ACTUAL


MODORRA
pós-Amsterdão?



N
ão são as férias estivais que explicam a aparente modorra em que caíu a febre da "construção europeia" depois da cimeira de Amsterdão, em Maio último. Houve decerto uns ultras decepcionados que definiram Amsterdão como um fiasco, por não ter dado, com suficiente vigor (suicidiário) o "salto em frente" no domínio da chamada reforma das instituições. Outros, mais espertos, preferiram congratular-se em silêncio com o que de mais substancial (e gravoso para os povos) saíu de Amsterdão: a assinatura do "pacto de estabilidade", que perpetua para o futuro a austeridade orçamental maastrichtiana, sob pena de grossas sanções pecuniárias - o que a França teve a veleidade de querer adiar, antes de se curvar. Alguns optimistas ingénuos regozijam-se (timidamente, é certo) com a introdução in extremis do emprego num mero codicilo anexo ao tratado e a promessa duma conferência sobre o emprego lá para fins de Novembro. E praticamente foi tudo. É difícil fazer um balanço seguro do estado das coisas pós-Amsterdão. Mas tudo aponta para que esta modorra notória traduza a resultante: maior confusão e incerteza quanto ao futuro.


Amsterdão não funcionou isolada numa redoma estanque. Os seus debates estiveram condicionados externamente por, pelo menos, dois factos "ambientais" de fundo. Um: A persistência dum desemprego de massas insustentável, em grande medida resultante da própria lógica desta "construção europeia", tornada férrea com Maastricht, mas que vem detrás: havia 7 milhões de desempregados quando da criação do SME (Sistema Monetário Europeu), hoje há 20 milhões - o que será então com a moeda única, para mais com o "pacto de estabilidade"?! Dois: O claro ascenso da resistência popular e cívica ao desastroso curso neoliberal que vem devastando a situação social europeia, ascenso ainda irregular, insuficiente, mas já ameaçador na sua perspectiva para poder ser ignorado. Por isso (mas não só por isso), na redoma de Amsterdão avivaram-se contradições internas na grande barganha em curso da marcha forçada para a UEM e a moeda única. Há vultosos interesses que se chocam e soluções que se não logram impor aos parceiros. O motor franco-alemão está gripado. A Grã-Bretanha de Blair entra no jogo. A Itália recusa a secundarização. Mas sobretudo é a Alemanha, o patrão-mor, que se vê a braços com acrescidos problemas internos.


Está hoje claro que a posição da Alemanha está enfraquecida. O diktat "Drei-komma-null" (três vírgula zero, e ponto final) voltou-se contra si própria. Apesar de um brutal "plano de austeridade" e de várias "maningâncias contabilísticas" - afinal é a toda-poderosa Alemanha que não consegue cumprir o fatídico 3,0% de defíce orçamental em 1997, nem o rácio de 60% da dívida pública / PIB. Ainda há dias o conceituado instituto IFO aponta, respectivamente, 3,3% e 62%. Os critérios de Maastricht revelam-se na própria Alemanha estrondosamente contraproducentes, refreando o crescimento e aumentando o desemprego. Assim, reduzem-se as receitas orçamentais e aumentam as despesas. E enquanto a maioria dos alemães contínua alérgica ao euro, quase não passa um dia em que se não levantem vozes desencontradas quanto aos critérios e datas da moeda única, inclusive nos meios do governo e no próprio Bundesbank. Kohl acaba de ver chumbada, entre o Bundestag e o Bundesrat, a reforma fiscal em que tanto se empenhou. E a campanha eleitoral, (apesar das eleições serem só para o Outono de 98) já está lançada, influenciando todos os passos, não só da oposição, mas sobretudo dos barões da coligação CDU/CSU/FDP, e dentro de cada uma destas forças. Quando Waigel abre a caixa de Pandora do financiamento da UE, reclamando drástica redução da contribuição germânica, usa um trunfo de chantagem sobre os parceiros da UE, mas está a jogar também no tabuleiro caseiro. Estão turvas as águas na Alemanha.


Mas não nos iludamos nós, povos, trabalhadores, forças de esquerda. Sob esta aparente modorra, os gnomos do cifrão não estão de férias, incansáveis na busca de saídas para os seus impasses. A meteorologia europeia pode prever tempo quente e ventos fortes para este outono. Preparemo-nos nós também para agir.


Carlos Aboim Inglez