Juntar a luta à razão

Por Jerónimo de Sousa, da Comissão Política do CC do PCP



Sempre estes meses de Verão, particularmente Agosto, é um tempo que dá um carácter difuso e adiado aos problemas. Só que a vida não pára e os problemas não só não se resolvem como por vezes se agudizam.


De forma meteórica, mediática, explorando quase sempre o ângulo da desgraça ou sensacionalista do facto social ou político de circunstância, ainda assim conseguimos descortinar nos grandes meios de comunicação social que morreram mais uns quantos operários numa obra que se processou o despedimento na Grundig ante a inoperância do Governo porque a lei (alterada propositadamente pelo anterior Governo nesse sentido) não dá possibilidade de intervenção legal, que Guterres algures na Argentina não sabe quantos desempregados há em Portugal, que aumentaram os salários em atraso. Uma conviniente "fuga de informação" do Ministério da Finanças anuncia que por causa da caminhada para a moeda única mais uma vez se perspectiva que os aumentos salariais se devem quedar pelos dois por cento mais zero vírgula qualquer coisa e quando muito dois por cento mais qualquer coisita caso os patrões "disponibilizem alguns ganhos da produtividade" que no ano passado foram quase todos direitinhos ao seu bolso.
A Ministra do Emprego com grande rigor técnico "explica" que vai haver crescimento económico garantido mas simultaneamente menos emprego. Pudicamente evita dizer que vai ganhar com tal crescimento. Um pouco na linha de que a inflação está a descer mas os preços a subir.
Num processo de toupeira vai-se ensaiando as modalidades faseadas de privatização de áreas da saúde e da segurança social. A delapidação do melhor património público empresarial entra quase na banalidade. Ainda assim à cautela silencia-se as acções de protesto e denuncia das organizações dos trabalhadores e do PCP não vá a opinião pública perceber no futuro não muito distante quanta razão lhes assiste e quais as nefastas consequências desta ofensiva privatizadora para os trabalhadores, para as populações e para o país.
Quando este artigo estiver a entrar na tipografia estará a ser consumada a votação célere de projecto de revisão constitucional que traduz em toda a dimensão o produto final do acordo estabelecido entre as chefias partidárias do PS e PSD.


A política dos passos consumados

Já foi muitas vezes afirmado que há uma tendência para que no nosso país a culpa morra solteira.
È incontornável que á esquerda e á direita e por vezes na Comunicação Social se constate que há desemprego, que os salários são baixos que a sinistralidade do trabalho, os salários em atraso e o trabalho infantil aumentem que a precaridade se transforma em regra geral que aumentam os fenómenos de exclusão social.
Mais! È ver, ouvir e ler ministros do Executivo de Guterres, dirigentes de partidos de direita com ar de carpideiros a baterem com a mão no peito preocupadissimos com grandes problemas sociais. Quanto ás fortunas fabulosas que entretanto se vão acumulando e alicerçando sobre o drama e a angustia de centenas de milhar de desempregados, precarizados e sinistrados ou à custa de bens públicos, silêncio absoluto.
É um truque ideológico magistral. Preservam os senhores do dinheiro e criam em milhões de portugueses a ideia de que afinal ainda há quem esteja pior que eles. Escondem as causas e branqueiam e distorcem responsabilidades. Lutar para quê? Se as coisa são como são e não há nada a fazer?
O momento de responsabilização histórica de tal ou tal medida ou opção política económica, ou legislativa é sempre distanciado das suas consequências.
Ou seja, quando o PCP na sua acção geral e na Assembleia da Republica e as organizações representativas dos trabalhadores portugueses denunciam e lutam contra os pacotes laborais designadamente contra a alteração da lei dos despedimentos, contra a eliminação da intervenção do estado nos casos em que o patronato pretendia executar arbitrariamente despedimentos colectivos, qual quê era exagero, este PCP e esta CGTP são sempre do contra, há que flexibilizar e modernizar as leis laborais. Mas depois, quando na Grundig e noutras empresas o patronato executa sumariamente a despedimento lá surgem os Cravinhos e os Mateus (quem havia de dizer!!!) a constatar com o ar pesaroso que não há nada a fazer.

O Governo quer aplicar o garrote salarial no Orçamento de 98. Porquê?

Porque os critérios e os calendários de Maastricht e da moeda única no exigem! Mas não foi o PS o PSD e o PP que estiveram de acordo com tais critérios e calendários?

