Reunião mundial do Conselho das Comunidades
Emigração fez a crítica
e exige resposta séria



Durante a semana passada, cem representantes das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo estiveram reunidos em Lisboa, na Assembleia da República. O Conselho das Comunidades Portuguesas, criado por lei em Novembro de 1996, cumpriu assim o seu primeiro acto, desde as eleições realizadas a 27 de Abril.


De 8 a 12 de Setembro, foram debatidas as normas de funcionamento, foi feita uma discussão dos problemas dos emigrantes, foi eleito o Conselho Permanente do Conselho das Comunidades.

No seguimento das posições evidenciadas no ano passado, na AR, esta reunião ficou também marcada pelo combate contra as tentativas de fazer do Conselho um órgão de fachada, exigindo que ele seja desgovernamentalizado, despartidarizado e autónomo. Acabaram por ser impostos princípios que colocam em sério perigo esta perspectiva.

A polémica tomou tais proporções, no plenário, que muitos dos conselheiros abandonaram os trabalhos, enquanto outros declararam abertamente o seu protesto, recusando votar na eleição do Conselho Permanente.

Em contrapartida, nas comissões temáticas - onde foram debatidas questões mais directamente ligadas à vida e aos problemas dos emigrantes - foram praticamente unânimes as críticas à política de emigração do Governo. Esta contradição reflectiu-se nas votações: enquanto as conclusões de quatro das cinco comissões foram aprovadas por unanimidade, apenas 57 conselheiros votaram favoravelmente a composição do Conselho Permanente e alguns conselheiros, elementos da lista de unidade, excluída, decidiram impugnar as eleições para este órgão.

Para uma conversa sobre o modo como decorreram os trabalhos deste primeiro Conselho das Comunidades, convidámos três conselheiros e um dirigente do PCP que acompanhou a reunião de Lisboa.

Ildefonso Garcia é engenheiro civil e empresário em São Paulo; nascido na Parede, saíu de Lisboa para o Brasil em 1961, com 19 anos. Cristina Semblano é economista na sucursal da Caixa Geral de Depósitos em Paris; tem 42 anos e emigrou para França em Janeiro de 1972; encabeçou a Lista B, de unidade, que se apresentou sob a palavra de ordem «Pela autonomia do CCP». Davide Quintans é produtor e realizador de cinema no Rio de Janeiro; nascido no Alentejo há 52 anos e criado em Lisboa, viveu em França de 1966 a 1970 e depois no Brasil; regressou a Portugal após o 25 de Abril; desde 1980 reside novamente no Brasil. João Armando, que desde 1971 e até 1982 foi emigrante em França e na Alemanha, é membro da direcção da Organização do PCP na Emigração, e participou numa parte dos trabalhos do Conselho como representante do deputado comunista José Calçada.


«Avante!»: A forma tempestuosa como terminou a reunião, designadamente na votação para o Conselho Permanente, coloca de alguma forma em causa a representatividade do CCP e a validade das suas conclusões?

Ildefonso Garcia: Da maneira como foi conduzido o processo eleitoral, tumultuado e já com algumas cartas marcadas, este Conselho não está representando os interesses da maioria dos emigrantes.


O processo eleitoral para os conselheiros ou para o Conselho Permanente?

Davide Quintans: Para os dois, pelo menos no que vi relativamente ao Brasil, onde ainda foi muito influenciado pelos velhos comendadores.

IG: Isso, embora a liderança da colónia portuguesa no Brasil esteja a mudar, tornando-se menos retrógrada e mais liberal. Entre os 25 conselheiros eleitos, por exemplo, são já muito poucos os comendadores.

A representatividade do Conselho ficou muito afectada pela fraca participação da comunidade nas eleições dos conselheiros e pela forma como foi conduzido o processo eleitoral no plenário em Lisboa, com aquelas andanças e desandanças de moções para beneficiar a lista que estava dentro dos interesses do grupo que acabou assumindo o poder dentro do CCP. Inclusive, se usou do anticomunismo para pressionar os conselheiros indecisos.

DQ: Houve quem chegasse mesmo a vaiar os representantes do PCP.

Cristina Semblano: Eu, que não sou membro do Partido Comunista, fiquei escandalizada. Nunca pensei assistir em Portugal e numa reunião destas a cenas de punhos no ar e gritos «fora, comunista!».

IG: Nunca tinha visto uma coisa assim! Na hora do meu voto, declarei que me recusava a votar num plenário que se manifestou antidemocraticamente.

