EM FOCO


InterMEDIAções


Por
Fernando Correia



Nas mãos
dos mais ricos - I

A análise do papel dos media na nossa sociedade pode ser desenvolvida de diversos ângulos e sob diversas perspectivas, complementares e mutuamente enriquecedoras, convergentes numa visão global que permita definir com rigor mínimo o lugar, as funções e os efeitos, pessoais e sociais, dos meios de comunicação de massa.

Um dos caminhos a seguir é o da análise económica, dirigida, nomeadamente, para o estudo das empresas e dos seus proprietários. Trata-se de uma direcção de trabalho geralmente pouco utilizada (não só entre nós) que, quando não é pura e simplesmente ignorada, se fica por apreciações superficiais, incapazes de fornecer elementos propiciadores de uma análise mais aprofundada.

A verdade, porém, é que o estudo da propriedade dos grandes media se revela um factor essencial (ainda que não único) para a compreensão das próprias formas e conteúdos informativos.

Além do mais, ajuda a compreender as raízes e razões que permitem definir a actividade mediática como um fenómeno social estreitamente ligado aos interesses e à luta de classes, deste modo sublinhado, contra mitos e mistificações, a natureza de classe do processo de produção da grande informação de massas na nossa sociedade.

Não se trata de chavões nem de tentativas de meter à força a realidade dentro de esquemas preconcebidos. Trata-se de factos.


Nas mãos
dos mais ricos - II

A recente divulgação, pela revista Fortuna, dos «Bilionários 97», abrangendo os «400 mais ricos» do nosso país, trata-se de um valioso trabalho jornalístico que, nesta perspectiva, contém elementos esclarecedores sobre o lugar absoluto e o posicionamento relativo dos donos dos principais órgãos de comunicação social portugueses.

A identificação dos «Bilionários 97» inclui duas listagens. Numa primeira, indicam-se «os 153 mais ricos de Portugal» ou, pelo menos, aqueles sobre os quais foi possível obter dados que permitem assim classificá-los. Numa segunda listagem estão «os outros bilionários», indicando-se mais centena e meia de nomes sobre os quais, por diversas razões, foi mais difícil obter elementos precisos, mas que se se julgou dever igualmente incluir entre os «Bilionários 97».

Aquela primeira listagem (na qual ao nome se junta, entre parêntesis, o respectivo património líquido, em milhões de contos) é encabeçado por António Champalimaud (277,9), que assim se afirma, de longe, como o homem mais rico do nosso país.

Entre «os 153 mais ricos» figuram os proprietários dos dois maiores grupos multimedia nacionais. Em 41º e 42º lugares aparecem Maria Perpétua Bordallo da Silva e seu marido, Luís Augusto Silva (41,1), patrão da Lusomundo, a quem pertencem, nomeadamente, o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a Grande Reportagem, a TSF e a Rádio Energia, a gráfica Naveprinter, a distribuidora Deltapress, imobiliário e ainda, e principalmente, uma posição dominante na exibição (com salas de cinema também em Espanha e Moçambique) e distribuição de filmes e de vídeo.

Em 97º lugar está Francisco Pinto Balsemão (10,1), que através da Imprensa controla aquele que, em termos de número de órgãos de comunicação social, é o maior grupo mediático nacional (em associação com capital estrangeiro), nomeadamente: SIC, Expresso, A Capital, Turbo,

Caras, Exame, Activa, Cosmopolitan, Casa Cláudia, Blitz, Carícia, Superjovem e outras, a que se juntam a gráfica Imprejornal, metade da distribuidora VASP (líder do mercado), publicidade, imobiliário, etc.

Mas, nesta listagem figuram igualmente outros donos de grupos económicas que, não se dedicando exclusivamente à comunicação social, têm nesta posições de grande importância.

Em 392 lugar está Joe Berardo (41,9) que, para além do Record e da Máxima, reforçou recentemente, de forma substancial, a sua participação na SIC, comprando a posição nesta de Jacques Rodrigues. E em 130º está, precisamente, Jacques Rodrigues (5 milhões) que domina, através da Impala, o mercado das revistas populares: Maria, Nova Gente, Mulher Moderna, TV 7 dias, Segredos de Cozinha, etc., num total de duas dezenas de publicações.