Os patrões abusam dos salários em atraso.

Mas não foram o PS o PSD e o PP que votaram contra a penalização e a responsabilização pelos créditos em dívida pelo patronato, propostas pelo PCP em casos de fraude ou má gestão?

Aumenta a sinistralidade no trabalho.

Mas não foi o PS e o PSD que recusaram e adiaram as propostas legislativas do PCP para que fosse regulamentada a lei de Bases da Higiene e Segurança nos locais de trabalho para que fosse reforçada a intervenção preventiva da Inspecção Geral do trabalho para que fosse penalizado o desleixo patronal e aumentadas as pensões aos sinistrados e suas famílias? Pois mas ... e as seguradoras?
Privativa-se a trouxe mouche mas o Governo garante que os trabalhadores podem comprar algumas acções e ficam com os direitos garantidos por um ano. Quando os trabalhadores passam de accionistas de conjuntura a potenciais pré-reformados e a despedidos forçados, lá ouvimos que assim se faz porque está na lei (aprovada pelo PS-PSD-PP).
Assim aconteceu com os contratos a prazo, com os recibos verdes com o trabalho temporário, com a lei da flexibilidade e polivalência. Assim quer o Governo fazer com qualquer manifestação que implique cortes de estrada, com a lei da greve após a aprovação da lei de revisão constitucional.
De protagonistas legislativos nas malfeitorias não tardarão a por a máscara de grandes defensores do Estado de direito ( já lhe queima a boca dizer democrático) quando alguns trabalhadores com salários em atraso se atreverem a desfilar pelas ruas próximas de S. Bento atrapalhando o trânsito ou a avalisarem a decisão do Conselho de Administração de tal ou tal empresa pública quando definir como serviços mínimos a convocação obrigatória de 50% de trabalhadores em greve.

Em nome da lei, claro e se necessário dos serviços sociais impreteríveis.


A resposta necessária

Os meses próximos não vão ser fáceis para os trabalhadores portugueses.
Não serão confrontados com o estilo cavaquista de arrogância, do quero posso e mando.
Abundarão os convites e as promessas de diálogo porque, honra seja feita ao executivo de Guterres, não promete uma política diferente mas uma forma diferente de execução.
Não se coloca a recusa liminar do diálogo e de negociação. Eles são em si mesmo princípios constitutivos da acção do movimento operário e sindical.
A questão está em saber se esse diálogo e essa negociação pressupõe como ponto de partida a seriedade e confronto de propostas ou, como quer o Governo PS, e mais ainda o grande patronato, o aval e o consenso a bem ou a mal, do que está previamente decidido e determinado, designadamente na proposta de Orçamento de Estado e nas grandes opções do Plano.
E sempre, mas sempre no confronto de interesse antagónicos nenhum espaço de negociação torna dispensável o envolvimento a intervenção e a luta dos trabalhadores. Mais indissociável ainda quando este governo PS na sua prática política fez um opção clara de governar à direita e privilegiar o grande capital, ainda que proclama em tudo o que é sítio a sua política de "consciência social".
Recusar esta caracterização da política deste Governo seria negar a evidência e iludir os trabalhadores, mesmo aqueles que votando no PS acreditaram (e quantos não acreditarão ainda) que era possível uma política diferente que corresponda aos seus anseios e ás suas justas reivindicações.
O PCP ao apelar à luta dos trabalhadores não o faz por opção voluntarista ou porque não percebe as dificuldades as mutações da realidade. Ao contrário dos arautos do "conformismo e do não vale a pena" que exemplos notáveis e contra a corrente não deram recentemente aos trabalhadores têxteis, os mineiros de Ajustrel, os ferroviários, da administração local, da Torralta, de tantas empresas que estariam sem alternativa não fosse a sua luta.
Perante o bloqueio de contratação colectiva, do combate que é preciso continuar em torno da redução do horário de trabalho, da continuação das privatizações já ao nível das funções sociais do Estado, do ensaio e novas malfeitorias na legislação laboral e da imposição psicológica de tectos salariais há que pôr os pés no caminho.
O PCP ao apelar à luta tem a consciência e a convicção que esta constitui factor decisivo para resolver os problemas concretos e as reivindicações concretas.
E fá-lo também porque quer que a direita perca não só nas eleições mas também nos seus objectivos e na sua política.

A opção política do PS justifica essa luta. As aspirações dos trabalhadores também.