A TALHE DE FOICE

Matar o mensageiro



A brutal morte de Diana Spencer, Princesa de Gales, reabriu esta semana em todo o mundo a delicada questão da «liberdade de Imprensa e seus limites». Leitmotiv: a eventual responsabilidade de sete «paparazzi» na ocorrência do acidente que vitimou mortalmente a princesa e dois dos seus três acompanhantes.

Do ponto de vista noticioso, de imediato e concomitantemente se desenharam duas linhas de orientação: por um lado, a exploração sem limites da tragédia; por outro, a semeadura de culpas delimitada nos «paparazzi» que perseguiram a viatura da princesa e, eventualmente, assim contribuíram para a fuga em alta velocidade e o fatal despiste.

O extraordinário desta estratégia informativa é que ela permite o inacreditável - eternizar a devassa da figura da princesa a coberto de valores contrários: em vida, invocando a «liberdade de informação» para lhe violar todas as intimidades; na morte, absolvendo-se com o bode expiatório dos «paparazzi» para despudoradamente lhe exumar o passado e dele extrair uma lenda, como se sabe ainda mais vendável que a própria realidade.

A circunscrição da «culpa» do acidente nos «paparazzi» permitiu, entretanto, um curioso apartar de águas informativo.

De repente, estes mercenários da coscuvilhice transformaram-se numas aberrações de geração expontânea, sem ligações nem apoios, sem patrões nem mercado, como se a sua actividade - sem dúvida pouco honrosa - não passasse de uma tara idiossincrática com que qualquer pessoa de bem não pode ter nada a ver.

Significativamente, foram as próprias empresas jornalísticas que lhes encomendam este tipo de trabalhos e lhos pagam a peso de ouro, as primeiras a anunciar o seu indignado boicote às fotos colhidas no fragor da tragédia.

Com a súbita morte de Diana, falecera não menos subitamente toda a imprensa de escândalos, toda a informação que faz da imbecilidade, do escabroso e da alienação um modo de vida.

O mundo ficara inundado de «imprensa séria».

Mas não se quedou aqui, o cinismo dos donos das empresas editoriais do planeta.

Ao mesmo tempo que elidiam a sua responsabilidade maior neste tipo de informação sensacionalista - que promovem e gerem ao ponto de fazerem dela um dos mais lucrativos e manipuladores segmentos do negócio da comunicação -, trataram de meter os «paparazzi» no saco do jornalismo para com ele voltearem novas diatribes contra os «exageros» da liberdade de Imprensa.

Como se os órgãos de Comunicação Social - quaisquer órgãos de Comunicação Social - não tivessem por trás donos, interesses e estratégias que determinam o essencial do que neles se publica.

Como se a dimensão do jornalismo se avaliasse, profissionalmente, pela rasteirice dos «paparazzi» e o seu exercício se fizesse ao abrigo de pressões ou independente das hierarquias, que lá estão para que as orientações se cumpram.

Como se, em corolário, estes mandantes não tivessem nada a ver com as execuções que decidem, ordenam e pagam com a força do poder que detêm.

Na longa história dos homens, nem sempre os mensageiros foram honrados, como o lendário soldado grego que correu para Atenas a anunciar a vitória sobre os Persas, na batalha de Maratona.

Quando portadores de más notícias, muitas vezes foram mortos à chegada pelos próprios senhores.

É o que os donos da «aldeia global» estão a fazer com estes «paparazzi».

Estropiando, na lançada, o jornalismo. — Henrique Custódio