CS: A própria maneira como foram preparadas as eleições mostra que, à partida, não havia muita vontade política de que este seja um órgão representativo e com efectiva capacidade de cumprir as suas funções. Não falo do financiamento da campanha, que foi nitidamente uma lacuna da lei. Mas havia coisas que podiam ter sido feitas e que a lei não impedia, como o desdobramento das mesas de voto. No consulado onde eu votei havia 255 mil pessoas inscritas; ora, apenas com um local de voto, só haveria tempo para uma votação baixíssima. Também não foi feita uma boa divulgação das eleições na comunicação social.

Quando cheguei a Lisboa e vi a maneira como se começou a desenrolar o plenário, convenci-me de que aquela vontade era nula: foi desprezível a resposta do secretário de Estado à moção sobre indemnização dos conselheiros pela perda de salário decorrente da sua participação no Conselho; a própria maneira quase caritativa como fomos acolhidos, transportados e alojados firmou essa minha convicção; e desde o princípio dos trabalhos achei que ali havia toda uma manipulação, com várias irregularidades da mesa e do seu presidente, que aceitaram votar por capítulos uma das cinco moções sectoriais, contrariando o regulamento aprovado e que determinou a votação das moções na globalidade.

IG: Curioso, como esse regulamento só surgiu depois do Ministério saber a composição do Conselho das Comunidades... E só depois de se conhecer os nomes dos eleitos é que foi elaborada pela secretaria de Estado a proposta de que o Conselho Permanente deveria ter obrigatoriamente representantes de certos países, ultrapassando as exigências legais nesta matéria.

João Armando: Esta norma excluiu, à partida, de serem eleitos para o Conselho Permanente conselheiros de sete países, só na Europa. Aqueles que a promoveram e aprovaram deram uma intepretação extremamente restritiva à lei, o que nós consideramos ilegal. Todos os conselheiros têm os mesmo direitos e o que consta na lei é o limite máximo de dois representantes de um país, nos 15 membros do Conselho Permanente, a par de um apelo aos equilíbrios na composição deste órgão.

CS: A proposta da secretaria de Estado determinou o número de membros do Conselho Permanente a partir da exigência de que dados países estivessem obrigatoriamente representados.

IG: Essa aprovação dessa proposta, eu a considero completamente ilegal, porque foi submetida à aprovação do plenário, sem reunir antes as necessárias quinze assinaturas.

DQ: Como se pode impor aos conselheiros que um eleito da Argentina vai obrigatoriamente para o Conselho Permanente? Por que não deveria ser um do Uruguai, por exemplo?


O PCP vai retirar algumas conclusões deste resultado, depois de há um ano se ter empenhado em que voltasse a existir o Conselho das Comunidades?

JA: Estamos a analisar a situação ainda a quente. Haverá ocasião de aprofundar melhor esta análise e tirar as ilações devidas. Mesmo assim, alguns elementos confirmam objecções, dúvidas, preocupações e algumas acusações que vínhamos a fazer ao Governo.

O problema da representatividade e da dispersão geográfica dos portugueses no Mundo não é fácil de resolver, e esta lei está muito longe de poder minimamente responder a essas preocupações, antes de mais porque é uma pirâmide invertida. Ou seja, o nosso projecto de lei dava especial importância aos conselhos de país, como estrutura fundamental para o desenvolvimento da própria actividade do Conselho das Comunidades; dos conselhos de país saíam os membros dos conselhos regionais e daqui eram escolhidos os membros do conselho mundial. O que se verifica na lei aprovada é o contrário: criou-se uma estrutura extremamente limitada, com cem membros, que decide tudo e reúne só de quatro em quatro anos.

Nós púnhamos o acento na representatividade dos emigrantes, mas esta lei faz sempre a referência ao carácter de órgão consultivo do Governo.

Quanto ao número de votantes, é bom ter em conta que este é, a nível global, semelhante ao número de votantes para as eleições legislativas; e enquanto para estas o voto é por correspondência, para as eleições dos conselheiros das comunidades as pessoas tiveram que se deslocar aos consulados. Vistas assim as coisas, conclui-se que a vontade de participação é grande, mas houve muitos factores a determinar uma fraca taxa de votação.

Nas próximas eleições, em 2001, é necessário pôr termo à determinação do número de representantes de cada círculo a partir de estimativas do número de portugueses residentes. Este método resultou em grandes disparidades, como nos casos do Brasil (estimativa de um milhão e duzentos mil, quando o levantamento feito pelos consulados não chega aos 300 mil) e da França (estimativa de 780 mil, mas mais de um milhão segundo os números dos consulados); enquanto o Brasil elegeu 25 conselheiros, a França elegeu 16.

