De novo
NUCLEAR



"O governo dos Estados Unidos está empenhado num gigantesco programa secreto para a construção duma nova geração de armas nucleares". Assim começa o artigo com que um jornal britânico (The Guardian Weekly, 24.8.97) descreve o conteúdo dum "documento interno do governo dos EUA" que foi obtido por um físico norte-americano que "em tempos trabalhou no laboratório nuclear secreto de Los Alamos" e enviado para o jornal. "O programa prevê um crescimento [de despesas] de 4 mil milhões de dólares por ano, comparado com um crescimento análogo de 3,7 mil milhões de dólares durante a guerra fria". O Guardian refere ainda que o relatório prevê "o desenvolvimento de novos tipos avançados de armas nucleares", a par da modernização e desenvolvimento de outros já existentes". E cita como exemplo os desenvolvimentos previstos para os mísseis Trident, "a espinha dorsal" do arsenal nuclear britânico, que equivalem à criação "de um novo Trident II".


Esta notícia preocupante surge em simultâneo com outros sinais de que se assiste a uma nova corrida armamentista e militarista por parte do imperialismo. No mesmo número do jornal britânico pode lêr-se que "o mercado armamentista mundial cresceu no ano passado pela primeira vez... após ter-se retraído desde o fim da guerra fria". No ano passado "venderam-se no mundo armas no valor de 31.8 mil milhões de dólares". Aos EUA coube 35.5% dessas vendas, seguidos pelo Reino Unido, França e Rússia (por essa ordem). O jornal prevê que estas vendas "terão provavelmente um novo surto no próximo ano, após o anúncio pelo governo Clinton de que serão levantadas restrições actualmente existentes à venda de sistemas armamentistas avançados aos países latino-americanos". E, acrescentamos nós, pelos chorudos negócios que previsivelmente serão feitos com a "reconversão" do equipamento militar exigida aos países do Leste Europeu que irão aderir à NATO, a fim de os "compatibilizar" com os dos actuais países-membros. E com a futura adesão dos actuais países neutrais da Europa, que está já a ser activamente promovida nas capitais sueca, austríaca e finlandesa, como nos dá conta o Financial Times de 14.8.97 (no seu artigo "a NATO à conquista dos neutrais").Que tudo isto seja feito à revelia e contra a vontade dos povos pouco importa nestes tempos "uni-polares". Diz o Financial Times: "A resistência de vastos sectores do público é contrabalançada pela nova abertura da elite política, sugerindo que a mudança dar-se-à gradualmente, em particular com a definição dum conceito de política externa e de defesa comum da União Europeia". Tradução para português: vai tudo para a NATO, quer queiram quer não; talvez sejam precisos vários referendos até a coisa ir ao sítio (à dinamarquesa); e se fôr ôsso duro de mais nem referendo haverá, como não vai haver na República Checa (onde a maioria da população se opõe à adesão), e como não houve após a "reunificação" alemã, quando a maioria dos alemães defendia a neutralidade do novo Estado reunificado. Vai ser mais uma "directiva de Bruxelas, não há nada a fazer".


Não restam dúvidas que as despesas militares são improdutivas, inflacionárias, geradoras de défices orçamentais, esbanjadoras do dinheiro dos contribuintes - além de serem mortais. É também o Financial Times (18.8.97) que nos dá conta do mais recente estudo nesse sentido, dum Prémio Nobel da Economia da Universidade da Pensilvânia que, tendo estudado a redução de despesas militares dos anos pós-guerra fria conclui que "os dados sugerem que uma menor despesa militar resulta, com o tempo, em maiores investimentos e consumo e produz um benefício global para a economia".Mas sendo assim, é inevitável a pergunta: porquê? Porquê o novo surto armamentista e nuclear? Dantes diziam-nos ser "um mal necessário", para "defender o Ocidente" do "Império do Mal", dos "SS-20" e tudo o mais. E agora? Nem as desculpas esfarrapadas sobre o tráfico de drogas, o terrorismo ou o fundamentalismo poderão alguma vez explicar gastos maciços em armas nucleares.

Sobra a explicação sempre dada pelo movimento operário e comunista: o militarismo faz parte da essência do imperialismo. São as armas que em última análise impõem a vontade do imperialismo, isto é, defendem e multiplicam os seus lucros. O "inimigo" é qualquer manifestação de independência de nações, de povos, de classes, em relação ao sistema de dominação imperial. Já era assim antes de haver URSS e campo socialista. Assim continua a ser. — Jorge Cadima