Como
elas se fazem
Não há muitos anos, um «slogan»
publicitário do semanário da Duque de Palmela rezava assim : «Acredite,
se ler no Expresso» .
É certo que este «slogan» - que, como se poderá
perceber, transpirava humildade e era o suprasumo da elegância
face à concorrência - foi oportunamente à vida.
Mas tudo indica que foi absorvido como «cultura de empresa» e
ainda hoje continua a fazer as suas felizes vítimas.
É disso perfeita demonstração o texto assinado por
José António Lima, publicado no último «Expresso» sob o
título «A encruzilhada do PCP» .
Nem vale a pena perder tempo a explicar que a lista de «derrotas»
(revisão constitucional, etc) e marginalizações que
J.A.L atribui ao PCP derivam de critérios onde não cabem nem a
coerência, nem as convicções nem a vergonha na cara e onde só
cabe o triste enfeudamento ao partido dominante e à dominante
política de direita.
Mas pode anotar-se que J.A.L só se pode permitir desvalorizar as
lutas sociais e o descontentamento contra a política
governamental exactamente porque não as viu noticiadas com um
mínimo de fidelidade no seu jornal.
O mesmo se aplica aos dislates que debitou a respeito
do PCP. Com efeito, J.A.L. vem sentenciar que «a alteração
do sistema eleitoral, com a criação de círculos
uninominais,também mereceu a condenação à nascença do PCP -
com argumentos que revelam incompetência e falta de estudo dos«
dossiers» e que « o PCP acordou tarde para o problema »
que está em causa, a saber «uma tendência
bipolarizadora acentuada pelo novo sistema eleitoral, que
acabará por afectar as votações do PCP à esquerda e do PP à
direita».
Pois é, a devoção ao «slogan» arrogante
só podia dar nisto. O «Expresso» nunca reparou que o PCP não
tinha nenhum obrigação de se pôr a conjecturar os precisos
contornos de um sistema eleitoral que o PS sempre
propositadamente escondeu da opinião pública até obter o
cheque em branco da alteração da Constituição. O
«Expressou» nunca publicou as passagens de antigos comunicados
do PCP onde o perigo de afectação da proporcionalidade muitas
vezes foi acompanhada da referência a que isso poderia ocorrer «
de forma directa ou reflexa» ou « de forma brutal ou
sofistificada». O «Expresso» também não ligou
nenhuma ao esclarecedor comunicado da Comissão Política de 26
de Agosto, ou seja dois dias antes da apresentação do
anteprojecto do Governo. O «Expresso» não publicou uma linha
do discurso de Carlos Carvalhas na Festa do «Avante!», dois
dias depois de o Governo divulgar os «dossiers».
Resumindo, no »Expresso» silenciam-nos e depois vêm dizer
que estamos calados ou acordamos tarde.
Verdade seja dita que toda a regra tem a excepção.
De facto, J.A.L, nunca leu no «Expresso», nem em parte nenhuma,
discursos de dirigentes comunistas contra a regionalização e
isso não o impediu de escrever que esses discursos «não
param de crescer contra o referendo e a própria
regionalização» .
Decididamente, J.A. Lima nunca terá problemas de encruzilhadas.
É que, para ele, as páginas do «Expresso» são a única
realidade que conta e as paredes da redacção o seu vasto
horizonte do país e do mundo. Vítor Dias