Também não podemos, com alguns parecem pretender, abandonar ao encargo dos conselheiros todas as despesas do seu trabalho de ligação às comunidades. Isso significaria matar o Conselho à nascença.

Nas conclusões ficou clara uma tónica que esteve presente nas reuniões: uma crítica acentuada à política de emigração do Governo, no geral. Em relação aos aspectos processuais, houve tentativas de instrumentalização e partidarização do Conselho. Para nós é claro que a decisão de fazer por listas a eleição do Conselho Permanente veio facilitar e estimular a criação de listas por partidos ou de entendimentos entre partidos - foi claro um entendimento do PS e do PSD. Gerou um clima de instabilidade muito grande, com a proliferação de listas onde foram incluídas pessoas sem sequer para tal darem a sua autorização.

IG: A tendência era a criação de uma lista única.

JA: E este receio acabou por se confirmar.

CS: Além do mais, a determinação dos países que têm que estar no Conselho Permanente veio obrigar a que várias pessoas tivessem que figurar em mais que uma lista. Mas, significativamente, não houve nenhuma tentativa da outra lista ou de quem quer que fosse para encontrar connosco um consenso que resultasse numa lista única para o Conselho Permanente. Apostaram sobretudo no confronto e na exclusão.

IG: Não foi mais que um golpe!


Até às eleições de 2001 que trabalho podem desenvolver os conselheiros?

DQ: Esse é o grande problema: saber se os conselheiros vão ter condições para desenvolver trabalho. Agora, chegando ao Brasil, nós vamos ter que eleger o coordenador do país e os coordenadores das secções locais. Mas é preciso decidir se o conselho vai ficar dependente das estruturas já existentes e, no fundamental, dominadas pelos comendadores, ou se vai ter uma postura independente. Para isto, precisamos meios.

IG: Acho uma vergonha, para os portugueses emigrados, que o Governo não decida municiar financeiramente as subsecções ou secções locais do Conselho das Comunidades.

JA: Temos uma grande preocupação quanto à fragilidade com que sai desta reunião o Conselho Permanente, tanto pela forma como foi eleito, como pela sua composição, que inclui pessoas que combateram a proposta de orçamento aprovada em plenário. Assim, boa parte do esforço dos conselheiros há-de ser dispendida a seguir atentamente a intervenção do Conselho Permanente para aplicar as conclusões do plenário.

CS: E o orçamento é fundamental. Sem meios, o Conselho das Comunidades vai morrer.

JA: Quanto ao trabalho ao nível de cada país, aprovada que foi a criação de secções locais, caberá a estas definir formas próprias de intervenção.


Como caracterizam a discussão havida no Conselho sobre os problemas mais sentidos pelos emigrantes?

JA: Uma das críticas que mais se ouviu, relativamente ao programa da reunião, dizia respeito ao tempo muito reduzido para a discussão nas comissões temáticas, face a realidades tão dispersas e tão diversas. Foi colocado à apreciação um conjunto de documentos sobre as preocupações da comunidade, e este resultado da discussão nas comissões temáticas é de grande valor para o trabalho futuro do Conselho Permanente. No plenário foi feita uma leitura das conclusões de cada comissão, que até foram aprovadas, mas acabaram por predominar outros interesses e a discussão não foi tão rica como nas comissões.

O levantamento dos problemas existe e foi feito com uma tónica muito crítica face ao comportamento do Governo. A dúvida é se a estrutura que tem um papel importante na fiscalização da aplicação dessas conclusões - o Conselho Permanente - será capaz e estará suficientemete interessado em pressionar o Governo para seguir as recomendações aprovadas.

CS: As conclusões de quatro comissões temáticas foram aprovadas por unanimidade. No caso da quinta comissão, o presidente aceitou a votação por capítulos e muitas propostas foram aceites, outras foram recusadas.

IG: Embora com as limitações conhecidas, nós, os conselheiros, vamos também contribuir nesse sentido, nomeadamente junto das comunidades onde fomos eleitos, para que as conclusões tenham expressão prática. Mas só temos o poder de pressionar. As decisões têm que caber ao Governo.

CS: Vamos ter que explicar às pessoas, mal cheguemos aos nossos países de residência, o que se passou durante a reunião e porque tomámos as posições que tomámos, nos vários momentos.

JA: Há muita coisa aprovada no Conselho que corresponde às aspirações das comunidades emigrantes e é necessário exigir agora que essas recomendações sejam respeitadas pelo Governo.