TRIBUNA

A propósito da rentrée

Por Lino de Carvalho



De acordo com um relativamente recente vocabulário político, o País está na época da «rentrée». É assim como que uma espécie das estações do ano. Tal como as andorinhas anunciam a Primavera, a «rentrée» anuncia as malfeitorias que os portugueses podem esperar do «ano político», as ameaças, as promessas, os processos de diversão.

Assim o PSD e Marcelo Rebelo de Sousa anunciaram, na terra da avó Joaquina, o seu voto contra a Regionalização tentando resolver com os menores custos internos possíveis os problemas e as divisões que a criação das Regiões Administrativas originam no PSD. Entre Cavaco Silva, Durão Barroso ou Pacheco Pereira e Mendes Bota, Vieira de Carvalho ou muitos outros militantes sinceros adeptos da regionalização, Marcelo optou pelo baronato centralista.

Simultaneamente procura não deixar a direita centralista nas mãos do PP e de Manuel Monteiro e aproveita para ensaiar um aparente distanciamento em questões de Estado e de regime em relação ao Partido Socialista que tente fazer esquecer aquilo em que são cúmplices e em que estão umbilicalmente ligados: revisão constitucional; projecto de integração e federalização europeia e adesão à moeda única: sistema eleitoral; orçamento de Estado; privatizações.

O PS e António Guterres optaram na dita «rentrée», esta em Faro e ao que consta com pouca animação, por dar mais um passo na escalada da subversão do sistema político e constitucional.

O anúncio da proposta de um novo sistema eleitoral, cavalgando já os resultados da revisão constitucional cozinhada com o PSD, procura matar vários coelhos com uma só cajadada: o bipolarizar o sistema político, procurando fixá-lo na área do «centro», desrespeitando o princípio da proporcionalidade, fazendo diminuir artificialmente a representação eleitoral de partidos como o PCP que «perturbam» o funcionamento do sistema dominante e fragilizando assim a representação plural da Assembleia da República (ainda por cima quando articulado com a eventual redução do número de deputados); o criar uma nova operação de diversão e de distracção em relação às questões económicas e sociais e, em particular, em relação à regionalização que, de facto, António Guterres e certos sectores do PS (com relevo para Mário Soares) não querem ou suportam com dificuIdade (somente devido aos fortes compromissos eleitorais e às pressões internas e públicas) e cuja concretização está longe de estar garantida. Desde a aprovação da lei de criação das regiões no plenário da Assembleia da República até ao referendo e aos seus resultados muita água ainda há-de correr debaixo das pontes.

Neste quadro, as intervenções públicas dos líderes do PS e do PSD na chamada «rentrée» não são simples operações com o objectivo de tentarem a criação de factos políticos artificiais, de intenção meramente mediática. São, bem pelo contrário, graves operações visando, num caso, tentar impedir a descentralização da organização político-administrativa do País por via da regionalização e, noutro caso, visando a eternização da política de direita no poder através da subversão do sistema eleitoral com a discriminação do PCP e de outras forças políticas.

São operações que eximem uma resposta pronta e firme do PCP, desenvolvendo um largo movimento de opinião e luta a favor da regionalização e contra um novo sistema eleitoral assente na mentira de que os círculos uninominais aproximam os eleitores dos eleitos, quando o que acontecerá é exactamente o contrário, como já assinalou a Comissão Política do PCP.

Largo movimento (ou movimentos) que poderão ter a virtualidade de chamar a si muita gente, mesmo da área social-democrata ou socialista, que não se revê nas opções das direcções do PSD e, particularmente, do PS.

O PCP tem, pois, todas as condições para ocupar esse espaço à esquerda que o PS aliena com a sua política de direita, seja a propósito destes temas, seja a propósito do processo de integração europeia e da moeda única, das políticas neoliberais e de alastramento das desigualdades, da política agrícoIa ou das privatizações e de desmantelamento das funções económicas e sociais do Estado, etc.

Mas este espaço não pode unicamente ser ocupado por via da intervenção institucional ou da comunicação social. A conjugação dessa intervenção - absolutamente necessária com «o desenvolvimento da luta de massas e descontentamentos sociais» é o factor determinante para assegurar o reforço e a afirmação do PCP e das suas teses.

Estamos em época de eleições autárquicas com balanço dos mandatos, preparação dos programas e das listas, reafirmação e renovação de eleitos. E um período oportuno para aferir dos resultados daquela conjugação (da acção nas instituições com o trabalho de massas) porque só ela garante a afirmação do projecto da CDU e o aparecimento, renovação e desenvolvimento dos quadros. Porque só um Partido forte com uma permanente ligação à sociedade e aos seus problemas concretos é capaz de forjar novos quadros que assegurem a necessária rotação nos cargos institucionais e não o torne refém desses mesmos cargos e da sua visibilidade pública, com todas as consequências perversas que isso origina. Porque só conjugando a intervenção institucional (e de qualidade como tem sido timbre do PCP), as lutas dos trabalhadores e da sociedade, a multiplicação de movimentos sociais e de opinião democrática é possível reforçar e consolidar a influência social, política e eleitoral. À esquerda, só o PCP está em condições de cumprir esse papel.
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P.S. - Li, recentemente, no jornal de Belmiro de Azevedo, que um investigador britânico descobriu que «a queda dos regimes comunistas da Europa de Leste traduziu-se numa redução da incidência de doenças cardiovasculares nesses países». E esta, heim? Aliás, como os serviços públicos de saúde têm sido desmantelados e o desemprego e a pobreza impedem os cidadãos de recorrerem aos serviços existentes estou certo que investigando melhor ainda se descobre que estatisticamente as doenças acabaram naqueles países...