regime transitório para o Verão, mas o administrador responsável pela negociação com o sindicato acabou por, dias depois, pedir a demissão, ficando o acordo sem efeito. No final de Abril os pilotos fizeram dois dias de greve.

Quando a administração os acusou de quererem privilégios superiores aos de companhias estrangeiras, o SPAC declarou-se disponível para aceitar o acordo de trabalho de qualquer outra empresa, à escolha da administração. Além desta, o próprio ministro afirmou na televisão que aceitaria as regras da Lufthansa. Mas, à mesa das negociações, a administração da TAP pretendeu «que o SPAC aceitasse um acordo em que manteria toda a parte do acordo de empresa da Lufthansa para si vantajosa, recusando as partes que a restringiam», o que conduziu a novo impasse. Segundo o sindicato dos Pilotos, a administração comprometeu-se a respeitar os limites de trabalho vigentes, até nova negociação.

O incumprimento das regras em vigor levou o SPAC a convocar uma nova greve, que consistiria na recusa dos vôos que não constassem da escala de trabalho semanal. A greve iniciou-se a 25 de Julho, foi suspensa por cinco dias após um apelo do Presidente da República ao bom senso das partes; reiniciaram-se as negociações com outros administradores que «aparentaram outra disposição para o entendimento» e foi decidida nova suspensão da greve por mais sete dias.

Esta «abertura» terá sido vista pela administração como «fraqueza», pressuposto que motivou «um plano de intoxicação da opinião pública e dos trabalhadores da TAP contra os pilotos». O SPAC refere, como «primeira peça» de tal plano, um abaixo-assinado dos directores-gerais que «deveria ter recolhido as assinaturas dos trabalhadores seus subordinados». Das várias entidades alertadas pelo sindicato para a «gravíssima repercussão» que tal desenvolvimento teria nas negociações, «apenas a Comissão de Trabalhadores teve o discernimento necessário para perceber que dependia de si, em grande parte, a possibilidade de fazer abortar a recolha de assinaturas, e usou a sua influência com sucesso», regista-se no comunicado do SPAC.

O sindicato dos Pilotos afirma que garantiu, por escrito, à administração da TAP aceitar negociações sobre os limites do tempo de trabalho, mal fosse alterado o regime vigente, e de aceitar uma arbitragem e os seus resultados. Mas, acusa o SPAC, «a administração nunca quis chegar a um compromisso razoável, pois desde sempre achou que o Governo deveria impor as regras aos pilotos sem negociação». Em nova assembleia geral, o sindicato decidiu não prolongar mais a suspensão da greve. Entrava-se no segundo fim-de-semana de Agosto, época alta para os transportes aéreos, e a recusa dos vôos não programados na escala semanal afecta centenas de passageiros da TAP no dia 8, sexta-feira.

Sábado, em reunião extraordinária, o Governo decidiu avançar com a requisição civil.


Manobras perigosas


Contra o que exigia o bom senso, o conflito entre o SPAC e a administração da TAP,com crescente envolvimento do Governo, evoluiu num clima de crispação e de exacerbação dos ânimos e das decisões. Na comunicação social surgiram declarações de responsáveis, num tom cada vez mais duro e com respostas que seguiam a mesma direcção.
Dentro da empresa também houve quem se empenhasse em aproveitar a situação para colocar trabalhadores contra trabalhadores, embora sem dar a cara abertamente.
«Se durante muitos anos o pessoal de terra viveu sob regimes sucedâneos impostos pelo Governo, por que carga de água é que os "aviadores" não podem agora ser aviados com igual receita» - interrogava um folheto subscrito por «um grupo de trabalhadores» não identificado. Distribuído no Aeroporto da Portela, depois de o SPAC ter anunciado que os seus associados se iriam dirigir ao posto clínico na manhã da passada quinta-feira, a folha classificava tal atitude como «ridícula palhaçada» e «a mais séria e mais grave ameaça ao futuro da TAP» e fazia um apelo ao pessoal de terra: «Vamos todos ao posto clínico hoje às 08h30 dizer ao SPAC que, se teimam na sua atitude irresponsável de querer ser o coveiro da TAP, nós sabemos bem a que portas ir bater para o ajuste de contas devido.»