Agarra que é ladrão !
Acreditando firmemente que uma mentira mil
vezes repetida acabará por se tornar verdade, Marcelo Rebelo de
Sousa percorre agora cada comício do PSD classificando de «vergonha
nacional» e de «negociata PS-PCP» feita «à
sucapa dos portugueses» a aprovação em comissão
parlamentar (ao fim de 15 meses!) do mapa das regiões em que o
PCP fez justamente valer face ao PS o respeito que era devido às
opiniões manifestadas pelas Assembleias Municipais que tinham
sido consultadas nos termos do artº 256º da Constituição!
Entretanto, no passado sábado, o «Expresso» publicava
extractos do prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa à edição de
uma Constituição anotada que se insere nos festejos do PSD
sobre a aprovação da revisão da Constituição.
De entre tais excertos, é justo destacar aqueles em que MRS,
exercitando a sua insuperável técnica de apunhalar através do
elogio e de amesquinhar através do enaltecimento, salienta que «no
Partido Socialista foram alguns os contribuintes para esta
revisão. Citarei só os mais destacados: os Deputados Jorge
Lacão, José Magalhães, Vital Moreira e Francisco Assis e o dr.
António Vitorino. Deles merece destaque particular o deputado
Jorge Lacão. Foi ele que negociou com Marques Mendes o acordo
PS-PSD, com persistência e dedicação. Foi ele quem impôs ao
seu Grupo Parlamentar esse facto quase consumado» .
Mas há mais : rebolando-se previsivelmente
com as maldades que lhe dão plena felicidade, Marcelo Rebelo de
Sousa mistura ainda mais elogios com o relato minucioso de
pormenores de bastidores, assim deixando claro como foram
hipócritas certos desmentidos públicos. É nesse quadro que
afirma que se esta revisão «existiu e abre portas em
matérias essenciais» foi «graças ao dr. António
Vitorino. A sua intervenção foi nuclear (...). Foi o seu
acicate que que permitiu o contra-relógio de Fevereiro e Março
na conclusão do acordo PS/PSD. Na madrugada do termo das
negociações estivemos a falar, telefonicamente, até perto das
sete da manhã (...). O dr. António Vitorino teve a tripla
missão de informar o Primeiro-Ministro, de intuir as
modificações fundamentais e de moderar os excessos da
delegação socialista. (...) A 13 de Fevereiro, e em paralelo
com a polémica acerca dos projectos sobre o aborto - que dominou
os trabalhos parlamentares - o dr. Marques Mendes lançou mãos
à obra com o dr. Jorge Lacão. E não mais pararam.»
Atentas todas estas afirmações e confissões que,
caso a tivessem, deviam fazer corar de vergonha os principais
responsáveis do PS, é tempo de voltar ao principio desta
crónica e perguntar inocente e delicadamente : mas quem é que
anda para aí a falar de «vergonha nacional» e de
«negociatas» feitas «à sucapa dos portugueses»?
Pois é. O líder do PSD não o sabe ou nunca se deixará
convencer disso, mas a verdade é prestaria um assinalável
serviço à ética política e à propria democracia se, nestes
dias, chegasse à tribuna dos comícios do PSD e, pura e
simplesmente, gritasse a plenos pulmões: «Agarra que é
ladrão!». Vítor Dias