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Reflexos do «ouro nazi»



Tudo indica que a coligação de direita para a Câmara do Porto arranjou uma grande carga de trabalhos ao escolher como cabeça de lista o general Carlos Azeredo.

É, no entanto, politicamente muito significativo que o PSD e o PP tenham feito esta escolha e que queiram mantê-la.

Na verdade, o antigo chefe da Casa Militar de Mário Soares demonstrou nos dois artigos que publicou no Jornal de Notícias - o que suscitou o escândalo e o que pretendeu corrigi-lo - a facilidade com que lhe foge a palavra para o discurso anti-semita tradicional, para um certo branqueamento do nazismo e para a desculpabilização da colaboração de Salazar com as potências do «eixo». E o pior de tudo é que parece não se dar conta disso...

Mas vai mais longe. Para exaltar o seu nacionalismo, o general não hesita tão pouco em agitar o fantasma da ameaça de um «esbulho» de ouro português a favor de «uma organização não portuguesa» (judaica, claro) que poderia decorrer das investigações no Banco de Portugal. É também um expediente muito típico no discurso da extrema direita!


Ora tanto quanto se julga saber as investigações em curso no Banco de Portugal não têm em vista a restituição, mas a reconstituição histórica das utilizações e dos percursos do ouro esbulhado às comunidades judaicas nos países ocupados pela Alemanha nazi.

Há que dizer, neste ponto, que ninguém melhor que Mário Soares está em condições de esclarecer a verdadeira natureza e os objectivos destas investigações, uma vez que é ele que está a supervisioná-las.

Depois das suspeitas de «esbulho» em que o general reincidiu no seu artigo de 17 de Agosto, o esclarecimento do Supervisor das investigações torna-se praticamente obrigatório.


A par de outros inexplicáveis silêncios, onde avulta o do loquaz Marcelo Rebelo de Sousa e demais dirigentes do PSD, o general vê-se rodeado de alguns apoios comprometedores não só para ele, mas para a sua candidatura e os partidos que a promoveram.

É o caso da Frente de Direita Nacional dos amigos de Le Pen que veio a público para se declarar em plena sintonia com as posições do general e do apoio que lhe foi declarado por Alpoim Galvão, conotado assumidamente com a rede bombista e que, ao que consta, estaria indigitado para director da Pide quando o fascismo foi derrubado em 25 de Abril de 1974.

Também saíram em sua defesa, claro, Manuel Monteiro e Alberto João Jardim, com posições onde o anti-semitismo não chega sequer a ser disfarçado. É curioso que o último se tenha esquecido de esclarecer o episódio da entrega de armas à Flama por parte do general que um seu colega do PSD/M tinha revelado dias antes.


O que é a um tempo inquietante e esclarecedor neste episódio, ao lado das opiniões anti-semitas que suscitaram o justo protesto da comunidade judaica e a indignada reprovação da opinião democrática do país, são os alinhamentos que rapidamente se estabelecem entre forças da direita e da extrema direita.

Assim, os reflexos do «ouro nazi» põem em evidência as concepções fascizantes latentes que sobrevivem mais de vinte anos depois do 25 de Abril e constituem uma permanente ameaça ao regime democrático no nosso país.


Carlos Brito