A TALHE DE FOICE

O assalto



A privatização da Portugal Telecom já deu frutos.
O primeiro, tem o tamanho de 116 milhões de contos em lucro líquido gerado nos últimos três anos.
O segundo, configura-se num agravamento variável dos preços de utilização nos próximos dois anos, que pode chegar aos 40% de aumento nas chamadas locais.
Há uns anos, impor-se-ia de imediato uma pergunta em todo o País: se houve lucros tão pronunciados - e 160 milhões de contos não são, propriamente, uns trocados -, porquê o aumento tão brutal num serviço de incontornável interesse público?
Isto perguntar-se-ia há uns anos, quando a gula das privatizações ainda aquecia motores e a argumentação dos poderes dominantes assentava na premissa de que o sector público era ruinoso e incompetente, em comparação com a eficácia da então virtuosa «iniciativa privada».
Nesse tempo (que foi um dia destes), as privatizações eram promovidas como a redenção da democracia e arredores, onde tudo seria mais barato, mais eficaz e competente - desde que privatizado, bem entendido.
Hoje, nem os velhos e novos capitalistas que se apropriaram dos sectores estratégicos da economia nacional, nem os partidos e governos que lhes franquearam essa apropriação, se dignam, já, compor a máscara ou salvar as aparências.
Após privatizarem tudo e mais alguma coisa, os governos do PSD e do PS enterraram, sem funeral, o discurso da «competência» e da «eficácia» e substituiram-no pelo da «rentabilidade» e da «competitividade».
A troca de um discurso pelo outro é, aliás, emblemática: o primeiro, fingia defender o interesse público para melhor abrir caminho à ganância privada. O segundo, já faz dele tábua rasa e impõe, sem contemplações, a brutalidade do novo dogma: a sujeição de tudo e todos à lógica do capitalismo.
Uma lógica cruamente exposta na privatização da Portugal Telecom: dum lado, 116 milhões de contos de lucros em três anos, para os capitalistas que se apropriaram da empresa; do outro, e nos mesmos três anos, aumentos para os utentes na ordem dos 26% nas assinaturas mensais de telefone e de 405% nas chamadas locais de 10 minutos, fazendo com que o custo do nosso cabaz de telecomunicações para os clientes residenciais seja o mais caro da Europa.
Mas, pelos vistos, ainda não chega.
Apesar destes lucros fabulosos, a Portugal Telecom prepara-se para agravar as chamadas telefónicas nos próximos dois anos, avançando com tarifas que, no caso das chamadas locais, poderão sofrer um aumento próximo dos 40% sobre os preços de hoje, o que terá um efeito devastador, quer na generalidade do público, quer nos utilizadores mais específicos como, por exemplo, os utentes da Internet, por sinal a quem a Portugal Telecom / Telepac tem procurado cativar acenando com a «vantagem» de as ligações à Net se fazerem ao custo das chamadas locais...
Que atitude toma o Governo de António Guterres, perante um escândalo destes?
Pega nas estatísticas, cozinha com elas uma mixórdia onde borbulha a baixa de preços nas ligações telefónicas internacionais (que a maioria dos cidadãos não faz) e o aumento das chamadas locais (que a maioria dos cidadãos efectivamente faz) e retira a extraordinária conclusão de que os gastos com o telefone... vão baixar!
Tudo isto dito no tom o mais dialogante possível.
Quanto à Portugal Telecom, está explicado o anúncio televisivo da terceira fase da sua privatização, onde se vê um jovem yuppi a saltar de um balcão com uma mala em punho.
É a imagem remissiva de um assalto à Al Capone. — Henrique Custódio