Figuram também outros grandes capitalistas que, mesmo não estando a indústria mediática entre os seus principais interesses, nela têm significativas posições.

É o caso do 3º mais rico, Belmiro de Azevedo (222,3) que aqui há anos pareceu pretender assumir neste sector um certo protagonismo, depois não confirmado, limitando-se hoje ao Público; do 219, José Manuel de Mello (58,3), cujo império abrange cerca de duas centenas de empresas, incluindo uma participação na SIC; e do 76º, Dias da Cunha (I 4,9), com acções na TVI.

Quanto à referida segunda listagem (e continuando aqui a considerar apenas os nomes directamente ligados à imprensa, rádio e TV), outros merecem referência.

Nela figuram Miguel Paes do Amaral, patrão do grupo SOCI, que controla praticamente toda a informação económica (Diário Económico, Semanário Económico, Valor, Fortuna, etc.) e ainda a TVI, a Rádio Comercial e O Independente; Carlos Barbosa, Vítor Direito e Carlos Morais, que dominam o Correio da Manhã e 50% da distribuidora VASP (a outra metade pertence a Balsemão) e das publicações Forum; e ainda Maria Margarida Ribeiro dos Reis, principal accionista de A Bola.


Nas mãos dos mais ricos - III

Se tivermos em conta os órgãos acima citados, facilmente verificaremos que nas mãos dos «mais ricos» está quase tudo ou, em alguns sectores, tudo o que de mais significativo existe no nosso país em termos de jornais diários, semanários, revistas populares, rádio (excluindo as do Estado e da Igreja Católica) e TV privada.

Uma dezena de grandes empresários domina a mais importante comunicação social de massas em Portugal, revelando o grau a que chegou o movimento de concentração da propriedade e de incentivo à formação de grandes grupos económicos (em conjunção com as reprivatizações no sector, na segunda metade da década de oitenta) impulsionado pelos governos do PSD e do PS, com o apoio e o aplauso das centrais patronais.

Para os analistas e estudiosos dos media, seria perigoso cair no erro de estabelecer, por sistema, uma relação linear de causa e efeito entre, por um lado, a propriedade dos media e, por outro, os conteúdos informativos,

Entre um e outro plano intervêm instâncias de lntermediação que têm a ver quer com as condições de produção da informação (relativas, por exemplo, aos jornalistas e outros agentes, dotados de uma autonomia relativa, às rotinas produtivas, etc.), quer com as próprias estratégias empresariais dos grupos económicas, implicando opções editoriais diferenciadas (tendo em conta a natureza de cada órgão, o seu posicionamento no mercado e o público a atingir, o maior ou menor «liberalismo» do empresário, etc.).

Mais perigoso ainda, porém, seria subestimar a natureza da propriedade numa indústria como a mediática, de influência determinante nas formas individuais e colectivas de pensar e de agir na sociedade.

Subestimação essa que vem ao de cima, por exemplo, quando se invocam os «critérios jornalísticos» (para os defender, para os atacar ou, simplesmente, para os caracterizar) sem ter em conta a intervenção dos donos dos media. Sendo certo que, dentro das redacções, essa intervenção se exprime geralmente de uma forma não ostensiva, através de normas não escritas, de uma pressão latente, de um consenso implícito, à sombra dos «hábitos da casa» e sob o controlo dos responsáveis editoriais.

O processo continuado de produção da informação, tanto ao nível de cada órgão como ao nível global, não é o reflexo mecânico e automático do poder proprietário. Ocorrem frequentemente desajustes, dissidências, contradições. Mas, na análise da acção e da influência dos grandes meios de comunicação de massa, é impossível não ter em conta a vontade e os interesses (pessoais e de classe) daqueles a quem, em última instância, toda a cadeia de produção está submetida e a quem, quando tal se torna necessário, cabe a última palavra: os patrões dos media.

Ou seja, conforme acima ficou comprovado: a vontade e os interesses de alguns dos mais ricos entre os muito ricos.