Bósnia
A
"paz de Dayton"
Perante o fracasso dos Acordos de Dayton,
assiste-se na Bósnia-Herzegovina a uma inquietante escalada
intervencionista por parte dos EUA e das forças da NATO. Afinal
quase tudo está a correr ao contrário do prometido em Dezembro
de 1995, quando, sob a batuta de Washington, a paz de Dayton foi
decretada. A força da NATO - em que Portugal participa,
recorde-se - que há muito deveria ter acabado a sua missão,
não só continua no terreno, como alargou os seus efectivos (que
já vão em 35.000 homens) e foi oficialmente investida de novas
missões que a tornaram efectivamente em autêntica força de
ocupação nos territórios sérvio-bósnios. Uma força que foi
apresentada como "neutra" e "imparcial" e
servindo fundamentalmente para ajudar a criar condições para o
"funcionamento das instituições democráticas",
intervém escandalosamente no dia a dia da vida política para
impôr homens, políticas, soluções que melhor sirvam os
propósitos de dominação imperialista na região.
O que está a passar-se com a intervenção
da SFOR e do contingente militar norte-americano na República
Srpska está a ultrapassar todos os limites. Os EUA parecem ter
encontrado na Srª. Biljena Plasvic um precioso aliado no seu
propósito de submeter definitivamente a parte sérvia. Que B.
Plasvic tenha sido a seu tempo considerada uma
"radical" de braço dado com Karadjic, é irrelevante.
Que a dita senhora, Presidente da República Srpska, esteja em
confronto com o co-presidente sérvio da República da Bósnia e,
na parte sérvia, com o Parlamento, o Governo, o Tribunal
Constitucional, a chefia das Forças Armadas e o seu próprio
partido, pouco importa. Importa sim aproveitar a fundo a
circunstância para desestabilizar, enfraquecer e dividir a
entidade sérvia da Bósnia e, de modo mais amplo o campo
sérvio. E porquê? Porque apesar de recuos e vacilações
continua a representar um factor de perturbação e de
resistência no processo de reforço e alargamento da NATO e a
afirmação da hegemonia dos EUA. Não é certamente uma
casualidade que à parte sérvia apenas tenham cabido 2% do total
da ajuda canalizada para a reconstrução da Bósnia, tal como
também não é por acaso que os EUA procurem envolver a
liderança da nova Jugoslávia (Sérvia e Montenegro) na malha da
sua teia, ameaçando com novas sanções caso não se revele
suficientemente "cooperante".
O fracasso dos Acordos de Dayton não é
surpreendente. Só uma grande ingenuidade podia esperar que os
complexos arranjos institucionais do novo Estado funcionassem,
que as tropas que impuseram os Acordos se retirassem ràpidamente
entre aplausos de reconhecimento popular, que a ajuda
internacional à reconstrução económica fosse distribuída
equitativamente e jorrasse avassaladora, que o milhão e meio de
refugiados regressasse rapidamente às suas casas. Nada disto
aconteceu ou tem perspectivas de acontecer a curto prazo. A
"Paz de Dayton" é uma paz injusta imposta pela força
que só a força poderá manter. O objectivo das grandes
potências, desde a Alemanha aos EUA, nunca foi o de resolver os
problemas dos povos da região, mas a conquista de posições
económicas, políticas e militares na estratégica e martirizada
região dos Balcãs. Foi isso que determinou o desmembramento da
antiga Jugoslávia impulsionado pela Alemanha. É isto que
determina hoje a escalada intervencionista das tropas dos EUA e
da SFOR na Bósnia-Herzegovina, o seu comportamento como força
de ocupação na República Srpska, ao mesmo tempo que os
muçulmanos bósnios de Itzegovic continuam a ser fortemente
armados por Washington.
Na cavalgada imperialista para o Leste da
Europa, os EUA não só não querem perder a dianteira, como
afirmam com arrogância a sua supremacia mesmo que tal possa
desencadear novos e dramáticos conflitos. Neste sentido é digno
de registo que o Presidente em exercício da OSCE, o ministro dos
negócios estrangeiros dinamarquês Niels Peterson, tenha
qualificado de "insensata" e susceptível de levar a
"uma nova guerra civil nos Balcãs" a política
norte-americana na região. De facto a "paz de Dayton",
uma pax americana, foi e é prenhe de guerra. Albano
Nunes