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Quem são os «suspeitos»?



O
deputado do PS Dr. J. Magalhães, no «Público» 19/8, esforçou-se na defesa de um dos brincos da revisão constitucional que cozinhou à porta fechada com o PSD: a subtil alteração que abre a porta à detenção dos «suspeitos» que não apresentem B.I. (bilhete de identidade).

Indigna-se o deputado Magalhães com o título que na véspera encimara a notícia: «Porta aberta a prisões arbitrárias», e com a afirmação do mesmo jornal de que o PS, no Governo, acaba por adoptar uma medida idêntica à proposta pelo Governo PSD, e que então condenara.

Defende-se o deputado Magalhães/PS clamando: «a solução agora aprovada (...) autoriza a detenção (...) apenas de "suspeitos" de crimes» (as aspas nos «suspeitos» são de JM).

(O jornalista J.D. Miguel em nota ao artigo de JM, recorda oportunamente o precedente da Constituição salazarista de 1933 que, hipocritamente, remetia para o «legislador comum» as limitações e exclusões dos direitos e liberdades condescendentemente concedidos no famoso artº 8º).

Mas a vaga designação de «os suspeitos» a que o Dr. J. Magalhães reduz o rigor jurídico das suas leis, convida a algumas divagações, à margem da questão do B.I.


Na falta de uma clarificação de quem são os «suspeitos» do Dr. Magalhães, é legítimo, já agora, sugerir alguns critérios. Por exemplo:

Sob o título «Nós os ricos» no «Expresso» de 28/3 e «Os 10 mais ricos» no «Tal e Qual» de 28/2, publicavam-se curiosos dados sobre algumas das grandes fortunas do nosso país: 200 milhões de contos de A. Champalimaud (240 milhões segundo o «Expresso»); 150 milhões de Belmiro de Azevedo (220 segundo o «Expresso»); 135 milhões de M. Boullosa (160 segundo o «Expresso»); e por aí fora.

Não se justificarão «legítimas suspeitas» sobre a forma como foram amassadas estas fortunas?

Veio também a lume, recentemente, que em Portugal, de 1990 a 1995, ficaram «os ricos mais ricos e os pobres mais pobres» (1ª página do "Público" de 25/7).

Não será «legítima suspeita» considerar que esse resultado dos «anos de ouro» da política cavaquista constitui crime contra o povo português?

Mas também lemos (DN, 9/8) que «Lucros da banca chegaram aos 180 milhões no ano passado», que em 1997 se registou um «Semestre de ouro na banca portuguesa» (DN 4/8), e que «Banco Mello dispara lucros» (DN 7/8).

Não será «legítima suspeita» pensar que este regabofe de lucros está ligado à continuação da política PSD/Cavaco por parte do governo PS/Guterres? E não haverá «legítima suspeita» de crime quando confrontamos esses com outros títulos que dizem: «Há 420 mil sem emprego» (DN, 18/8); «Aumentos de salários limitados a 2,6% em 1998» (DN, 18/8). Ou quando se regista que «os agregados com maiores níveis de rendimento consomem mensalmente tanto em bebidas alcoólicas como os mais pobres em carne e pão»? (Público, 25/7).

Mas não são estes, obviamente os crimes e os «suspeitos» visados pelos acordos PS/PSD.

Diz Magalhães, tranquilizador, que as detenções de «suspeitos» só se aplicariam «em relação a crimes concretos e não assente em preconceitos sociais, como o trajar e o falar».

Podem «eles os ricos» respirar fundo: eles não praticam «crimes concretos» e, segundo os critérios do Dr. Magalhães estão acima de toda a suspeita, nem precisam de apresentar BI: até trajam bem e falam bem.


Afinal, pensando melhor, a divagação que fizemos não é tão arbitrária como pode parecer.

É que é legítima a suspeita de que esta e outras atitudes e medidas do PS restritivas do exercício das liberdades (lembram-se da proibição das manifestações nas estradas?) não estarão desligadas da preocupação em reduzir ou criminalizar formas de protesto daqueles que são atingidos pelo crescente desequilíbrio na distribuição da riqueza socialmente produzida, com a sua acumulação no polo onde o poder económico se combina com os seus representantes no poder pollítico.

Não será legítima a suspeita de que as posições políticas reflectem interesses de classe, deputado J. Magalhães, do PS?


Aurélio Santos